segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Conto - Baile do Interior


           

           BAILE DO INTERIOR


    Localize-se: você está a cinquenta quilômetros (mais ou menos) de qualquer cidade de porte grande ou pequeno. Parece impossível, não? Pois sim, mas há tantas dessas localidades espalhadas por aí, que é atrevimento começar a enumerá-las.
    Bem, falaremos somente de uma: Recanto do lobo. O nome já indica um lugar terrivelmente romântico. Em Recanto, como chamam, há três ocasiões especiais por ano, não religiosas, as quais culminam com um baile. Baile do interior! Olha, para realmente se saber como é, só participando! É um espetáculo autêntico, natural e divertido, que enleva qualquer coração subnutrido pela civilização socialmente abalroante. Não existe esse negócio de ser associado ou não, nem sequer se levam documentos, pois ninguém os exige. Garota comprometida ninguém assedia. Às vezes, aparece algum metido, galã de cidade grande querendo impor sua posição, mas logo acaba dispondo seu traseiro aos pés dos asseclas do  dono do salão, os quais, em compasso de marcha o põe porta afora, com um amigável lembrete de que não será bem recebido se retornar. Guardas só se vêem em bailes de Kerb porque dá muita gente.
    Há o pessoal que vem para o baile, a cavalo. Não escutou direito? Pois ouça: a ca-va-lo! Parece incrível, não? É uma cena lindíssima de se ver: o rapaz que é cavaleiro durante a semana, um mês, um ano, nestas ocasiões torna-se importante e angaria um “agá” a mais em sua designação. Torna-se um cavalheiro e vai ao baile. Vem trajando uma beca sem par: uma fatiota já anciã cheirando à naftalina que ele só usa aos domingos para ir à Missa e nesses anos todos só foi lavada uma meia dúzia de vezes. Desce do cavalo como um verdadeiro “cowboy”. Ele tem muita vaidade num acontecimento como aquele. Seu cabelo, à base de Glostora, vem empastado, reluzindo ao luar. A repartição do penteado é linear, reguada, denotando um preparo com bastante tempo para que ficasse assim. Barba feita no barbeiro, com navalha, de aparência impecável e tratamento finalizado com Acqua Welva, aquela loção pós-barba que arde como pimenta, mas mascara todos os cortezinhos involuntários.
    Para completar, ele exala de longe, mas de muito longe o inconfundível extrato de Ara, essência que encobre qualquer axila mais propensa a emanações neurosudoríparas, tornando-o uma viva poção afrodisíaca. Como uma boa parte dos rapazes usa esta fragrância nos bailes, o salão acaba emanando um teor de aroma característico, lembrando um verdadeiro baile do interior.
    As damas mais independentes vão ao baile em grupinhos de amigas ou com algum irmão. As que tem pais severos, morais e ‘corretos’, vão com eles. E, por causa de sua presença no baile a fiscalizar as filhas, muitas vezes interferem no sentido de elas arrumarem um bom partido, pois muitos rapazes não são chegados em garotas acompanhadas dos pais.
    Num baile do interior tudo é planejado; ninguém deixa nada para a última hora. É lógico que isto aconteça, pois o evento é aguardado com muito entusiasmo durante meses. As moças, em geral, angariam alguma peça nova em seu vestuário. As vezes é só um anel, uma calcinha ou um par de meias; outras vezes, compram fazenda para vestidos, saias ou blusas e fazem um traje completo, novinho em folha em todas as peças, desde o sapato. E isto envolve muita preparação, muita dedicação, idas e vindas à costureira, detalhes, testes de caimento, enfim, uma maratona! E elas adoram.
    Os rapazes são mais desleixados e, vez que outra, compram alguma camisa ou calça. Cuecas e meias nem se fala: usam até puir. Mas, no modo geral, a visão dos frequentadores no salão denota muito capricho no visual.
    O salão, em quase sua totalidade, é maior se comparado com os da cidade. Sua decoração é linda e primorosa, face ao bom gosto da esposa do dono do salão, que decididamente escolhe todos os detalhes para harmonizar com variadas cores o espírito daquele espaço de diversão: são lâmpadas envoltas com enormes topes de papel crepom, bandeirolas e correntes de jornal envelopado com papel celofane, as quais percorrem todo o forro em todos os sentidos. As mesas centenárias são ornamentadas com milhares de craterinhas esculpidas pelos cupins.
    Os salões de baile do interior geralmente são passados de pais para filhos durante muitas gerações e se tornam pontos tradicionais de encontros de pessoas a fim de uma relação mais profunda.



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    Sandra é do tipo certinha para a nossa história: possui o nariz sensualmente adornado com sardas atrevidas, olhos grandes e verdões e uma boca capaz de estraçalhar com sua voluptuosidade qualquer um que se atrevesse a roubar-lhe um beijo. Pois ela, que não gosta de deixar tudo para a última hora, ficou aporrinhando o saco de Plauto, seu irmão, toda a semana para comprarem a mesinha no salão. Seu vestido novo já estava pronto há mais de mês. Vivia experimentando-o para ver se lhe caía bem. Era exigente! Olhava... reforçava suas linhas com as mãos. E, segurando a cintura, olhava no espelho e seu pensamento dizia: “É bom comer alface e deixar a massa de lado! A prova está aqui!” E como caía bem este vestido! Estava convencida disso. Ninguém precisava admirá-lo; nem mesmo suas amigas. O mais importante era sentir-se bem nele. Disso tinha a absoluta certeza. Depois de satisfeita, guardava-o no armário com delicadeza, imaginando o príncipe que iria adorná-la com palavras elogiosas a respeito de seu vestido. “Direi que fui eu quem o fez” – pensou. E para desfazer o sentimento de mentira, confirmou logo em sua mente: “Claro, eu pelo menos preguei os botões!”
    Amílcar, irmão de Plauto e Sandra, por fim se convenceu de que já estava em tempo de comprarem a mesa para o baile; era sexta-feira e o outro dia, provavelmente, as venderiam como pão fresco. É tradicional nos bailes do interior venderem as mesas do salão para que as pessoas possam usufruí-las a noite inteira e não haver o risco de perdê-las durante o baile.
    Amílcar falou com o Plauto e, de tardezinha, foram comprar a sua mesa para o baile.
    Nota: o ato de ‘comprar mesa’ em salões de baile no interior é muito difundido e consiste em se pagar uma certa quantia para ter a reserva de uma mesa com quatro cadeiras durante todo o baile.





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    O salão estava repleto de gente. A bandinha já se instalara e os músicos aguardavam a hora de iniciar. Estavam todos embecados da cabeça aos pés, uniformizados conforme grupo instrumental: cordas, sopro, teclado e percussão. Ninguém dava muita bola para eles. Afinal, o povo ia lá se divertir.
    Faltavam quinze minutos para o baile começar quando chegaram  Sandra e seus dois irmãos; Plauto comprou as entradas enquanto Sandra e Amílcar aguardavam. E, como naquele momento muita gente estava se acotovelando na entrada do salão para pagar o ingresso, demoraram a conseguir atravessar a soleira estreita da porta do salão. Haviam chegado justamente na hora mais imprópria, faltando pouco para o início do baile. Mas, após alguns pacientes minutos, finalmente entraram no salão, se desvencilhando daquela massa humana a se espremer no guichê. Também custou um bocado de tempo até chegarem à mesa pois o salão estava lotado. Mal se instalaram e a bandinha se anunciou, principiando com um dobrado rítmico e melodioso. Alguns casais imediatamente tomaram posições na pista de danças e seguiram no balanço feliz da bandinha, que efetivamente acendia a vontade motora das pernas da maioria a ocuparem a pista.
    Os três irmãos, assim que sentaram já foram assediados pelo garçom que ofereceu-lhes o cardápio da noite, ao que Plauto somente pediu uma cerveja.
    O pedido foi rapidamente atendido já que os frequentadores do salão ainda não estavam consumindo muito. Enquanto sorviam a cerveja gelada, no ponto, Amílcar e Sandra balançavam em seu próprio lugar à mesa, ao ritmo da música. Plauto retraído, contentava-se em observar a multidão. Ele era mais parado, mais quieto que os outros dois. Sentia, também, mais dificuldades em convidar uma garota para dançar. Compenetrado, inteligente e calmo, satisfazia-se em notar vida e alegria nos outros. Amílcar e Sandra eram mais agitados. Os parentes diziam que os dois haviam puxado o gênio espontâneo da mãe, enquanto Plauto herdara o gênio do pai, o qual era mais sério. Amílcar desde o início do baile já se via sondando o salão em seus trezentos e sessenta graus à cata de garotas. Piscou para umas três ou quatro. Sandra, por sua vez não temia em ficar com o “joão-ninguém” a noite toda, pois era linda, completa.  Havia vários rapazes a desejando. Seu vestido novo estava coerente com a noite: o ar agradável combinava perfeitamente com as cores primaveris que ele esboçava. Além disso, a candura do seu modo de olhar, com aquele rosto ornado de sardas estratégicas, a faziam uma garota irresistível.
    Plauto estava com vontade de fumar. Estavam sem cigarros. Cigarro de palha se fumava durante a semana, na roça. O baile propiciava o consumo de cigarros de papel. Olhou em redor procurando um garçom. Não era difícil divisá-los, pois seu uniforme era uma toalha no ombro direito, feita de saco de açúcar. Roupas, usavam-nas das mais diversas. Era simplesmente a toalha que caracterizava seu posto no baile.
    Finalmente Plauto viu um garçom, chamou-o e fez seu pedido.
    Sandra mal havia tomado um gole de cerveja recém trazido pelo garçom, quando um aventureiro se aproximou:
    - Posso ter a honra de dançar com você?
    Sandra virou-se devagarzinho, pois haviam falado às costas, pronta para qualquer decepção. Ao ver o semblante do rapaz, mudou de idéia. Ele parecia-lhe um ótimo partido para iniciar a noite. Consentiu. Foram à pista, a qual já estava totalmente tomada pelos dançarinos. Amílcar e Plauto – agora um pouco mais a vontade – ficaram ali, à mesa, conversando e se divertindo.




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    Durante as primeiras músicas, o rapaz que convidara Sandra para dançar, nem piou. Ela ficou imaginando que ele só podia ser belo por fora e oco por dentro. Dançava bem, isto era verdade, mas não falar nada era inadmissível. Onde é que já se viu: um rapaz tão bem apessoado, esbelto, elegante, apresentável, não falar nada! Isto era inadmissível.
    A bandinha fez uma pausa. “Se agora ele não piar, dou-lhe o fora”. – pensou ela. Parecendo o rapaz ter-lhe adivinhado o pensamento, falou:
    - Você é linda!
    - O quê?
    E sandra aproximou seu ouvido por não tê-lo compreendido. A algazarra, o barulho era intenso, nada se ouvia caso não gritasse. E o moço:
    - Eu disse que estou achando a noite maravilhosa.
    - Ah! – Pra mim todos os bailes são maravilhosos, chova ou não. Acontece tão pouco disso por aqui, que quando se tem a oportunidade para curtir esta alegria, se faz de tudo para estar presente.
    O rapaz a fitou de alto a baixo, inebriado com aquela garota a sua frente. Continuou falando:
    - Você é desinibida!
    - O-obrigada! Sou sim. Super-desinibida! Gosto do jeito como levo as coisas.
    - Eu sou meio travado. – Disse o rapaz. – Mas, devagarinho, quando conheço alguém, vou me soltando e me transformando num cara super desinibido.
    - Gostei de ver. Eu também sou assim.
    Sandra sorriu em seu interior, ufana por ter sido escolhida por aquele rapaz que tinha tudo a ver com ela. Parecia que a noite estava prometendo um relacionamento novo.
    Sorriram. Ambos deixaram transparecer dentes lindos; os do parceiro de dança de Sandra mostravam-se meio amarelados, nicotinados; os dela, alvíssimos.
    A bandinha retornou com seu repertório. O rapaz não tardou a tomar Sandra em seus braços, a qual, por sua vez, deixou se envolver totalmente. E, enquanto dançavam, o rapaz tentou cortejá-la mais incisivamente, porém ela com delicadeza impediu-o de prosseguir em seu intento. Ele ficou todo enrubescido, mas cedeu. Sandra sentiu-se satisfeita ao notar que ele reconhecia sua tentativa mal-sucedida e que seu olhar unicamente, embora ele estivesse quieto, dizia quanto ela o provocava. “Só falta começar a babar” – pensou. E seu olhar sorriu.




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    A bandinha estava muito enfezada com seu repertório de melodias rápidas, deixando os dançarinos suados e desgastados com a intensidade dos ritmos que vinham imprimindo. Os casais mais animados entravam em todos os ritmos, e mesmo suados, aplaudiam a seleção musical que a bandinha apresentava.
    Mesmo sendo o começo do baile, já tinha alguns casais dançando, com o homem cochilando sobre o ombro da namorada. Era o resultado visível de uma semana sobrecarregada, de muito trabalho, onde a diversão estava tomando conta dos seus preciosos momentos de sono.
    Olhando para as senhoras que sentavam às mesinhas com a companhia das filhas, as meninas pós-adolescentes, ávidas por um rapaz que lhes desse uma noite inesquecível, se via que elas tinham muito o que conversar com as vizinhas, suas amigas que haviam comprado mesinha perto umas das outras para que naquela noite todos os assuntos ficassem atualizados. E a conversa corria frouxa, entusiasmada, delineando sobre as pessoas que se encontravam no baile. Só as meninas pós-adolescentes ficavam  deslocadas. Afinal, nem o assunto das mães lhes dizia respeito, nem os rapazes as convidavam para dançar.


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    De repente, todos os olhares se voltaram para a porta do salão. A silhueta de uma pessoa à frente da luz da entrada, logo foi se tornando visível e o seu semblante deixou a todos atônitos. Quem era ela? De onde vinha uma garota tão formosa para se perder dentro de um salão, num lugarzinho tão ermo como Recanto? Mulher diferente, especial, mulherão é o que parecia. Ancas grandes, alta, peitos definidos, traje provocante, enfim, alguém que chegou para arrasar.
    Estas perguntas certamente giravam na cabeça de todos os homens desimpedidos do baile. Alguns já estavam mais de olho nela. E a moça adentrou  ao salão com trejeitos acentuados, seguida dos dois rapazes musculosos e de olhar duvidoso. Vários rapazes começaram a apostar entre si para ver quem teria a coragem de convidá-la para dançar. Para a felicidade da galera masculina, os homens que a acompanhavam a deixaram só, sentada numa mesa que havia sido previamente reservada, sumindo na multidão. Por coincidência, a mesa da moça era perto da mesa de Amílcar.



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    Amílcar entrou em firme bombardeio de olhares com uma garotinha, que estava escorada numa cadeira, não muito distante deles. Parecia-lhe ser uma teteinha de cidade. Nunca havia visto por aquelas bandas e o pessoal de lá e arredores, em quase sua totalidade, era conhecido seu. Ela piscou. Plauto também viu:
    - Mano, não sei como consegues, ms se perderes esta aí, o baile não vai ter sentido para ti. Que gataça!
    - Plauto, te garanto que esta será minha esta noite! Espera só para ver.
    E Amílcar continuou a olhar para aquela menina, quando de repente...
    - O-o-opa! Plauto, olha só: querem tirá-la de mim!

    - É, estou vendo, Amílcar! O Luiz não perde tempo!
    Luiz se aproximara da garota. Pelo que se divisava da mesa onde Amílcar e Plauto se encontravam, o rapaz estava convidando ela para dançar.
    A garota decididamente fez que não. Mas, Luiz continuou insistindo. E Amílcar:
    - Cái fora pé-rapado! Ela não está querendo nada contigo! Te enxerga, ô babaca!
    - Aguenta aí, mano! Vamos ver no que dá. – Disse Plauto dando tapinhas no ombro do irmão. É claro que Amílcar havia falado de si para consigo sem sair de sua mesa. A garota encarava Luiz com despeito. Finalmente, como ele não tinha mais argumentos, murchou as orelhas e saiu, rubro feito um tomate. Amílcar respirou aliviado. A garota também. Ela, por sua vez, olhou de relance para ele, que desviou os olhos para Plauto, o qual sorriu. Ela, à primeira vista, parecia uma perfeita malandra: fizera a cena somente para confundi-lo, ou simplesmente para se divertir. Amílcar nervosamente acendeu um cigarro; já, já, iria levantar e seguir até a moça, a fim de convidá-la para dançar, antes que mais um aventureiro se aproximasse dela. Tomou mais um gole de cerveja e fez figa para o irmão. Levantou-se. Dirigiu-se em outra direção para que a garota não o visse se aproximando. Esta técnica é bastante usada pelos rapazes nos bailes para não irem direto até a garota, chegando ‘de cara’. Assim parece mais encantador o encontro e a persuasão em acompanhá-los até a pista de dança fica mais fácil.
    A garota o seguiu com os olhos. Por fim, o rapaz sumiu entre as pessoas. Ela, intrigada, olhou para a mesa onde Plauto sentava, fazendo um gesto interrogativo. Ele, mais do que ligeiro, sinalizou-lhe que esperasse e a garota sorriu.



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    A misteriosa dama continuava sozinha a sua mesa, sem ter recebido um convite sequer para ir dançar.
    Observada por diversos olhares curiosos e analíticos, ela fazia de conta que não estava vendo o que acontecia. Mas, observando bem, com o canto dos olhos ela acompanhava tudo ao seu redor com angústia.
    Vários pretensos dançarinos a analisavam a certa distância, morrendo de vontade em convidá-la para dançar. Mas, faltava-lhes coragem para isto, pois aquela garota parecia um ‘monumento’. Quem era aquela garota deslumbrante? Com um rosto perfeitamente esculpido, ornado por uma vasta cabeleira loura, franja ao estilo de Cleópatra, a moça realmente impressionava a todos os rapazes simples do lugar, pela diferença que impunha em seu visual: salto altíssimo, meias colantes em preto riscado, um vestido ‘pretinho-básico’, hiper curto e corte profundo no ‘V’ dos seios. Embaixo, uma camisete colante também em preto riscado. Para completar um colar de pérolas brancas e um olhar de tentação.
    Mas, no momento, ninguém se habilitara a oferecer uma dança naquela noite, pois a garota destoava com todas as outras do salão.




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    Os músicos fizeram um intervalo. Sandra estava exausta, mas não queria que o rapaz sentasse com ela. Aguentou firme na pista de dança. Nem sequer a pergunta mais banal ele lhe havia feito como saber qual era seu nome. Muito menos fizera qualquer menção ao belo vestido que ela usava. Nas poucas frases que falara ele lhe parecia ser bastante ignorante. Tudo o que falava eram frases formais, ensaiadas, automáticas. Pensou: “Vou dar-lhe o fora!” Ele, pateticamente parado à frente dela como um “ás de paus”, pareceia estar escarafunchando seus miolos a fim de encontrar mais uma frase. Momento decisivo. Por fim falou baixinho, quase inaudível:
    - Como é seu nome?
    Sandra, na ânsia de se livrar do fardo, nem ouviu a pergunta. Teve a impressão de que ele soprara. Ele, ao invés de reformular sua pergunta com voz incisiva, limitou-se a fitá-la apreensivo. O calor no meio da pista era sufocante. Por fim, Sandra falou decididamente:
    - Com licença!
    E ele...
    - Como? Você disse “Hortência”? Seu nome é Hortência?
    - Não! Eu disse: Com licença. ...Com li-cen-ça! Estou de dando o fo-ra!!! E, ...Hortência é tua mãe!
    Sandra virou-se e foi embora. O rapaz, no primeiro instante ficou impotente diante da incredulidade sobre o ocorrido, mas assim que, instantes após, voltou à real, ainda correu atrás tentando barrá-la, mas ela o despistou deixando-o perdido no meio da pista.
    A bandinha voltou a tocar.
    Sandra, ao chegar a sua mesa, ainda encontrou Plauto sentado, batendo o ritmo do dobrado com os dedos. Parou-se a sua frente e com ar de séria, disse:
    - Plauto! O que ainda estás fazendo aqui? Te solta, chô, chô! O salão está minado de garotas bonitas e tu ainda continuas aqui parado. Vamos, vamos, vamos! – Pegou-o no braço e puxou-o para que se levantasse, ao que ele falou se segurando no lugar onde estava:

    - Calma, maninha, espera! Eu preciso conquistar primeiro esta cara-de-pau que tu e o Amílcar já têm de nascença, para depois conquistar uma garota.
    - Te dou cinco minutos, nem mais nem menos, viu?
    - Tá, tá! Já tenho uma garota em vista.



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    Amílcar havia acabado de chegar em sua paquera, aquela que não foi dançar com o Luiz. Encarou-a de frente e disse:
    - Oi, gata!
    - Oi, tigre!
    Riram descontraidamente. Amílcar cruzou os braços, deixando aparecer aqueles bíceps avantajados, resultado de trabalhos braçais da lida do dia-a-dia na roça. Ele pendeu a cabeça para o lado, e com olhar intrigado falou:
    - Você fez uma cena terrível com aquele rapaz há pouco!
    - Ele me amolou!
    - Como, assim?
    - Ora, me chamou de gostosa, bunduda...
    - Isto pra ti significa ser amolada?
    - Sei lá! ...Acho chato.
    - Chato seria se ninguém a convidasse para dançar.
    - Olha, dependendo do cara, é melhor ficar sem dançar! – Cruzou os braços também e encarou com seriedade Amílcar: - Chato mesmo é o olhar de tarado que aquele bobalhão fez, viu?
    - Bom, ...eu não vi e por isso não posso dar minha opinião. Mas, se o dono do salão tivesse visto sua atitude há pouco, ele com certeza mandaria seus seguranças a porem para fora sem direito à volta.
    - É? Não diga!? ...Suponho que você veio fazê-lo pessoalmente, não foi?
    Amílcar, com a maior desfaçatez retrucou:
    - Mais ou menos! Vim tirá-la daqui para colocá-la no meio da pista! ...Vamos dançar?
    - E se eu disser que não? Vai me expulsar daqui? ...Vai falar para o dono do salão que não fui dançar com ninguém?
    Amílcar pensou que a menina estava querendo brincar. E, soltando os braços, falou em tom de brincadeira:
    - Se disser que não, eu simplesmente me viro, retorno para a minha mesa e tentarei cozinhá-la mais um pouco, e,
    - Pois então, faça o favor! – Atalhou a garota.
    O rapaz ficou estático, paralisado, estupefato. Nunca havia imaginado receber uma resposta como aquela, tão inesperada. A troco de que aquele pedacinho de gente o havia encarado com tanta volúpia durante aquele tempo todo? O que aquela garota queria naquele baile, se negava-se a dançar com todo mundo? O que havia de errado? Ele não fora grosseiro, pelo contrário, fora gentil e se aproximara dela com um jeito garboso e natural.
    Enquanto remoía estes pensamentos sentiu o sangue lhe subir à cabeça. Nunca havia ganho uma resposta assim em toda a sua vida. Nunca, em baile algum, ninguém lhe negara dançar com ele. Está certo que em alguns outros bailes algumas garotas só haviam dançado uma música com ele e já o haviam despachado. Mas não assim: de primeira, na cara, como um murro! Como agir, ou melhor, reagir? ...Pelo canto do olho viu que seus irmãos o observavam. E ele não podia esmorecer logo com a primeira garota da noite, para não inibir ainda mais o seu irmão. O pior é que a garota olhava para Amílcar, ao mesmo tempo desafiando e implorando, como se escondesse um grande mistério. Ou, no fim, seria somente uma tremenda e salgada amargura de recalque de garota riquinha de cidade grande. Como proceder? A moça o deixara em parafuso e as ideias não fluíam, não vinham à tona. Então tentou consertar:
    - Ô gata! Qual é o problema de a gente ir dançar um pouco e se divertir?
    - Você é o problema!
    - Eeeu?
    - É! Você! Tá cheirando a roça e a palheiro; dá a impressão de ser até coisa pior, tipo maconha.
    - Espera aí, garota! Eu tomei um bom banho antes de vir para este baile e você está sendo indiscriminada e,
    - Há, há, há, banho? Claro, tomou um banho daquele perfume de buteco Ara, que com qualquer troco você compra e que cobre qualquer nhaca.
    - Está difícil manter assim um diálogo com você. Pro seu governo, eu nem uso esse tal de Ara. Eu uso...
    - O quê? Cueca samba-canção? ...desodorante ‘roll on’? Ou, usa o papo para levar as garotas bobas daqui na conversa?
    - Calma, não se altere! Vamos conversar? – Amenizou Amílcar. A garota, agora com as mãos na cintura, balançando as ancas disse:
    - Não chateia, tá?
    Amílcar, que o tempo todo esteve tentando amainar o relacionamento com a garota a fim de entrarem numa conversa civilizada, descobriu por fim que ali não tinha nenhuma chance. Então partiu também para a ignorância:
    - Espera aí! Não vamos começar por este lado descendo o nível! Somente vim aqui convidá-la para dançar e você me recebeu com patadas. Não pode ser assim, amarga! Garota, a vida é tão bacana, não é justo você tratar as pessoas deste jeito. Vamos parar com as grosserias?
    - Há, há, há, ...um grosso se cheira de longe!
    - O quê? Quem é grosso?  - Redarguiu Amílcar possesso de raiva. A garota o tirara do sério: - Grossa foi você que ficou me paquerando o tempo todo e agora que cheguei aqui, está me queimando. Isto para mim é grossura!
    - Não foi para você que eu estava olhando! – Respondeu a garota. Encolheu os ombros, olhando para o lado: - Foi você que não soube me interpretar.
    - Pra quem estava olhando então? Pra mesa onde eu estava sentado?
    - Nada a ver!
    - ...Ah, já sei: você é tão pobre e faveleira que estava de olho na minha bebida e nas fritas lá da mesa! ...Agora entendi!
    - Metido a engraçadinho! Bem que me disseram que aqui em Recanto só tinha gente grossa. E é só o que encontrei até agora!
    - Bom! Muito bom! Você está me chamando de grosso, estou certo?
    - Certo! Certíssimo! Chô, chô, desopila! Cai fora!
    - Só vou embora quando terminarmos esta discussão. Vem cá!
    Amílcar forçou a garota a acompanhá-lo. Foram uns dez metros, num ponto onde seus irmãos não mais os divisassem e ele a soltou. Antes de deixá-la ir embora, puxou-a de volta no braço e disse:
    - Já que eu sou grosso, escuta essa: Tomara que você, ou melhor, tu, viu? Tu!!! Afinal, sou grosso! Tomara que tu tenhas uma semana de diarréia, daquelas que te fazem mudar pro banheiro, viu? E que cagues todas as tuas calcinhas, que vás precisar pedir emprestado as cuecas do teu irmão para não andar sem nada!
    A garota fez ar de nojo. Não esperava esta incitação. Só conseguiu responder:
    - Pra você também! E que sua diarréia seja tão fedorenta que o cheiro estrague seu estômago!
    - Puta! – Gritou irado Amílcar enquanto ela estava se virando para sair de mansinho. A garota ainda virou seu rosto para ele e franziu o nariz numa expressão animalesca de ira e sumiu na multidão.
    O rapaz sorriu: sempre fora autêntico e natural, mas a extravasada saída que o acometera fê-lo sentir-se ufano. Voltou à mesa. Sandra encontrava-se sozinha. Plauto tinha ido ao banheiro. A irmã quis saber de todos os detalhes da conversa de Amílcar com aquela pirada e achou a discussão muito banal. Chamou a garota de perua desalmada.
    Quando Plauto voltou à mesa, pediram algo para comer. Amílcar, para variar, já estava paquerando outra garota. Desta vez era uma bela dama, parecendo ser de uma estirpe nobre, moralista e severa. Simplesmente dava-lhe esta impressão porque uma senhora de mais idade sentava ao lado dela e fazia a figura de guardiã austera; e àquela senhora, nada passava despercebido e ela já notara, bem antes da moça, que ele a estava observando. Amílcar tentou esboçar um sorriso meio amarelo, ao que a senhora de meia idade retribuiu, mostrando vários pivôs de ouro. A mocinha disse qualquer coisa ao pé do ouvido da senhora, ao que ela retrucou assentindo com a cabeça. Certamente estava aprovando o rapaz que a interessava.
    Amílcar deu uma cutucada em Plauto e disse:
    - Mano, vou tentar uma menina onde terei que pedir o consentimento da mãe! O que achas?
    - Depois que levaste o fora daquela gatinha manhosa, tudo deve ser lucro esta noite.
    - Lembra-te que a ‘gatinha manhosa’ não dançou com ninguém ainda.
    - Eu sei! Só estou brincando. Mas, voltando à dama de olhos negros... ...Estou bom para ver o resultado! ...Você com esta cara de sacanagem... não sei não! Aquela senhora de meia idade aí – apontou – deve ter esquecido seus óculos em casa e está confundindo você com algum latifundiário da região.
    - Eu vou e... ah! Deixa pra lá! As vezes sou meio convencido. Aí acontecem os incidentes como aquele com aquela cheiona metida a conquistadora e nesta semana, completamente desarranjada conforme a praga que roguei.
    - Força mano! Não desanima! Cadê tua autoconfiança? E é bom dar um jeito para não ser passado para trás por mim, hehe.
    - O quê? Está de olho em alguém?
    - Claro! Não sou de ferro, né!
    - Aonde, aonde? Me mostra!
    - Espera, Amílcar! Ela chegou agora no baile e acho que nem me viu ainda.
- Mas, o que está esperando? Criar coragem?
- Não, mano! Criar ‘cara de pau’.
- Se quer algumas aulas te dou de graça.
     - Lá vou eu! – Disse Amílcar e se levantou, fazendo gesto de fortão para o mano e seguindo em direção à mesa daquela garota franzina. De longe dava a impressão de ela não ter mais que os anos de Amílcar após a sua adolescência, mas ele foi firme até lá, e prontamente se postou diante dela e disse:
    - Com licença! Tenho certeza de que gostaria de dançar um pouco comigo! ... Aceita?
    Ela cochichou qualquer coisa no ouvido da senhora que a acompanhava e a mais velha assentiu. A garota levantou-se de súbito, não proferiu palavra alguma, aliás nem sequer para o rosto de Amílcar olhou e seguiu em direção à pista. O rapaz teve que acelerar o passo, desvencilhar-se de diversas pessoas e ainda ouvir gracinhas de conhecidos já meio tocados, para alcançar a garota:
    - Vai criar a menina?
    - Não sabia que já tinha uma filha tão grande!
    - Nem parece que puxou o pai! Ela é muito mais linda!
    - Olha, que aliciar menores dá cadeia!
    Todas estas foram frases proferidas pelos ‘amigos’ do Amílcar, os quais, já bastante ‘tocados’ pela bebida, não estavam no baile para arrumar namorada, mas, sim, para bagunçarem. E eles faziam sua festa particular.
    Já entre os dançarinos, ela continuou sem encará-lo, saindo em movimento, dançando. Dançava muito mal, desompassadamente, pisoteando os sapatos pretos e reluzentes do acompanhante. Assim  passaram um bom tempo; Amílcar fazia perguntas; ela respondia que sim, que não, que talvez. Ele nunca haveria de se perdoar por ter arriscado dançar com uma garotinha quase pré-adolescente, ainda cheirando a leite e com uma espinha deveras evoluída – parecendo um vulcão prestes à errupção – bem no meio da testa. Mas, pausado em suas interpretações e já vivido o suficiente para tentar entender as pessoas, desconfiou ser possível estar faltando a pergunta chave, para que ela se encorajasse a ser real e franca, desenvolvendo uma conversa sadia. Ele, pacientemente fez várias perguntas, ensaiou mais algumas, sondou, mas tudo foi em vão. As respostas da garota continuaram evasivas. Ele não sentia nenhum regalo com aquela criatura como companheira. Seus dedos dos pés já meio desorientados pelo não uso frequente de sapatos, estavam parecendo balões a ponto de explodirem, de tantos pisões levados pelos saltinhos pontudos do sapatinho trinta e dois da garota dançarina.
    No intervalo musical seguinte, tentou uma última pergunta para ver se ela se fazia mais agradável:
    - Você é sempre assim?
    - Como?
    - Ora, você sempre se comporta assim quieta nos bailes?
    - Não!
    - E por que você está sendo assim comigo?
    - Porque sim!
    - Porque sim não é resposta! Diga mais alguma coisa além de sim e não. Por que não fala? Deve saber outros assuntos além das belas palavras que já trocamos esta noite!
    - Não sei!
    - Há, há... falou outras palavras! Mas eu sei!
    - Sabe o que?
    - Sei e posso dizer exatamente o que é que está travando você de falar. Mas, eu gostaria de ouvir isto de sua bela boquinha, guardando atás destes lábios tão bem pintadinhos este monte de dentinhos parecendo pérolas.
    - Uáu, que liiindo! Nunca ouvi isto! Fala mais um pouco que eu me abrirei ...
    - Ora, ora, ora! A mocinha sabe falar! Mas, como eu ia dizendo, além desta bela boquinha, você está muito sexi neste vestidinho grafite colante! Que curvas! Aposto como sou o primeiro em sua vida a lhe falar isto cara-a-cara! – A moça desviou o olhar. – Ih! Vermelhou!?! Desculpe! Não tive a intenção. Mas, juro que todo o que falei é a mais pura verdade: é a externação dos meus sentimentos. Tudo combina em você, a começar pelo cabelo. Só não gosto do jeito como está me tratando.
    - Não fala assim. Vou mudar, eu juro! Fala mais um pouco?
    - Vamos ver... Aposto também, que sou o primeiro a beijar sua testa!
    - Fazer o que?
    - Ora, dar um beijo em sua testa, assim:
    - Amílcar fez menção em beijá-la, ao que ela cordialmente o afastou. Ele, olhando maliciosamente em seus olhos, beijou a ponta do seu indicador e o pousou suavemente na testa da mocinha, do lado da espinhona. Ela, por sua vez, não conseguiu esconder o embaraço e a disparada do seu coração. O rapaz segredou:
    - Da próxima vez pedirei licença para tamanha ousadia. Mas, vai ser para beijar estes lábios lindos e desejosos com um beijo bem prolongado.
    A garota enrubesceu, desviando seus olhos dos de Amílcar. Em seguida, fez-se um pequeno silêncio entre os dois. Ela levantou novamente os olhos encarando o olhar malicioso e desejoso do rapaz. Olhavam-se estudando cada qual as feições do companheiro. Amílcar quebrou o silêncio voltando à questão das respostas da moça.
    - E então? Vai abrir o jogo agora?
    Meio sem jeito, a moça respondeu:
    - Vou! ...não posso me soltar com ninguém por causa... por... causa da minha mãe! – e se autoafirmando – é, por causa da minha mãe, já falei, pronto!
    - Sua mãe?
    - É, é! Está sempre pegando no meu pé. Não tenho liberdade para nada, até é ela quem escolhe com quem vou dançar.
    - Sua mãe faz isto?
    - Faz! E aos olhos dela, faço tudo errado.
    - Fale mais, desabafe! Isto ajuda você a se sentir melhor.
    A menina começou a contar sobre sua vida, seu modo de agir e o quanto a mãe interferia em tudo. Amílcar viu sinceridade em suas queixas. Ele aproveitou e lhe deu diversos conselhos, a fim de ela libertar-se das garras da mãe, ávida por uma futura filha impoluta e indelével. Mas, depois de falar e aconselhar bastante, sentiu  que a garota de modo algum fazia o seu gênero. Ele gostava de gente alegre, pra cima, e a garota era o inverso disso. Também não queria ficar de conselheiro e confidente a noite toda para quem fosse, nem mesmo para esta garota tão bonita, apesar da espinhona no meio da testa. Aquela noite ele queria só se divertir. Por outro lado, não queria mandar a menina embora na maior, afinal ela já demonstrara estar cheia de problemas, e ele não queria acrescentar mais um em sua vida.
    Por outro lado também, analisando as curvas da garota, valia a pena o esforço de ficar ouvindo seus queixumes. E a banda reiniciou uma melodia brega, de dança lenta, atrevida. Amílcar, aproveitando a oportunidade trouxe a menina mais perto, ao que ela o arrastou para o meio da pista, despistando do olhar de sua mãe. Dançaram bem coladinhos e nas manobras para lá e para cá, sentiu a perna da menina entre as suas procurando roçar suas partes. E ele, tateando com sua coxa procurou fazer o mesmo, apertando sua virilha. E no esfrega-esfrega, as maçãs do rosto da menina começaram a ficar vermelhinhas, parecendo ela até estar com febre. Mas, era a febre da libido.
    Continuaram assim por três músicas inteiras, entre boleros e ‘foxes’. Amílcar gostou e por sinal, a menina teve sua primeira oportunidade de um aconchego mais próximo, mais íntimo. Pelo seu comportamento também mostrava ter gostado da nova experiência. Ela estava ‘prontinha’. Seu olhar desejoso a estava entregando. E a tesão do rapaz era tanta, que, num impulso a convidou para darem uma volta no lado de fora do salão. A menina assentiu, e na loucura daquele impulso, tudo indicava que agora mãe nenhuma iria impedi-la de perder a virgindade.
    Mas, ao sairem da pista, a mãe aguardava ansiosa a filha:
    - Onde foi que se meteu, Tífani?
    - Ora, eu estava no meio da pista. Ela está muito cheia. – Respondeu a garota para a sua mãe. Amílcar teve sua mão arrancada da mão da garota pela mãe que estava com um olhar diabólico. Ele falou:
    - Olha, não aconteceu nada demais. Por que esta atitude?
    - A Tífani não é destas vadias que se acha por aí, viu? Ela tem família.
    Tífani silenciou, baixando os olhos, resignada. Amílcar disse:
    _ Pois quero que a senhora saiba que esta garota tem uma alma iluminada, tem tudo para ser um orgulho para você. Mas se continuar a superprotegê-la, qualquer hora vai aprontar alguma.
    - Vamos para a mesa, Tífani!
    - Por que, mamãe? ...estou acompanhada, não viu?
    - Deixa pra lá, Tífani. – Disse Amílcar. E cochichando no seu ouvido, passou o número do seu telefone. – A gente se vê!
    Tífani continuou olhando desejosa para Amílcar saindo de perto enquanto a mãe a arrastava de volta para a sua mesa.
    Assim, a segunda companheira não completou sua noite. Fora mais uma experiência sem sucesso.
    Mas, ainda tinha muito baile pela frente.



                     **********



    Voltando à mesa, Plauto ainda continuava lá, porém mais desinibido e seletivo. Amílcar perguntou, enquanto acendia um cigarro:
    - Como está a paquera:
    - Vai indo! Estou de olho numas três garotas. O que você acha daquela ali? – apontou discretamente.
    Amílcar observou meticulosamente por alguns momentos a fim de tentar averiguar todos os detalhes de comportamento da garota, por mais ínfimos que fossem. Por um instante, passou-lhe na mente a impressão de que aquela seria a perfeita companhia para seu irmão naquele baile. Parecia ser uma garota sensacional. As aparências enganam, claro, mas a garota transpirava seu interior. Via-se um brilho de grandeza naquela pessoa. Por fim, aconselhou:
    - Mano velho, afirmo que esta pequena facilmente vai cair no seu papo! – levantou os ombros, fez postura de personagem famoso – assim: componha-se!
    - Escuta! ...Veio um cara com Sandra e a tirou para dançar; parecia um rei, e...
    - E, e, e, e! Não mude de assunto, Plauto! Não me diga que está querendo perder aquela garota para outro cara, tipo Luiz?! Vamos! Aproveita a chance, que outra é difícil de aparecer!
    Plauto ainda remanchou, tentando desconversar, mas, acabou cedendo. Cruzou os dedos, levantou-se e saiu titubeando. Seu irmão o seguiu com olhar aprovador e ficou muito feliz ao ver os dois seguindo para a pista.
    Agora era a vez dele tratar de si mesmo. Só tivera dissabores naquela noite, apesar da tesão que experimentara com Tífani deixando ela louca por ele. Mas, nem tudo estava perdido. Singrou o salão à procura da mesa onde a garota sentava com sua mãe. Os dois se olharam e ela, através de gestos mostrou que iria telefonar para ele. Ele assentiu e já desviou o olhar de Tífani, pois sua mãe começou a encará-lo, braba. Todos estes acontecimentos não o haviam aborrecido, afinal, tinha ainda muito pela frente, e tudo era uma questão de oportunidade.
    Olhou para os dois lados e ficou espreitando uma cena que se desenrolava ali perto: um casalzinho estava concentrado nos mais frenéticos beijos e carinhos, quando uma senhora de mais idade chegava para junto deles. Nem ele, nem ela, se deram conta desta súbita companhia e continuaram em seu regalo. A senhora postou-se entre os dois abrindo caminho com a bolsa entre os lábios dos frenéticos beijoqueiros. “Deve ser esquisita a sensação de beijar, de repente, o couro duro e frio de uma bolsa ao invés dos lábios fofinhos e quentes da menina e ainda ter que enfrentar o olhar brabinho – fez beiços – da mãe dela!” – pensou Amílcar enquanto via a cena e começou a rir. Vários começaram a rir e a senhora não perdeu o rebolado. Tomou a sua filha, esbofeteou o rapaz com a bolsa e rumaram para fora do salão. Logo juntaram-se vários rapazes ao redor do vitimado e fizeram folia fazendo cócegas nele, mexendo em seus cabelos e mandaram trazer várias cervejas fazendo a comemoração ali mesmo. E a festa foi geral naquele canto, com muitos gritos primitivos e gestos antiquados imitando velhas neuróticas.




                     ************



    Um rapaz se aventurou em convidar a moça deslumbrante, e desconhecida que entrara no salão com dois guarda-costas. Ela prontamente aceitou. Mas o estranho, é que na metade da primeira música, os dois voltaram da pista. Decerto ele não agradara aquela garota com a sua companhia.
    A mesma coisa aconteceu com mais dois pretendentes, que também não chegaram a concluir a dança de uma música e já se viam desligados daquela estranha moça que assim, continuava sozinha perto da mesa de sandra. Era difícil de compreender o motivo pelo qual tal garota não ficava na pista muito tempo com seus pretensos dançarinos.



                     **************



    Enquanto Amílcar ria, nem reparou que alguém se plantara na sua mesa. Quando se deu conta, viu tratar-se de um de seus desafortunados amigos, entre aspas, o qual provavelmente vinha se lamentar. Ao repará-lo Amílcar cortou automaticamente o sorriso, tornando seu semblante fechado. O rapaz disse algumas obviedades, as quais foram retrucadas por monossílabos. Era o Lido, que foi sentando e encomendou com o garçom saco-de-açúcar um prato de picadinhos. Amílcar imaginou que o melhor teria sido ficar aquela noite, em sua casa, dormindo. Estava dando tudo errado. Não tivera ainda em seus braços a garota de seus sonhos e agora que iria à luta se via dominado por um bundão medroso a tomar-lhe o tempo. Chegou até a duvidar da eficiência de suas qualidades de galante conquistador. Sua conclusão foi de que o melhor cavaleiro às vezes também cai do cavalo. Pensou em seus irmãos: pelo visto, ambos haviam acertado aquela noite, pois já passara um tempo e eles ainda continuavam na pista. O infiltrante da mesa continuava matraqueando. Nem reparou que seu pretenso anfitrião não lhe dava ouvidos. Claro, Amílcar estava absorto em seus pensamentos e nem se dera conta de que alguém o analisava. Veio o garçom. Trouxe um prato de batatinha-frita parecendo couro amanhecido de tão murchas que as batatas se encontravam. Lido não gostou do engano:
    - Mas eu pedi picadinho e não batata-frita!
    O garçom, largando o prato na mesa e enxugando as mãos meio engorduradas na toalha, retrucou:
    - Se tivesse pedido picadinho, eu teria trazido. Como pediu batata-frita, ela está aí. São quatro reais!
    - Amílcar, me ajuda! Eu pedi ou não pedi picadinho para ele?
    Amílcar, louco para se ver livre daquele chato retrucou:
    - Hum, áh, ... o que?
    - Diz para este metido a engraçadinho o que mandei servir para nós!?
    - Sei lá! Foi um picadinho?
    O garçom, incrédulo, tentou:
    - Ele não tem certeza. Eu é quem estou certo!
    - Certo uma ova! – Grunhiu Lido. – O que foi que pedi, Amílcar?
    E Amílcar, para acabar com a discussão, falou:
    - Pediu picadinho, Lido.
    - Viu só? – falou o rapaz. O garçom, ainda incrédulo tentou:
    - Não quer mesmo ficar com este prato de batatas?
    - Não! Isto a minha mãe  pode fazer em casa. Mas, salame ela não pode! Trás o picadinho.
    - Faço três reais e...
    - Eu já disse que não quero! Vá, vá! Traga o que pedi!
    Enquanto os dois, o garçom e Lido discutiam sobre as banalidades de um pratinho de salgados, Amílcar descobriu no meio da multidão a garota que já o observava há tempo. Era loira, cor de olhos: natureza. Ele tremeu na base: que mulheraça! Entrou firme na paquera. Nisso passou outro garçom com o prato de picadinhos e o trocou pelas batatas amanhecidas do primeiro garçom, o qual ainda se encontrava em frenética discussão com Lido. Por fim, tudo se resolveu. O rapaz pagou a conta e não esperou um minuto sequer para devorar a comida. Ofereceu para o seu pretenso anfitrião, que, ao invés de aceitar, resolveu ir logo para junto da garota que estava paquerando ele. Lido ficou boquiaberto seguindo os passos de Amílcar, mastigando feito um porco.




                 **************




    A loira o aguardava de braços cruzados:
    - Alô!
    Amílcar sorriu. Prosseguindo, apontou para ela:
    - Você não se importaria em ocupar um lugarzinho comigo ali na pista?
    - De modo algum!
    - Então, ...ótimo! Que estamos esperando?
    - Nadinha! Me segue. Se for rápido, vai me alcançar. E saiu em largos passos em direção da pista de dança.
    Amílcar, mais do que ligeiro seguiu a garota e já teve a oportunidade em divisar os quadris bem demarcados pela calça justa, a qual também sustentava um trazeiro perfeito. “Que bunda!” – Pensou ele enquanto a alcançava. Chegaram à pista. De mãos dadas subiram o degrauzinho da pista de dança, quando ele viu seu irmão, o Plauto, dançando coladinho com a belíssima garota, demonstrando já bastante intimidade. Os dois se viram, sorriram e Plauto fez um gesto de aprovação para Amílcar, que por sua vez tomou os braços da loira e colocou-os em seus próprios ombros. Encarou-a com carinho:
    - Dance da maneira como você está acostumada que a acompanharei.
    - Legal! Senti firmeza!
    - Firme é teu astral, gata! Gostei!
    - Então, vamos dançar? – Disse a moça esboçando um sorriso, deixando aflorar dentes brancos, alvos.
    Dançaram e conversaram muito durante a dança. Amílcar encontrara uma garota do jeito como gostava: papuda, de bem com a vida. E conversaram de tudo, de todos, sobre tudo e sobre coisas até desconhecidas. A conversa fluía natural, assunto após assunto, parecendo os dois se conhecerem há anos. E nunca haviam se visto antes. Volta e meia a loira errava o passo concentrada no assunto da conversa e Amílcar nem reparava. Gracejavam. Riam em voz alta. Abraçavam-se como velhos conhecidos. E a banda ensaiava ritmos dos mais variados, ligeiros, cansativos. Após algum tempo de dança, estavam os dois exaustos. Amílcar consultou seu relógio: teriam ainda mais de uma hora para se divertirem e se descobrirem melhor. Cansado, convidou-a para sentar. Ela prontamente aceitou. Foram até à mesa. O amigo chato já não se encontrava mais lá. A mesa estava completamente desocupada. Enfim, só os dois, já sentados, o rapaz falou:
    - Você bebe o que?
    - o que você quiser!
    - Cerveja?
    - Ótimo! Serve!
    - Mas. Se quiser outra coisa, um refri, ou...
    - Não! Está bom assim: cerveja!
    - Você é bem decidida, hein?
    - Com certeza! Você vai me conhecer melhor e verá que eu não tenho frescura nenhuma pra nada. Sou decidida, mas tudo serve.
    Amílcar chamou um garçom saco-de-açúcar. Prontamente, veio um correndo. Depois, ele perguntou para a garota:
    - O seu nome não é “você”, disso tenho certeza!
    - He, he, deixo que você adivinhe.
    - Como começa?
    - Não, não! Adivinhe!
    - Por favor, me dá uma pequena mãozinha, senão fica difícil.
    - Começa com “V”!
    - Viu só? Eu estava tentando adivinhar seu nome, dizendo que era “Clara”! Agora já vi que não é.
    - Clara é minha pele e claro é meu cabelo, hehe.
    - Você disse que começa com V. Bom, tem muitos nomes que começam com V. Tipo: Vera, Virgínia, Valdete?
    - Não, errou! Não deveria, mas te dou mais uma chance.
    - Vanda?
    - Errou de novo. Não deveria porque já deu quatro nomes, mas vou deixá-lo adivinhar mais uma vez.
    - Por favor, dê-me mais uma letra! Está difícil...
    - Está bem! Te dou duas letras a mais: Vê – a – éle.
    - Val... Valdete eu já disse. ...Valdirene?
    - Está louco? Se eu tivesse um nome desses, me suicidava! Errou de novo!
    - Espera! ...Valéria?
    - Há, há, há!
    - Acertei? É Valéria?
    - Não, bobinho, acabaram-se as chances e você não acertou. Meu nome é Valquíria.
    - Uauuu!     Que nome lindo!!! Tem tudo a ver com você! Em todo o caso, deixa eu ver: ... – enquadrando a moça melhor no visual, - combina perfeitamente com você!
    - Eu não gosto do meu nome. – Cortou ela. Valquíria fez uma pequena pausa; olhou o cartão de reserva da mesa onde estava anotado o nome do dono. – O seu nome é Amílcar?
    - Ah, isto não vale! Pra você foi muito fácil! Está escrito ali no cartão. Desta vez me passou a perna direitinho!
    - E sei passar a perna de outras maneiras também, viu?
    Valquíria olhou lascivamente para Amílcar que ainda estava indignado com a facilidade que ela teve em descobrir seu nome. Ela completou:
    - Em jogos de esperteza, não há regras, queridinho!
    - No jogo do amor, também não, queridinha!
    Enquanto Amílcar proferia estas palavras, aproximou-se de Valquíria e roçou suavemente seus lábios nos lábios dela. Ela não resistiu e repassou o feito vorazmente, parecendo querer lhe arrancar os lábios à força. Algumas senhoras mais idosas, mães de garotas que, certamente estavam dançando na mais impoluta inocência com rapazes respeitáveis, observavam os dois com ojeriza, já antecipando seus pensamentos nos motivos de fofoca que estas cenas provocariam às linguarudas de Recanto, caso fossem acontecer com estas filhas. Com certeza, se houvesse ocorrido tamanho atrevimento, de beijar na boca um rapaz na frente de todo mundo, semana que vem ficariam sabendo de tudo. Mas estas mesmas mulheres não se davam conta que, no meio da pista, escondidas pela barreira dos dançarinos, as moças beijavam de língua, deixando de ser polutas e puras, ficando sua inocência questionável.
    De repente, uma senhora olhou, ficou estagnada, explodindo em seguida, pensando tratar-se de sua filha estar aos beijos com Amílcar. Uma amiga sua  barrou-a a tempo de evitar o escândalo, fazendo com que reconhecesse a sua confusão. Aliviada, ajeitou-se novamente na cadeira e continuou matraqueando com a amiga.
Sandra passou dançando perto da mesa que Amílcar e Valquíria ocupavam e sorriu satisfeita com a troca de carinhos do casal. Ele a viu. Fez sinal para ela continuar dançando.
    De repente ouviu-se um estrondo de mesa quebrando, copos e garrafas caindo em cacos. Não foi difícil ver-se de onde emanara o início da confusão: eram dois rapazes que haviam se agarrado em duelo. Um, puxou uma cadeira e espatifou-a nas costas do outro, o qual derramou-se em sangue. Os asseclas do  dono do salão já estavam chegando no confronto. Gritinhos histéricos e amedrontados partiam de todos os cantos do recinto, a ponto de superarem o melodioso toque ensaiado pelos músicos. Valquíria não perdeu tempo em amparar-se nos braços de Amílcar, que por sua vez, não poupava os carinhos – alguns até maliciosos – para acalmá-la e suavizar-lhe a adrenalina inevitável num momento como este. Entraram mais três na pauleira. A baderna fechou geral naquele canto. Os músicos, abafados pela gritaria, pararam e se espremeram atrás das caixas de som. Todos pararam. O “motor da pista” parou. Até dava a impressão que o ar parou. Somente a briga não parou. Aliás, ela tornou-se o tétrico centro das atenções. Os gritos enfurecidos dos “gladiadores” ecoavam coléricos e alcoólicos. Alguns pares mais afoitos, ocuparam-se na pista em treinar beijos dos mais variados, tirando proveito da desatenção da maioria, principalmente do cuidado demasiado das mães.
    O bolo dos brigões engrossou. Agora eram pelo menos doze pessoas se esmurrando, se derrubando e se chutando. Mas, a ‘festa’ acabou  quando dois ‘orangotangos’ guarda-costas apartaram a briga, levando os insidiosos arruaceiros para o seu devido lugar: a rua. Ao todo foram quatro os expulsos, justamente os que haviam iniciado a briga. Por fim, dez minutos se passaram, tudo se normalizou e a banda, para reiniciar, estremeceu no legítimo “Truff Jacó”. Amílcar olhou para Valquíria que ainda tremia, mas já começava a se acalmar. Sorriram infantilmente e combinaram ir dançar.
   


                     **************  



    Mais um pretendente chegou junto daquela moça enigmática e a convidou para dançar. Os dois rapazes que haviam entrado com ela no salão, não eram mais vistos em nenhum lugar.
    A moça prontamente aceitou o convite e seguiram para a pista de mãos dadas.
    Aconteceu o mesmo problema: dançaram uma música e meia e já estavam os dois separados. O que havia de diferente com aquela moça tão delineada, tão marcante? Uma infinidade de rapazes a convidou para dançar, mas ninguém aguentou ficar com ela mais do que duas músicas. Uma garota tão diferente, vistosa, desimpedida e disposta, aceitando todos os convites para dançar, mas ninguém vingava para ser sua companhia. Deveria haver algum motivo muito sério para não conseguir segurar os rapazes por mais de duas músicas. Teria ela mau-hálito? Ou, não sabia dançar? Quem sabe, era desdentada? Ou, quem sabe, seu sovaco estaria com cheiro muito forte, nocauteante? Tem pessoas que, emocionadas, exalam odores terríveis em suas axilas. Seria este o seu problema? O que tinha, ou fazia ela de errado para logo perder seu par?



                     **************



    Plauto estava por demais satisfeito com a garota que arranjara. Sentiu-se sobremaneira fascinado pela sensualidade de sua voz a sussurar-lhe palavras dóceis e libidinosas em seu ouvido. Helena simplesmente conseguiu modificar o conceito de Plauto sobre as  garotas: talvez ela até tivesse despertado algum sentimento de amor profundo nele. Sim, pois Plauto sentia-se inebriado, sufocado, leve e... desorientado! E esta sensação aumentava em cada centímetro de aproximação para aquele monumento. Seu coração batia, ardia, pulsava, chacoalhava e amava em todos os detalhes do seu corpo. Pudera! Helena conseguira modificá-lo em todas as suas dimensões, tornando-o grande, muito grande... Plauto dizia palavras desconexas. Suava, estava molhadinho e o amor transpirava por seus poros deixando a atmosfera ao seu redor ácida, excitante. Helena pensou que, talvez até ele tivesse bebido demais, porém as frases cheias de doçura que brotavam de seus lábios, só podiam ser fruto de uma sobriedade à toda prova. “Gamei de cara!” – Pensava ele enquanto trazia ela mais perto de si, enquanto a banda iniciava uma balada romântica, daquelas do tipo onde o casal fica parado no mesmo lugar na pista, somente balançando o corpo e se comprimindo.
    Ao término da balada, um fox meloso, provocante, e a bandinha ensaiou uma música rápida, arredia. Plauto, já bastante cansado pelo tempo em que se encontravam dançando, quis sentar-se:
    - Helena, estou a fim de sentar. Você se importa?
    - Não, absolutamente!
    - Você me acompanha?
    - O que você acha?
    - Espero que me acompanhe.
    - Claro, claro que vou lhe acompanhar! Vamos lá!
    Plauto segurou-a pela mão e foi zigue-zagueando entre os dançarinos até saírem da pista, para finalmente chegarem à mesa. Amílcar e Valquíria ainda ficaram dançando. Quem estava sozinha, abandonada ali, era Sandra: cotovelos na mesa, a face espremida entre as duas mãos e o olhar profundo, vidrado, mirando a toalha xadrez sob seus cotovelos. Parecia completamente absorta em suas paixões fracassadas, ou, quem sabe, bem-sucedidas, e que nada neste mundo a tiraria dessa posição. Plauto a viu assim, e se soubesse de antemão o conteúdo de sua mente, não teria dito:
    - Sandra, o que está fazendo sozinha aí? Será que o “joão-só” e o “banke-hannes” sobraram hoje para você?
    - Não enche o saco! Me deixa, tá?
    Plauto convidou Helena para sentar-se e com a maior naturalidade a apresentou para sua irmã:
    - Sandra, esta é Helena. Helena, esta minha irmã.
    Sandra, até o momento imóvel em sua posição, finalmente levantou os olhos e acolheu a companheira do seu irmão com um sorriso extra-amarelo:
    - Ooooooi!
    Helena sentiu mágoa na frieza do acolhimento. Olhou interrogativa para seu par e já estava disposta a dizer umas verdades. Porém, o olhar de Plauto fê-la mudar de idéia. Ele a abraçou, abrasando-a com seus carinhos. Sandra analisava de soslaio Helena, a qual por sua vez, se carcomia de ódio pela apatia com que fora recebida. Sussurou algo no ouvido de seu irmão. Sandra dava tudo para  ter escutado; apostava que o assunto era sobre ela, pois Plauto desfez, amanteigando as palavras com sussurros comprometedores. Passou um garçom perto da mesa. Algo raro – se bem que o salão não se encontrava mais tão lotado – e Plauto aproveitou para encomendar alguma bebida. Helena sentiu vontade de fazer xixi. Convidou Sandra para acompanhá-la até o banheiro, o que ela aceitou com pouca vontade; pode-se dizer que simplesmente aceitou o convite pela questão indelével da ética feminina: elas sempre vão ao banheiro em duplas. Plauto ficou à mesa tamborilando o ritmo por entre as covinhas esculpidas pelos cupins e ficou divagando sobre a sua sorte aquela noite: só em pensar nela, os espaços do seu coração e de sua calça ficavam pequenos de tanto que pulsavam. Decididamente ele amava!
    Sua bexiga também reclamou uma aliviada. E ele foi ao banheiro.
    Quando voltava, encontrou no caminho Luiz e o Lido conversando efusivamente. Plauto parou e tentou inteirar-se do assunto. Era Lido que estava dizendo:
    - Pois aquela não é mulher na sua altura! Você não merece tanto! Merece bem menos, tipo a feiosa da Melda.
    - Ah, é Lido? Acha mesmo isto?
    - Claro! Nem dançou direito ainda esta noite!
    Luiz falou provocativo:
    - Eu sou muito mais galante que você e garanto que conquisto facilmente aquela gata e,
    Plauto entrou no assunto:
    - Por que vocês estão discutindo?
    - Por causa daquela “máquina” ali. – Apontou Luiz. – Ela não fica com ninguém, dança uma ou duas músicas e já sai da pista!
    - Também já notei. – Disse o irmão de Sandra. Luiz continuou:
    - Aí eu estava dizendo para este babaca – apontou Lido – que, para mim é fácil segurá-la o resto da noite.
    - E eu estava dizendo que ele não conseguiria isto de jeito nenhum, pois nem a feiosa da Melda ele segurou! – Disse Lido, alisando seu cabelo ralo e seboso.
    - Bom. Eu aposto! – Disso Plauto, colocando a mão no bolso e tirando uma nota de cinco reais. – Aposto que você é capaz de ficar dançando três músicas inteiras com aquela garota estranha. Mas, para receber estes ‘cinquinho’, quero saber tudo: o nome dela, de onde ela é sua idade e como veio parar aqui em Recanto.
    - Há, há, há, conta outra! – Debochou Lido. Aposto cinco reais também, como não saberá segurá-la sequer uma música inteira.
    - Feito! – Disse Luiz, faceiro e decidido. E já se encaminhou em direção daquela moça estranha, diferente, especial. Realmente não era uma garota comum.
    Plauto guardou o dinheiro e voltou para o seu lugar, já ansioso para ver o resultado da aposta.
    O garçom já o esperava com a cerveja que encomendara, mal-humorado e irrequieto. Disse:
    - Da próxima vez encomende sua cerveja depois de ir mijar! Estou aqui, feito um bobo, esperando!
    - Ora, mas nem demorei!
    - O suficiente para tirar minha paciência!
    - Ora, Rudi, relaxa!!! Isto é um baile e ele serve para nos descontrair!
    - Paga logo esta cerveja pois tenho mais o que fazer...
    - Calma, calma. – Plauto tirou a carteira do bolso, catou uma nota e duas moedas totalizando três reais e cinquenta centavos e alcançou para o impaciente garçom: - Olha só: trocadinho, sem stress!
    Rudi arrancou o dinheiro da mão do rapaz, efiou no bolso e saiu grunhindo palavrões.



                     **********



    Havia uma enorme fila no banheiro das damas. Dentre todas as demais, destacavam-se os gênios, expressões, fisionomias e gostos dos mais variados. Garotas iludidas, desiludidas, fascinadas, apertadas e gotejadas de tanto segurar, tristes, alegres, quietas, histéricas, sovaquentas, menstruadas, secas e desinibidas. Pela fisionomia ainda dava para se ver a exata idade de cada uma: espinhentas, lisinhas, sardentas, enrugadas, brancas, bronzeadas e, a maioria não passara ainda pela primeira experiência sexual. Ouviu-se de passagem duas vozes mais penetrantes, sobrepondo o tom ao burburinho, discutindo: duas garotas haviam acabado de torrar os pares dançarinos e vieram buscar refúgio no banheiro:
    - Sabe, o cara que deixei plantado no meio da pista me apertou demais! Ele queria de qualquer jeito fazer eu sentir que ele estava arretado. Olhava-me parecendo ser ele o diabo. E não queria me largar de jeito nenhum! Aí, eu vim me esconder aqui.
    - Pô, Gilda, mas o cara que estava comigo foi mais mserável: ele se esfregou todo em mim. Passou a mão na minha bunda. Eu parecia um sabonete nas mãos dele. E, parece mentira, mas ele até tentou me beijar! ...Veio com aquele papo furado: “Você tem alguma coisa em seu olho.” Aí eu facilitei e disse: “Ah, é?” – Ele chegou perto e logo notei sua intenção em querer me beijar. Então eu virei a cara e ele botou a boca com bafo de cerveja bem no meio dos meus cabelos. Aqui ó! – Mostrou. – Ele me encarou com toda a safadeza e eu pedi licença. Ele se arreganhou todinho e eu saí e não olhei mais para trás.
    - Que atrevimento!
    ...E a conversa continou sobre os dois dançarinos que elas deixaram plantados na pista. Um pouco mais adiante dali, Helena estava do lado de Sandra na fila do xixi. Helena olhou para a irmã de Plauto esperando uma iniciativa de diálogo por parte dela. Não havia gostado do comportamento da irmã do seu par. A única coisa proferida até aquele momento fora: “Não enche o saco, me deixa tá e, oooooi.” Esperava que racionalmente Sandra soubesse desenvolver alguma idéia mais sensata e concatenante. Por outro lado, Helena sentia Sandra absímile, ensimesmada; não podia ser este o modo racional de seu comportamento no cotidiano.
    Por sua parte, Sandra começou a se censurar pela falta de cordialidade dedicada à pretensa cunhada. Afinal, era a garota que seu irmão escolhera por companheira de alegria aquela noite, quisesse ela ou não, e não era justo continuar trando-a daquele modo, com a imparcialidade de uma desconhecida.
    A conversa no banheiro, o qual envolvia de odor amoníaco a quem entrava, continuava agitada e animadíssima. Todas as garotas queriam falar ao mesmo tempo, e falavam. O mais incrível é que todas se compreendiam perfeitamente.
Sandra hexitou; Helena a encarava interrogativa. Subitamente, a irmã de Plauto abriu um sorriso acolhedor, esboçando aquelas duas fileiras de pérolas invejáveis, seus dentes, e o par de covinhas nas bochechas adornadas de sardas sensuais. Respirou fundo, sacudiu o cabelo e falou:
- Como o teu cabelo é lindo! Eu queria que o meu fosse assim.
Helena enguliu satisfeita, parecendo descer um nó que estaria entalado em sua garganta. Também respirou fundo, descontraiu e respondeu:
- Ora, mas o teu também acho bonito. Estes cachinhos são naturais, ou usas algum produto?
- Claro que é natural! – Fazendo ar de séria: - Eu queria ter o cabelo liso e escuro igual ao teu.
- Vê só como são as coisas: ...eu, nem enrolando diversas vezes fica assim, que nem o teu. Meu cabelo é muito desgraçado: liso como um peixe!
- Helena, eu queria...
- Sim, pode falar.
- Óh, Helena, ...
... Uma garota desmaiou no banheiro. Ouviram-se vários gritos apavorados, um escarcéu sibilante. Em seguida, houve um silêncio absoluto. Prontamente, duas ou três das enfileiradas esqueceram das suas bexigas, saíram e foram atender a infeliz. Fizeram-lhe ventilação no rosto enquanto uma foi até a pia molhar uma toalhinha que trazia na bolsa fazendo compressas em sua testa. A garota estava branca como cadáver e completamente desfalecida. Alguns comentários começaram a brotar das bocas das garotas assustadas. As “causas” partiram de uma possível gravidez, até a exaustão de um dia de ‘overdose’ de trabalho. Todas porém, sem exceção, estavam assustadas. Helena, vendo o trabalho em vão das garotas na tentativa de reanimar a desmaiada foi até lá, se agachou e começou a dar tapinhas suaves nas bochechas dela. Melda – a desmaiada – segundo diziam, sofria facilmente de queda de pressão em ambientes fechados e provavelmente esta fora mais uma demonstração deste distúrbio. Houveram também aquelas garotas que não saíram da fila o tempo todo, para não perderem seus lugares.
Mais alguns tapinhas e Melda, ainda branquinha da silva, acordou meio assustada. Perguntou o que acontecera e enquanto alguém lhe esmiuçava o ocorrido, todas as garotas correram de volta para seus lugares na fila. Helena também voltou em passos curtos pois, apertada, temeu que sua bexiga pudesse arrebentar. Ou, pior, que pudesse borrifar sua calcinha com angustiantes gotículas inseguráveis e inesperadas. Respirou fundo e prometeu para si mesma que iria aguentar até que chegasse a sua vez. Sandra elogiou o feito dela em relação à desmaiada e tentou sorrir amigavelmente, ao que Helena resolveu, antes de voltarem à mesa ou mesmo lá, persuadi-la a desabafar. Ela queria ver a face real da irmã de seu companheiro; não se conformava com apresentações formais ou pior, falsas e repletas de aparências.
Finalmente chegaram na vez. Poder entrar naquele cubículo, sentar no vaso e aliviar a bexiga foi para as duas como receber um prêmio. À saída de lá, Helena olhou para Sandra e falou:
- Na mesa eu quero falar contigo e tu não me escapas!
- É?
- Sério! Me aguarde...
- Mas, é sobre o que? – Perguntou Sandra.
- Verás!
- Por que este suspense? Se forem informações sobre Plauto, pode tirar o cavalinho da chuva, pois não darei nenhuma.
- Que cunhada malvada você é!?!
- Digamos que é para proteger meu maninho.
- Na mesa veremos... Daqui a pouco a gente fala.



                 ************



A mesa estava irradiando animação e alegria, quando Sandra e Helena voltaram. Amílcar e companheira haviam retornado da pista de danças. O suor escorria fartamente pelo corpo de ambos. Valquíria mostrou-se desinibidíssima; participava ativamente de tudo, viesse o que quisesse, pois tudo absorvia. Dava um show de vivacidade incrível.
Apresentaram-se todos. Helena tomou o lugar ao lado de Plauto, enquanto Amílcar conseguiu uma cadeira da mesa vizinha para Sandra. Amílcar fitou a irmã e logo notou que algo errado havia sucedido. Afinal, era tão dada, tão desinibida em todas as ocasiões e não vacilava em participar de qualquer brincadeira. Conjeturou para si mesmo sobre o que a tivesse deixado tão acabrunhada, porém não tentou averiguar: sua noite estava boa demais para preocupar-se em saber qual seriam os motivos de tão inditoso olhar por parte da mana. Resolveu convidar Valquíria para aproveitarem os últimos momentos do baile na pista, e amarem, apertarem e bagunçarem bastante.
Plauto se contentava em descansar e ter Helena ao seu lado. De repente, levantou os olhos e viu Luiz voltando desanimado da pista, atrás da garota esquisita, pois não dançara mais do que duas músicas com ela. Plauto respirou e achegou-se de Helena. Não desejava mais dançar. Ela virou-se para Sandra que novamente afundara seus olhos no xadrez da toalha. Por um instante hesitou; contudo, resolveu interrogar:
- O que houve contigo, hein Sandra? ...Levou o fora do namorado, não?
- Mais ou menos. Quero esquecer... – Olhou amigavelmente segurando as mãos de Helena – Não pergunte mais, tá?
- Por que?
- Porque simplesmente hoje sou uma péssima companhia.
- Entenda, Sandra! Eu só estou querendo ajudá-la, afinal, você também merece se divertir.
- Não estou a fim e, ...
- E?
- Ora, ...sei lá! Não quero ser chata.
- Mas eu quero ser chata com você e você está a fim, sim!!! Quero ver você sorrindo feliz como qualquer outro, neste exato momento!
- He, he, he... – Sandra esboçou um sorriso amarelo.
- Ri de novo?
- Hi, hi, hi.
Mais uma vez havia deixado aflorar aquele sorriso insosso de seus lábios sensuais. Helena achou graça desta fuga e este sorriso imprevisto fez a irmã de Plauto desacabrunhar-se. Abriu um sorriso profundo, respirou pausadamente e desabafou:
- Sabe o que é? Hoje só apareceram babacas para mim. Não tive a chance de dançar com nenhum cara legal! Foram todos uns tolos, mal-educados e burros! Bem que a minha tia solteirona sempre diz: “Homem só serve para nada ou pouco menos que nada!”
- Não concordo! Já pensou se nós disséssemos isso dos teus irmãos?
- É... ! ... Mas é!
- Isto não justifica! Acho que tens um motivo mais sério, algo a ver com os rapazes, é claro, mas algo mais sério.
- Está querendo pegar no meu pé, não é, Helena?
- Estou!
- Mas é muita coisa para se falar num baile!
- Que tal pelo menos começar a conversa? A gente termina ela outro dia, se não der hoje.
- Huuum!
- Sim?
- Está bem. Vou falar: olha, o que mais me dói quando um rapaz me convida para dançar, é ele não saber me interpretar. Não saber admirar o que tem dentro de mim, meu eu interior.
- Mas como? Em que sentido?
- Ora, suponha que um gato a convide para dançar; vocês chegam à pista e a única coisa que ele sabe fazer é dançar mais ou menos e dizer aquelas frases de todo mundo: - “Você está linda!”; - “Você dança bem!”; - “Posso saber o seu nome? É bonito seu nome!”; - “De onde você é? Pensei que era do Caí!”; - “Você estuda?”; - “Você trabalha?”; - “Você tem quantos anos?”; - “Tem irmãos?”; - “Você está elegante!”; você, você, você... frases genéricas e nada originais... fico fula!!! ...e apertar, agarrar, e amassar a gente com tanta força, até as costelas estalarem, esparramando nossos seios em seus peitos para eles sentí-los! ...E eles têm prazer nisso. Muito prazer Senão não o fariam tão frequentemente... Também se nota o prazer que eles têm quando se observar como eles ficam transtornados ao fazerem isso. ...E hoje tive vontade de guspir na cara de um babaca tarado com quem dancei. Meus seios ainda estão doendo de tantos apertos e esfregões que ele fez acontecerem “acidentalmente” tateando a revés. ...Vi que ele não tinha experiência nenhuma com a delicadeza no trato de nossas partes sensíveis e que ele seguiu os impulsos do animal homem. Que nojo!!! Acho até que se desse a oportunidade, eles nos desnudavam no meio da pista para saciar suas taras. ...E digo mais: acidentalmente também morreu a vó desse idiota tarado de velhice! ...Ai que ódio! – Cerrou os dentes: - Ai ...que ...óooodio!!!
- Continua, Sandra! É bom falar, botar para fora o que nos incomoda. Desabafa!
- Agora comecei, está perdida Helena. Vai ter que me ouvir mesmo!
- Então? Não era isto que eu queria? Continue!
- Sabe, Helena, não consigo suportar estas coisas... Não Aguento! Eles não dizem nada sobre o que sentem sobre o nosso modo de ser, de pensar, nosso comportamento... Do nosso!!! Ouviu? – E, batendo com o indicador no coração: - ...do nosso! – Seus olhos começaram a marejar enquanto ela disse: - Ninguém se preocupa em alimentar os nossos sentimentos puramente femininos: observar como somos, o que temos em diferenças frente a outras garotas que conheceram, observar aquela manchinha de beleza no pescoço, aquela unha lascada ou mal pintada... aquela fivelinha a mais no vestido. ...Observar a maneira de como nós os tratamos, de quanto cuidado tivemos para nos produzir para este baile, ...observar o quanto combinou a cor do vestido com os brincos, o colar e os anéis, enfim, observar esta harmonia, entende? ...Mas não! Interessa muito mais o nosso cheiro, nossas curvas e o quanto nos insinuamos para eles. ...Nossos trejeitos, nossas ancas, ...nossa bunda! Áh, esta interessa! E a fixação deles se completa como os amassos que nos dão, para no dia seguinte, vangloriarem-se diante dos amigos, medindo o volume de nossos peitos com piadinhas obscenas que para eles são muito engraçadas.
- Humm... continue!
- Desapareceu completamente a atitude de respeito que um rapaz deveria ter frente a uma garota, tentando entender o seu lado – o da garota – e não, cuidando só do seu lado – o do rapaz.
- Este lado de raciocínio sobre o respeito tem muita lógica Sandra. Saber olhar para uma garota como talvez uma futura mãe de seus filhos não acontece mais com a maioria dos rapazes.
- Certo! Eles competem entre si o tamanho de sua virilidade e nos usam como troféus para exibir. E quanto mais ligeiro nos levam para a cama, maior é seu troféu frente aos amigos. Isto me enoja! Faz-me questionar se ainda existe algum rapaz decente por aí!
- Sandra, eles existem. Resta ter-mos a sorte em descobrí-los, não é, Plauto?
O rapaz, aconchegado à Helena deu um ar de felicidade e continuou quieto, deixando com que a conversa fluísse naturalmente entre as duas garotas e assim elas acabariam se conhecendo melhor. Sandra disse:
- Sabe, Helena, sou capaz de amar alguém, de gostar de alguém, pelo simples fato de esse alguém realmente apreciar o meu verdadeiro eu; saber me admirar como Sandra e não como uma garota. Muito menos, como um monte de curvas apetitosas e desfrutáveis.
- Você tem razão em tudo o que está dizendo. Mas, já pensou no lado deles?
- Como, assim?
- Explico: meus pais sempre contam do tempo em que eles eram jovens como nós onde os bailes eram realizados em prol de novos casamentos. Todos iam lá, na esperança de arranjar um futuro marido ou uma futura esposa. Hoje em dia as coisas mudaram muito, Sandra. A maioria dos rapazes e moças que estão aqui, agora, garanto que vieram com o único pretexto de se divertirem. E nós duas, o que somos na multidão? Nada! Nossa palavra somente é uma gotinha de água num deserto: podemos molhar, influenciar os grãozinhos de areia ao nosso redor, as pessoas, mas e quantos ficam longe do nosso alcance? ...Vamos pegar você como exemplo:
- Eeeeu?
- É, você! Veio para o baile com a intenção de encontrar alguém sério, especial, que admirasse o seu ‘eu’ interior, a respeitasse e talvez fosse transformar-se em seu príncipe encantado. E como você só teve esta antevisão do baile, e como não encontrou esta projeção que havia feito para você mesma, ficou magoada com os acontecimentos deste baile. ...Agora, pensa nos rapazes que dançaram com você... quantos foram?
- Quatro!
- Pois então! Quatro caras vão sair deste baile hoje muito felizes e realizados porque aproveitaram e se divertiram pra valer, e, de lambuja, ainda tiveram momentos de tesão. Pensa assim: você fez o baile de quatro caras esta noite!
- Humm, começo a entender. Mas não me convence.
- Bom, deixe me explicar melhor: Sandra, não adianta você querer preparar um prato de feijão num lugar onde todos só vieram por causa do arroz. Dá para entender?
- Começo a entender e quase já me convenceu do meu papel no baile. Fala um pouco mais? Estou gostando de suas comparações...
- Bom, Sandra, tudo não passa de felizes, ou, sei lá, infelizes coincidências: Plauto, por exemplo, a começar pelo nome é um rapaz diferente de tantos outros que já conheci. Ele tem algo a mais. Não me pergunte o que é, pois não sei explicar e isso eu realmente admiro e me fascina.
Plauto naquele momento estava cochilando recostado no ombro de Helena. Ela continuou:
- Sandra, porque não aproveita o resto do baile se divertindo em vez de pensar nestas teorias fantasiosas que vem alimentando? O baile não pode terminar monótono deste jeito para você.
- Mas, eu não estou mais sentindo nenhum ânimo para ir dançar. Prefiro ficar conversando.
- Ou melhor, desabafando!
- É, desabafando... ...mas, isto faz um bem enorme para os nossos sentimentos! ... Uau! Isto traz um bem sem tamanho no baixo astral.
- Que bom. Estou sentindo que seu astral está melhor.
- Está! ...Mas, sabe, Helena, apesar de tudo o que disse, todas as verdades que me disse, ainda acho que este baile está injusto comigo. Poxa, com tantos rapazes bonitos, de aparência inteligente, vários que paquerei, poderia ter sobrado um para mim.
Helena pegou as mãos de Sandra entre as suas, a encarou com carinho e confiança, dizendo:
- Entendo perfeitamente o motivo de estar magoada. Mas, sua felicidade pode ser encontrada até num relacionamento novo, assim como este nosso. Estamos nos conhecendo hoje, mas já posso me identificar bastante com você, a ponto de parecer nos conhecermos há anos. Isto também é maravilhoso!
- Concordo!
- ...Amizades que se formam a partir de encontros como o nosso, são importantes, pois elas nos fazem sentirmos o valor dos outros.
- Concordo mais uma vez.
- E isto é legal! É o verdadeiro resgate do ser humano. As pessoas têm a necessidade de entregar um pouco de si para se sentirem bem.
- Concordo de novo!
- Nossa conversa agora, está sendo uma entrega de dúvidas e um recebimento de certezas. Isto é amizade! Isto faz a gente dar valor para os amigos e para os encontros com os amigos.
- Ou seja: temos que aceitar as circunstâncias do jeito como são, sem jamais tentar forçar ideologias em ocasiões desapropriadas. ...Estou começando a aprender a lição. – Pensativa: - Helena! Acabo de me dar conta de que você tem razão!!!
- Viu só?
- Claro! Por que sempre tentar o mais correto e sério, se a gente também pode se divertir sem estas coisas todas? Helena, você é sensacional! Nunca havia olhado meus desacertos pelo outro lado, e cheguei à conclusão de que você tem realmente razão. Mesmo que não tenha arranjado ninguém nesta noite, estou felicíssima em tê-la conhecido.
Sorriram. Plauto que estava cochilando no ombro de Helena, arregalou os olhos com o trepidar das risadas. Sandra disse:
- Meu irmão, você tem uma jóia muito preciosa e rara ao seu lado; trate-a com muito cuidado e carinho.
- Claro, claro! E, de vez em quando esta jóia precisa ser polida.
Ao falar isto, Plauto roçou suavemente sua mão no rosto de Helena, e em seguida a beijou. Ela estremeceu.
Neste meio tempo, Luiz estava passando cabisbaixo em frente à mesa deles quando Plauto o chamou:
- Luiz, venha cá!
- Eeu?
- Sim, quero falar com você.
- O que foi?
- Ora, ora, não se faça de trouxa. Sabe o que quero!
- Hã, não sei não!
- Luiz, refrescando sua memória, você ficou de me falar sobre a moça misteriosa que ainda não conseguiu segurar ninguém neste baile. ...E daí? O que me conta?
- Sem palavras! – Disse Luiz acabrunhado.
- Sem palavras, por que? Ela já foi embora do baile, pode se abrir! Fale, estou muito curioso...
- Não, deixa assim!
- Ora, Luiz, fale!
- É Luiz, nós também estamos curiosas, não é, Sandra? – Disse Helena. Luiz coçou a cabeça e cabisbaixo falou:
- Estou com vergonha...
E Plauto:
- Ora, Luiz, não há motivo para ter vergonha de ter levado o fora de uma menina.
- Aí é que está o problema!
- Que problema, Luiz?
- É, que problema? – Disse Sandra encarando Luiz. O rapaz, todo desconcertado, mexia a cabeça para lá e para cá, num sinal de profunda desaprovação.
Alguns segundos se passaram, num suspense interminável. Finalmente ele disse:
- Ora, quando fui dançar com aquela moça, senti uma massa estranha em sua virilha, aí perguntei o que era aquilo.
- E?
- Ela respondeu:
- “Isto é um estorvo que tenho no meio das pernas, mas que em breve vou tirar.”
Aí eu perguntei:
- Como um estorvo? O que é esta massa?
Ela me encarou com um olhar meloso e disse:
- “Ora, por enquanto sou Sílvio, mas logo, logo, serei definitivamente Sílvia.”
- O mundo desabou inteiro na minha cara, Plauto! Imagina só como fiquei ao saber que estava a fim de um homem? Imagina só a repercussão de um acontecimento destes frente aos meus amigos? Minha reputação vai ladeira abaixo, cara!
- Ora, não é bem assim. – Disse Plauto. – Você não sabia e qualquer um podia se enganar, assim como tiveram vários rapazes passando pela mesma experiência.
- Mas naquele momento eu não quis mais saber dela, ou dele, sei lá... Bom, perdi a aposta. Toma de volta seu dinheiro.
Neste meio tempo, as moças estavam a se finar de tanto rir do malfadado encontro de Luiz. Plauto disse:
- Não! Já que é assim, fique com o dinheiro. Você o mereceu, afinal, se esforçou!
Ele rejeitou o dinheiro da aposta com o Luiz, o qual o guardou sem mais insistir. Assim que ele virou as costas, Plauto desatou numa risada incontrolável e interminável:
- Imaginem só: Luiz, machão como é, ter se confundido e dançado com um gay! Imaginem o filme que passou em sua mente quando sentiu aquela “massa” no meio das pernas da garota. Há, há, há...
Sandra interveio:
- É muito bom isto ter acontecido com o Luiz para ele deixar de se achar o garanhão de Recanto. Ele é muito convencido e uma rasteira como esta fará ele repensar seus conceitos.
- Coitado do rapaz! – Disse Helena. – Deve estar se sentindo o último dos homens!
- Deixa assim. – Disse Plauto. – Ele merecia passar por uma experiência como esta.
Assim, o mistério sobre aquela esquisita moça estava solucionado.
E a conversa girou ainda um bom tempo sobre o assunto, resultando em altas gargalhadas por parte de todos os ocupantes da mesa.



                 **********



Como não faltava muito para o baile terminar, a bandinha tocava com maestria músicas lentas e românticas.
Às vezes, para acelerar o “motor da pista”, ensaiavam músicas quentes, rítmicas e vigorosas. Valquíria e Amílcar exalavam satisfação e suor por todos os poros de seus corpos. Ele já esquecera a magrelinha do arreto, Tífani, há tempo e ela inclusive já havia ido embora. “Momentos bons passam no dobro do tempo que os maus” – pensou o rapaz enquanto consultava seu relógio. A ocasião era propícia para todos os deleites, inócuos ou atrevidos. Sua atmosfera particularmente lhes reservava o direito de repararem em si: primeiro o físico, pois Valquíria em sua altura avantajada ostentava um corpo malhado esboçando curvas desejáveis, um rosto encantador, bronzeado pelo trabalho no campo e olhos vivos, brilhantes, maliciosos. Para completar, um cabelo digno de atriz de cinema. Amílcar, por sua vez, tendo um corpo nem tão atlético, mas uma estrutura forte, segura, a aparência de quem malha no esforço do trabalho do dia-a-dia. E seu olhar malandro cativava facilmente as garotas. Seus olhares, embora os de Amílcar fossem mais intrigantes, mostravam ao mesmo tempo que o encontro os conduzia ao mesmo princípio e fim: a agradável companhia àquela noite de diversão. Assim juntinhos, ambos estavam a construir um belo futuro, completando a imagem com enormes castelos de areia. Momentos como aquele: como fundo musical, melodia melosa tipo “My Only Fascination” do “Demis Roussos” solada ao sax do maestro tocava fundo. E, em contrapartida os pensamentos, divagavam sobre os próximos encontros, se este envolvimento continuaria, se estavam sentindo algo diferente entre eles, algo como uma paixão desenfreada ou um amor que pudesse ser duradouro. Coladinhos, faces nos ombros, Valquíra e Amílcar divagavam por estes pensamentos de olhos fechados e mente a vagar, levando algumas certezas em seus flashes misturadas a muitas incertezas. Mas, uma certeza era clara e cristalina nas mentes de ambos: que ficariam juntos, se conheceriam melhor e construiriam algo de muito bom em seu relacionamento, podendo até chegarem a casar. E, enquanto sonhavam, alguém cutucou Valquíria, a qual por sua vez, não deu bola, pensando tratar-se de outro casal que tivesse encostado nela enquanto dançavam. ...Porém, enquanto pensava nisso, alguém já sussurrou em seu ouvido:
- “Válqui”, estão todos prontos! Vamos embora?
A moça, como que despertando de um sonho, abriu e levantou os olhos, vendo que era a sua irmã a chamá-la. Aconchegou-se mais a Amílcar, apertou-o contra si e:
- Querido, querem ir embora. Tenho que acompanhá-los! Quanto tempo falta para este lindérrimo baile acabar?
- Mas Valquíria, ainda faltam... _ e olhando para o relógio – faltam...
...A banda começou uma música tipo frevo, enquanto o locutor se despedia dos presentes, com toda a pompa, agradecendo a oportunidade que tiveram para fazerem a trilha sonora daquela noite. Amílcar tomou com carinho Valquíria em seus braços, achegou-a a si, deu um abraço caloroso dizendo:
- Então, vamos!
Assim, abraçados foram, acompanhados da irmã de Valquíria, até outros dois casais, onde uma moça e um rapaz – o motorista – eram seus parceiros na viagem até Recanto. Eles eram do Caí. Apresentaram-se todos e saíram do salão. Antes de se despedirem, Amílcar e Valquíria trocaram muitos beijos. Beijos tantos, que as amigas, amigo e irmã tiveram que intervir para que pudessem ir embora. Os dois trocaram telefones, endereço e a promessa de se reencontrarem no próximo fim de semana, desta vez na Bela Vista, num baile de chopp.



                 ***********



Sandra e Helena ainda se econtravam no calor de sua conversa quando Amílcar retornou à mesa. Plauto, encostando a cabeça no ombro de sua companheira, quase dormia, entremeado por saborosos cochilos. Elas, naquele ambiente, alimentado pela conversa entusiasmada, ainda nem haviam se dado conta do fim do baile. Com delicadeza, Amílcar as trouxe de volta à realidade:
- Garotas, desculpem; não quero ser chato, mas parece que o baile terminou.
- Meu querido mano, suponho que a gatinha que estevo com você já foi embora e...
- Ou já deu o fora há mais tempo e ficou por aí fazendo cera. – Completou Plauto. Amílcar sorriu. Vendo Helena junto ao seu irmão perguntou:
- E quem é esta?
- Ora, Amílcar, esta é a melhor mulher do mundo: doce para o seu irmão e companheira, amiga para sua irmã.
- Tudo isto?
- Sim, tudo isto e muito mais! – Completou Sandra. – Além de ser esta criatura adorável, tem um interior invejável. Todos deveriam ter um pouco de Helena dentro de si.
- Nossa! – Disse Amílcar. – O que deu em você, Sandra? Bebeu wisky?
- Não! Bebi a sabedoria de nossa cunhada, que é genial.
Amílcar atalhou:
- Mas posso ao menos saber o nome desta garota genial?
Quase em coro, os dois falaram:
- É Helena!
Ela sorriu tentando esconder o momento de glória pelo qual estava passando. Amílcar também sorriu, dando um abraço cordial nela:
- Seja bem vinda Helena, nós te adoramos! Estou a conhecendo agora e já posso sentir o quanto é importante para a família.
- Obrigada, Amílcar! – Respondeu ela. - Você é muito gentil.
Sandra perguntou:
- Ué, Amílcar, onde está sua companheira?
- Valquíria?
- É! Onde está?
- Já foi embora.
- Que pena! Nem fomos apresentadas. – Disse Sandra. Amílcar falou:
- É, mas com certeza ainda irão conhecê-la. E, muito mais breve do que pensam!  Valquíria fez-me crer que o mundo possui garotas espetaculares.
E Sandra:
- É, e Amílcar fez Valquíria crer que o mundo está repleto de rapazes chatos e aproveitadores. ...Coitadinha!
- Ou, ela viu que o mundo está cheio de grandes caras, que sabem como cuidar de uma garota? – Pigarreou e olhou enviezado para Sandra. Riram. Plauto ajudou a rir sem saber o motivo da alegria. Sandra reparou:
- Helena, acho que teu principe encantado está encantado mesmo, pois até dar risadas sem motivos ele agora dá.
- Se é este o caso, vou inverter a história e acordar o príncipe encantado.
Beijou caprichosamente Plauto. Todos riram. Helena levantou e começou a despedir-se:
- Amílcar, foi um prazer! Apesar de conhecê-lo apenas agora, no fimzinho do baile, gostei de você, do seu astral e de sua energia. Áh, e obrigado por me integrar à família sem quase me conhecer! Se depender deste aqui – apontou Plauto – haveremos de nos ver mais vezes.
O rapaz deu a mão, respondendo:
- De minha parte, do mesmo jeito Helena. Gostei de você. Já é de casa, viu? – E, chegando mais perto, abraçou com vontade a garota. – Espero que realmente nossa amizade continue! Sério mesmo! Gostei de você!
Neste meio tempo, tocou o celular de Amílcar e ele foi um pouco mais distante delas para atendê-lo, enquanto Sandra e Helena se despediam:
- Sandra, querida, eu não tenho palavras para dizer o quanto eu gostei de ti.
- Engraçado, Helena, eu diria o mesmo! Tu és uma garota divina, maravilhosa, especial. Espero que sejamos eternas amigas a partir deste momento.
- Sandra, eu já disse: depende deste aqui do lado... Mas, mesmo que não me acerte com Plauto, quero continuar sendo sua amiga.
Neste meio tempo, Amílcar já havia atendido o celular e voltava à realidade:
- Hum. O que houve entre as duas? – E Sandra:
_ Primeiro me diz quem era no teu celular. Depois eu falo. Amílcar falou:
- Era Tífani ligando da sua casa em Montenegro, querendo saber quando iríamos nos encontrar novamente.
- Qual? Aquela magrelinha que estava acompanhada da mãe?
- É, esta mesmo!
- E você, o que disse?
- Disse que devia haver algum engano pois não conhecia nenhum Amílcar.
- Coitada!!!
- Ué, Por que? Ela está começando a pegar no meu pé por causa de uma arretadinha que tivemos no meio do baile, mas foram outros momentos e eu não quero mais nada com ela agora, já que conheci Valquíria, e...
- Quem te viu e quem te vê, mano!!! A paixão muda tudo!
- Mas, Sandra, - disse Amílcar – ainda não me disse o que aconteceu entre vocês duas para estarem com este astral mágico.
- Deixa prá lá, mano! Isto é entre nós duas... Mas posso adiantar que uma boa conversa muda muitas coisas em nossa vida.
- Já vi que o papo foi profundo! – Disse Amílcar. – Mas vou respeitá-las. E, Sandra, tomando as mãos de Helena entre as suas, falou:
- Obrigado por tudo, querida! Espero que possamos ver-nos em breve.
- Tudo depende deste molequinho. – Disse Helena enquanto torcia o nariz de plauto, que deu uma contorcida imitando dor com a atitude.
Sandra sentou ao lado de Amílcar à mesa enquanto seu irmão acompanhou Helena até o ônibus que já estava de saída. Depois de muitos beijos, carinhos e afagos os dois prometeram encontrar-se no próxmo fim-de-semana.
Sandra e Amílcar ficaram abraçados enquanto aguardavam o retorno de Plauto.
Quando este chegou, foram os três abraçados até em casa enquanto cantarolavam canções que compunham a trilha sonora daquele baile.




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Já em casa, Sandra ocupou-se em tomar um banho bem quente e reconfortante, para logo cair na cama. Estava muito cansada, apesar de não ter dançado muito. Ao sair do banheiro, Amílcar a aguardava. Então perguntou:
- Que tal o baile, Sandra?
- O melhor de minha vida!
- Como assim, o melhor baile Sandra?
- Ora, foi o melhor baile da minha vida!
- Mas não a vi com ninguém praticamente a noite toda! Como pode ter sido o seu melhor baile?
- Olha, Amílcar, porque Helena me ensinou a compreender a verdadeira razão de ser mulher e a realmente apreciar os homens.
- Humm... interessante!
- E, além disto, aprendi a explorar melhor os bailes e os seres que transitam por lá se dizendo homens.
- Que romântico, mana! Será que pode me adiantar algo a respeito, para eu poder aproveitar melhor ainda os bailes?
- Ai, Amílcar, você não tem jeito mesmo! Isto é assunto de mulheres e você não deve meter as ‘fuças’ no meio.
- Bom, o que vou dizer? ...Tenho que respeitar. Então, ...
Chegou perto da irmã, abraçou-a com firmeza e disse:
- Durma bem, mana! Te adoro, por este teu jeitinho amado de ser! ...Tenho pena de todos os rapazes que não tiveram a oportunidade de conhecer este anjo na terra que tu és!
- Ai mano, não é para tanto! Também te adoro, Amílcar. Boa Noite!
E ela foi dormir.
Já amanhecia. Plauto e Amílcar trocaram de roupa e antes de  irem dormir, deram comida para os animais no curral e ordenharam as vacas.



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