terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2014: Recomeçar




Recomeçar

  Recomeçar. Esta é a palavra. Em sua essência existe algo de ansiedade, pois o incerto de um recomeço causa muitas espectativas. Por outro lado, os recomeços de nossas vidas são realmente quem fazem os movimentos dela. Sem eles, o marasmo dos dias iguais acaba por deixá-la sem graça. Insossa. Por isso a importância de recomeçar. Mesmo eu me sentindo ainda completamente despreparado para grandes atitudes, a vida merece um recomeço. Fazendo novas amizades, tocando projetos que andam engavetados, melhorando nosso cantinho, o deixando no aconchego que sempre foi. A garagem e o quarto do Guilherme precisam de uma repintura. Faz algum tempo que Bere havia me falado sobre isto. Até a tinta já foi comprada. Mas com o correr do ano que passou, com tantos sobressaltos, nem lembrávamos mais deste projeto. Por incrível que pareça, quem reascendeu o debate sobre isto foi nossa passadeira de roupas, a Andréia. Ela prefere passar roupas na garagem porque lá é mais fresquinho, sempre corre uma brisa, e hoje quando fiz o chimarrão e parei com ela pra conversar, ela olhou ao redor e disse: "Pio, isto aqui precisa de uma pintura! Não é que está feio, mas ficaria mais bonito." - Então, tudo voltou em minha mente. E eu respondi dizendo que fôra projeto nosso para 2013 repintar estas duas peças da casa. Assim como fôra projeto também melhorar a saúde bucal de Bere, que vinha com mobilidade dentária devido à quimioterapia. Da metade do tratamento em diante, a comida tinha que ser facilmente mastigável devido ao seu problema. E tínhamos nos proposto a que ela refizesse toda a sua arcada dentária quando o tratamento tivesse terminado.
   Bere ficava chateada por não poder mais morder as frutas e delas arrancar nacos com os dentes. Tudo tinha que ser picado em pedaços. Ela me via mordendo uma maçã com vontade e ficava no desejo de poder dar uma mordida assim também. Então, um dia, na merenda da tarde, durante o inverno, ela estava sentada no sol porque a quimioterapia faz sentir muito mais frio. Eu fui, peguei uma maçã bem vermelha, lavei e fui comendo, enquanto ia para junto dela, fazer companhia e conversar. Ela olhou para mim mordendo aquela maçã com gosto, tadinha, ela comendo a sua picadinha num prato, e disse: "Que vontade de fazer isso! Que saudades de uma mordida assim na maçã! Comer uma maçã do jeito como eu estou comendo não tem a mesma graça!" - Eu ri e disse: "Vidinha, não vejo diferença nenhuma em comer a maçã direto, ou picadinha no prato." - Bere ficou me olhando enquanto pensava. De repente, falou: "Morde e me dá esse pedaço?" - Prontamente eu mordi, tirei um naco, e este pedaço tirei da minha boca e pus em sua boca. Ela começou a mastigar, saboreando, como se fosse a primeira maçã de sua vida. Nossa, o encantamento dela era tão grande, que chegou a fechar os olhos para sentir o  sabor deste pedaço de maçã em toda a sua essência. Parecia uma criança comendo seu primeiro chocolate. Até cheguei a pensar que ela estava fazendo aquilo só para me bobear, porque, afinal, o que tem de diferente entre uma maçã picada e uma maçã mordida aos pedaços? Mas a resposta veio em seguida, do jeito único, reparador e detalhista que Bere tinha com tudo o que compunha a sua vida. Então ela falou: "É outro sabor e sei por que!" - Eu ainda ri e retruquei: "Claro, tem a minha saliva aí junto." - Mas, Bere séria, enquanto engulia, disse: "Assim a maçã encaixa na boca, não é como os pedaços quadrados dela picada, que ficam machucando o céu da boca e a gengiva! O pedaço mordido é anatômico, encaixa na boca sem agredir." - Fiquei admirado diante da conclusão de Bere, afinal, fazia sentido. Eu ri e disse: "Sabe que tens razão?" - A partir daquele dia, sempre quando eu ia comer uma maçã, a primeira mordida dava para ela. E eu saboreava ver ela mordendo este pedaço, com a mesma carinha premiada de sempre.
  Recomeçar. Minha estrutura vai ter que se basear nisto em 2014. Tocar a vida num eterno recomeço, de coisas boas e produtivas. Focado nos meus dois meninos, focado no meu trabalho e focado na manutenção de tantas amizades que precisam ser regadas como plantinhas. Para que durem. Porque os amigos são a base de sustento de todas as nossas vicissitudes. E olhar profundamente para a família. A minha, com certeza, que é foolgas e que quando se encontra faz toda a vizinhança saber do encontro porque todos falamos alto. E a da Bere também, que é minha família do coração, e que jamais irei mudar, tome minha vida o rumo que for, porque amo esta família! Ela é feita de pessoas tão doces como Bere era. Claro que cada cunhada, cunhado, sobrinhos com seu modo particular de ser. Mas a essência da doçura que veio de berço todos têm, e isto me faz admirá-los tanto quanto admirava Bere. Enfim, uma grande família, que eu adoro. Que venha 2014!


Bere dançando Macarena enquanto os risólis da ceia de Ano Novo aqueciam no forno.


 Dia do Ano Novo na praia de Arroio do Sal, Bere esperando o churrasco ficar pronto enquanto tomava chimarrão.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Música - a Canção do Lobo



 Música

   Hoje me deu vontade de ouvir novamente o CD do cantor Lobo que Bere tanto amava. Não havia mais ouvido desde a sua partida. Claro, porque as canções deste CD me lembram muito ela. Mas, como o assunto entrou em cena em minha descrição anterior, me deu vontade de ouvir. Não o fiz antes, porque eu certamente choraria durante todo o tocar do disco. Mas consegui ouvir todo ele enquanto preparava o almoço. Somente chorei quando Lobo cantou: It Sure took a long, long time - É certo, tomou muito, muito tempo. - Não tem com não se emocionar. Ele diz na canção: A magia que tivemos juntos, parece muito mais forte do que antes, o que aprendi para recompor nosso amor, garota, tenho que reaprender, e isto é certo, tomou muito, muito tempo. - E eu tive que reaprender a conviver com toda a diferença que o mundo nos apresentou. Acho que por isso eu chorei. E ouvi de novo a canção. Cantei junto chorando. E ouvi uma terceira vez. E chorei mais uma vez. Emoção à flor da pele, mas das boas, que depuram. Nas incertezas da verdade que se instalou me fez, apesar de ser uma pessoa participativa, reaprender a vida. A situação me cobrou isso. Reaprendi a ser mais dócil, mais parceiro, mais gente, mais humilde, saber dizer "muito obrigado" em todos os momentos, tirar mais tempo para Bere, enfim, a me dedicar a ela. Aliás, Bere tinha o costume de sempre dizer "Muito obrigado!" - por qualquer motivo. E parece que esta canção foi escrita para nós dois. Pois fala de reaprender. Quantas pessoas passam uma vida inteira com suas certezas, tomando-as como máximas, e machucando pessoas. Quantas? Conheço muitas. E como na canção do Lobo, que Bere adorava acompanhar, a vida ensinou a fazer de mim um responsável sem limites, para que ela tivesse neste desenrolar de incertezas pelo menos a certeza de mim presente e solidário em todos os momentos. Ainda ouço na vozinha dela cantando junto o final do refrão: "Took a long, long time" - Tomou muito, muito tempo. E cantava desafinada. Mas, mesmo assim, eu amava. Porque o coração dela cantava, não importava a forma como se expressava. No desafino de sua voz, estava a beleza de sua dedicação em compartilhar comigo o doce gosto de belas canções. Ela olhava para mim com um brilho sem igual no seu negro olhar, e cantava. Tudo fora do tom. Mas não tinha vergonha de cantar. Porque sentia que eu via em sua expressão de doçura e alegria, aquele momento ser único, merecido, e que o desafino somente era um detalhe.
   Apesar de que ouvir este CD ter me feito bem, como se diz, lavou minha alma, ele também me deixou choroso. Vou guardá-lo e ouví-lo quem sabe, daqui a uns meses quando meu coração o pedir. Porque meu almoço não foi o melhor, apesar da comida maravilhosa que fiz com todo o carinho para mim e os filhos. E depois, estendendo nossas roupas nos cabideiros para por no sol para secar, a canção voltou plena em meus pensamentos e eu chorei o tempo todo enquanto colocava nossas camisetas nos cabideiros. Lembrando do carinho que Bere dedicava a esta atividade, de colocar nossas roupas exatamente do jeito como eu estava fazendo,  cantarolando, nas tardes de domingo, fora do tom, mas com o coração. Foi mais forte do que eu. Senti uma sensibilidade tão angustiante me tomando, e a melodia correndo no fundo, que não resisti. Eu só pensava: "It tooks not a long, long time, but a short, short time - não tomou um tempo longo, longo, mas sim, um curto, curto tempo." 
   O guarda-sol que tradicionalmente armava defronte à piscina nesta época do ano, onde numa tarde como a de hoje, colocava uma melancia gelada e partia para Bere comer, enquanto eu abria uma cerveja, ficou no seu lugar, em cima do guarda-roupas. Não quero abrir ele e trazer mais lembranças das que foram do verão passado. Bere ainda está muito presente em mim, e estas cenas, apesar de lindas, convividas com ternura e paixão, vão acabar me fazendo chorar. E hoje eu já chorei demais. Ardem os olhos. Então deixa lá o guarda-sol, a mesinha de pvc, a cadeira de praia. Quem sabe, no verão que vem, tiro do seu lugar e recoloco no pátio e relembro dos lindos verões que passamos juntos.


Aqui o flagrante de Bere comprando o CD numa lojinha em Arroio do Sal, durante nosso veraneio ei 2009


Capa do CD

sábado, 28 de dezembro de 2013

No Apagar das Luzes de 2013




 No Apagar das Luzes de 2013

   Metade deste ano que está terminando foi tensa para mim. Vivi meio ano de muita ansiedade e emoções. E nesta nuvem negra onde embarquei, juntamente com Bere, alguns fatos foram tão pesados, que descobri o tamanho de minha resistência a mexidas emocionais extremas. O ser humano tem uma capacidade inimaginável de se superar. Quando penso para trás, e procuro lembrar onde eu mais balancei, o que mais marcou, revejo alguns fatos. Mas, talvez o mais marcante, sem ser o momento em que ouvi do médico que fizeram de tudo para reavivá-la, mas que ela nos deixou, que partiu, foi quando o doutor, dia 8 de março, 19:30 me chamou para falar sobre a doença de Bere e o diagnóstico sobre seu futuro: "Num caso destes, a sobrevida é de 8 meses!" - Ele me disse na lata. Foi como se tivesse levado uma facada. Doeu muito ouvir isso, sem estar preparado. Até porque uma semana antes deste veredito Bere não tinha nada. Absolutamente nada! Estava completamente saudável. E minha reação na resposta: "Mas ela é tão jovem!" - E ele, friamente respondeu: "A doença não escolhe idade. Infelizmente para ela veio cedo." - E Bere, sentada a 10 metros dali, no corredor verde-água do hospital, preparada para uma tomografia e me esperando para saber de mim o resultado do diagnóstico do médico. Me lembro o quanto tive que segurar minha aflição, quando voltei a ela, ao ter esta notícia, para não mostrar na cara a realidade de seu diagnóstico. Ela estava sentada em uma cadeira de rodas esperando, mas não ouviu nossa conversa. Eu cheguei, coração partido, mente sem rumo, me acocorei na frente dela, passei a mão em seus cabelos desalinhados e nos entreolhamos. E ela me perguntou com seu olhar e eu respondi com meu olhar. E tudo estava dito. Uma pergunta e uma resposta. Só com os olhos. Não tem como esquecer uma cena dessas. Não tem.  Sabe, primeiro o olhar interrogativo dela? E em resposta meu olhar desabonador! Cena de uma troca de incertezas amargas que se instalava em nossos corações e que a partir daquele momento nos levaria através daquela nuvem negra a um destino incerto. Então, ela olhou para o céu, para o nada, fez que não com a cabeça e secou uma lágrima com seu dedo enquanto eu via sua mãozinha roxa onde tomou soro toda a semana. Peguei sua mão, beijei. Ela colocou sua outra mão por cima da minha e ficou me alisando com o dedo num vai-vem de contar do tempo que ainda poderia lhe restar. Eu fiquei olhando para aquelas mãozinhas, amadas mãozinhas, unhas por fazer, onde ainda mostrava o vermelho festivo que havia pintado para a comemoração de meu aniversário uma semana antes. Imaginei o quanto de dor ela tinha sentido com este meu olhar desalentador. Eu estava desmoronando por dentro. Meus joelhos começaram a tremer pela posição desajeitada que me encontrava, mas eu não quis levantar. Continuei acocorado. Não levantaria enquanto ela estivesse segurando minhas mãos tentando tirar o pouco de força que eu ainda tivesse para compartilhar. Instintivamente nos olhamos mais uma vez. E novamente a pergunta em seu olhar marejado. E novamente minha resposta no olhar sofrido. Não foi preciso falar. Ela entendeu. Então, chamaram ela para a sala de tomografia e eu fui pro banheiro chorar. 
   Dali para diante, foi como estar diante do mar, que imprevisivelmente trás suas ondas, assim os acontecimentos foram imprevisíveis. E entre os fatos ruins que aconteceram, alguns bons também trouxeram um pouco de serenidade em nossas vidas. E destes bons, dois diagnósticos foram motivo para nos alegrar. Bere vibrou muito quando depois de uma suspeita de metástase no cérebro o resultado se mostrou negativo. Nossa! Não dá para esquecer sua vibração ao receber o resultado. Comemoramos em casa com uma jantinha feito das comidinhas que ela adorava: arroz, purê de batata com farofa e bifinhos fritinhos no disco. Para acompanhar, uma saladinha de alface, tomate e um vinho tinto suave para ela. O tomate, como sempre, em rodelas, só temperado com uma pitada de sal e azeite de oliva. Para ela foi um banquete. Foi a primeira vez em dois meses que a vi comer com vontade. Com gosto. E sorrir despojada. Então, depois do jantar, os filhos já haviam se retirado,louça por recolher, estávamos sentados à mesa um do lado do outro, nos entreolhando, como tantas vezes fizemos. A gente gostava de se olhar sem falar. No fundo, a música no cd, rolando um 'Baby I'd Love You to Want me' do cantor Lobo que ela adorava. Bere, num rompante, levantou e pediu para que me afastasse da mesa com a cadeira. Eu o fiz e ela sentou no meu colo. Deu um beijo, senti o gosto do vinho em seus lábios, e ela disse: "O que fiz pra te merecer?" - Eu respondi: "O que eu fiz pra te merecer?" - Ela segurou meu rosto com as duas mãos em concha, e seu olhar negro e belo me fitou. Disse: "Não muda de assunto! Eu fiz uma pergunta. E quero uma resposta: o que fiz pra te merecer?" - Então eu disse: "Nós nos merecemos, querida! Nós nos fazemos merecermos um ao outro." - Bere deu um sorriso meigo, me beijou mais uma vez e disse: "Que bom que nos merecemos. Isto é tão intenso! ...Ah, obrigado pela janta. Foi divina!" - Eu a abracei e disse: "Como é fácil te agradar Vidinha!" - Ela, com seu olhar carinhoso me encarou e disse: "Pra que luxo se tenho três tesouros em casa? Meu luxo são vocês!" - Dei mais um beijo nela, levantamos, desfizemos a mesa e fomos lavar a louça juntos.
   Marcante também foi a viagem que fizemos a Itacaré na Bahia para comemorar uma melhora em seu estado de saúde. E nesta viagem dois momentos se salientaram. Um tenso, que já contei, onde ela abria mão de mim por amor, no qual a repreendi por pensar assim. E um muito alegre no avião, na volta. Viajou em nosso banco uma professora, Mila, que sentou na janela. Ao lado dela Bere, e eu ao lado de Bere. Na hora as duas fizeram amizade. Mila, elétrica, confessou ficar tensa em viagens de avião. Então Bere disse a ela que ficaria conversando com ela para a distrair e perder o medo. E isso aconteceu. Nossa! Rolou uma química entre as duas, parecia se conhecerem há anos. Conversaram sobre tudo, o tempo inteiro. Mila desembarcou em Minas Gerais e nós seguimos no mesmo avião. Bere estava radiante. A felicidade que sentiu por ter ajudado uma pessoa, quase desconhecida a viajar mais tranquila. Bere era assim: pequenas coisas, banais para muitos, para ela sempre eram grandes acontecimentos. Intensos. Por isso eu a amava tanto. 
   Outro fato marcante aconteceu no início do mês de Setembro. Bere tinha consulta marcada para saber o resultado de uma tomografia do pâncreas. Ainda estava animada pela estabilização do tumor no pulmão e encorajada a saber, quem sabe de um bom diagnóstico. Lembro perfeitamente. Nós dois estávamos sentados lado a lado, de mãos dadas, na frente da escrivaninha da doutora Maria Helena. E a doutora falou: "Berenice, infelizmente vais ter que voltar para a quimioterapia. O tumor passou de 3,5cm para 4,8." - Sua mãozinha que segurava a minha com confiança, na hora afrouxou. Murchou. Naquele momento senti, no todo, que ela se entregou. Sua luta havia sido vencida pelo mal da doença. Ela encheu os olhos de lágrimas e disse chorosa: "Mas doutora, olha só:" - Tirou o chapeuzinho que tinha na cabeça, e continuou: "Meu cabelo já está voltando, começando a fechar! Vou perder ele de novo?" - A doutora respondeu: "Infelizmente, sim!" - E o olhar que se seguiu quando ela me olhou, também nunca mais esqueço. Porque ela falou com seu olhar: "Eu desisto!" E deste dia em diante, ela começou a definhar lenta e gradualmente, até seu fim, alguns dias depois deste episódio.



Mila, Bere e eu na viagem de volta da Bahia


Eu fui fascinado pelo negro olhar de Bere, espelho de sua alma.

  

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Especial para o Natal: Torta de Biscoito Integral



Torta de Biscoito Integral

INGREDIENTES PARA A CARNE:
800 gramas de peito de frango desossado
2 cebolas médias,
1 tomate médio,
4 dentes de alho,
Pimenta branca, 
Gril,
Sal
Óleo de milho (ou soja)

INGREDIENTES PARA A MONTAGEM DA TORTA 
400 gramas de biscoito integral
750 gramas de maionese
300 gramas de palmito (palmeira real)
120 gramas de presunto fantasia
120 gramas de queijo mussarela
150 gramas de uvas passa
150 gramas de frutas cristalizadas.


Coloque na panela óleo para cobrir o fundo (4 a 5 colheres)
Acrescente as cebolas picadas. Deixe fritando em fogo médio.

Enquanto a cebola vai criando dourado, vá picando o peito de frango em cubos pequenos.

Quando a cebola estiver dourada, acrescente o frango o alho e o tomate picados.

Tempere com pimenta, sal, gril e deixe em fogo médio.

Mexendo de vez em quando. Enquanto isso vá picando o palmito, os frios e as frutas cristalizadas, deixando em potes separados. Aqui a aparência do frango depois de 10 minutos.

Depois de 20 minutos, o frango começa a fritar. Mexa enquanto ele doura. 

Acrescente meio copo dágua fria, para soltar a fritura do fundo da panela. Agora mexa sempre para não pegar mais no fundo.

O Frango está pronto. Deixe esfriar completamente.

Dissolva meio caldo de galinha em meio litro de água quente. Deixe esfriar. Ou, se preferir dissolva um envelope de sazón amarelo, ou, use somente água.

Misture um pouco do palmito picado no picles

 aspecto do palmito picado

Aspecto das passas de uvas e frutas cristalizadas, picadas e misturadas.

Enquanto o frango esfria, bata ele com pilão para feijão, ou martelo de bife, ou esmague com garfo, deixando ele completamente desfiado.

Misture meio quilo de maionese e o palmito. Se a massa ficar dura, misture mais um pouco de maionese, deixando uma parte para a cobertura da torta. Nesta de hoje precisei no total um pouco mais de maionese.

Comece fazendo uma camada da massa do frango. Em seguida passe cada biscoito no caldo de galinha, numa velocidade não tão rápida para ele agregar um pouco do suco, e vá colocando um biscoito do lado do outro até fechar a camada. Coloque outra camada da massa de frango, e outra de biscoitos, sempre passando os biscoitos no caldo de galinha antes de por no prato

aspecto da últim camada (a quarta)

cubra com maionese pura. (Sempre industrializada)

Preencha a metade da superfície com picles e a outra metade com passas e frutas cristalizadas.

BOM NATAL!!!

90 Dias sem Bere. Viúvo





   90 dias sem bere, viúvo.

   Véspera de Natal, 90 dias sem Bere. Tremo ao digitar. A data, pesa demais. Véspera de Natal e quem eu tanto amei e ainda amo vai ficar o primeiro Natal afastada de mim. Há 90 dias o destino a tomou impiedosamente de mim e deixou que eu me virasse com o sofrimento da perda. E mesmo que tivesse me preparado e aprendido a me virar antes do acontecimento, veria que nada seria daquele jeito. A vida dita é inversa à vida vivida. Porque a vida dita, não tem entrelinhas. E o que faz nossa vida ser como ela é, são justamente as entrelinhas. Mas, mesmo com o peso da data, hoje não vou lamentar. Nem vou chorar.  Eu quero seguir o que Bere escreveu em seu diário: "Não parem suas vidas, sigam em frente, viagem, tirem férias, vão à praia, sempre lembrando de tomar um banho por mim." Ou seja, Bere quer que toque em frente com a mesma alegria e disposição que sempre tivemos nestes 31 anos de casados. ...Mas ainda tremo ao escrever. A soma destas duas datas gera muita sensibilidade. Não é minha vontade ser assim. Só que estou assim. Até a respiração está ofegante. Só que eu tenho que colocar no papel o que realmente sinto. Não vou mostrar um xis no sorriso para fazer crer que tudo está bem, está normal. Não tem como! É véspera de Natal, gente. E Bere partiu há exatos 90 dias. A data coincidiu e nesta soma minha sensibilidade também dobrou. Mas não vou chorar. Prometo. E vou sorrir naturalmente quando algo me tocar neste sentido. Mas por favor, a sensibilidade tem que ficar. Não tem como eu fingí-lo não ter. Para amenizar esta sensibilidade  vou procurar voltar pra trás com lembranças gostosas de minha vida ao lado dela. Nossa vida que foi tudo, foi sempre. E tem muitas...
   Bere não era muito chegada a fazer as compras triviais no supermercado. Mesmo tendo o Cruz aqui do lado de casa, geralmente eu fazia e ainda faço as compras. Sábado de tarde é o dia. Ela sempre dizia: "Se tiver dinheiro sobrando para eu escolher o que não tem na lista, vou junto. Se não, Vidinha, vai pra mim?" Muitas vezes eu juntava durante a semana algum dinheirinho extra e guardava,  só para ela no sábado ir junto e comprar 'as coisas fora da lista'. Quando a avisava sobre este 'a mais' ela vinha, me dava um selinho e dizia: "Vidinha, tu és um amor!" - Bere tão simples, tão fácil de contentar! E ia junto comigo. Parecia uma criança com um troquinho para comprar balas. Bere então passava as prateleiras, via novidades, perdia um tempão lendo rótulos, vendo produtos, comprando. Para ela, este acontecimento simples era muito prazeiroso. Ela se realizava. E eu me realizava vendo ela nesta atividade em toda sua intensidade, como se estivesse estudando um aparelho novo recém ganho. Eu ficava junto, deixava ela comprar tudo, até as coisas marcadas na lista. Encarava suas ações apaixonado, como se a visse pela primeira vez, uma desconhecida, dentro do supermercado. Sabe, aquele momento em que você, quando menos espera, se depara com uma diva nos corredores de um supermercado, analisando os produtos como se fosse a maior expert no assunto? Assim eu a via. Amava ver ela nesta atividade: óculos no meio do nariz, concentrada. De repente, olhava para mim por cima dos óculos, segurando na mão o produto que estava analisando, eu apoiado sobre a barra de empurrar do carrinho a fitando, ela dizia: "Que foi?" - E eu dizia apaixonado: "Tá liiiiinda!" - E ela mordia a ponta da lingua fazendo um não mexendo a cabeça com aquele xis de quem gostou. Eu tinha um prazer enorme em ver aquele gesto, que tantas vezes se repetiu dentro do Cruz. Perdi a conta. E ela vinha perto de mim e cochichava no ouvido: "Olha o fiasco, Pio! Parecemos um casalzinho de adolescentes que está começando a paquerar." - Eu ria alto e respondia num cochicho também: "Mexi com teu ego. E isto é o que importa. Te amo!" - E ela cochichava de volta: "Namorando em pleno supermercado. Que romântico! Só faltava agora ganhar uma caixa de bombons de presente!" - Eu assoprava um beijinho (ela não gostava de beijar em público) e ia discretamente lá, pegar uma caixa de bombons. Sonhos de Valsa. Trazia para ela e quando Bere os via, soprava um beijinho de volta. Depois do Ouro Branco, era o que ela mais gostava. Num Natal desses, cheguei a dar um pacote de 2 quilos de bombons Ouro Branco para ela. Nossa, lembro até hoje seus olhinhos negros, minha paixão, reluzindo de encantamento por receber um presentão desses, tão inusitado. 
   Na sua companhia no supermercado também aprendi sobre os ensinamentos de Bere. Ela dizia: "Ovos, a gente abre a caixa, tira um por um e examina. Tem que tirar, porque se tiver algum grudado, quando for arrancar, quebra." - Eu sigo seu ensinamento, e todas as vezes que compro ovos faço este ritual, para ver se não estão grudados e se não tem nenhum rachado no meio.  A escolha do palmito, já que é caro, para Bere era rigorosa. Dizia: "Primeiro, sempre escolha o palmito de palmeira real porque ele não tem a camada de fibra dura. Se não tiver este, o de açaí também serve. Então faz assim: vira o vidro, olha por baixo. A água não deve estar turva senão é velho. Sempre tem que estar bem transparente. E se for de açaí, pega o vidro que tiver a maior quantidade de talinhos finos, que são menos fibrosos. O de pupunha não presta porque não tem fibra nenhuma, é molenga. Não compra." - E eu sigo escolhendo palmito nesta ordem. Produtos para lavar roupas sempre eram comprados aos pares e eu continuo fazendo isto: um sabão líquido e um amaciante mais caro para toalhas, roupas de cama e roupas em geral e um sabão em pó e um amaciante baratinho para toalhas de mesa, de pano, tapetes e paninhos de limpeza. Uma forma inteligente de economizar. Bere também herdou de sua mãe a tradição de manter sempre uma dúzia de pets de óleo de soja no estoque. Diziam que era para manter a aparência de que não faltava nada na dispensa. E sempre tem uma dúzia de óleo lá. Só que desde que ela adoeceu migramos para o óleo de milho. Aliás, na enchente de 1982, quando estávamos casados há meio ano, foram estas latas de óleo que salvaram nossa geladeira, nosso fogão e nosso armário do quarto, pois foram postas as latas embaixo destes móveis para levantá-los já que não tínhamos tijolos. E a enchente entrou em nossa humilde casinha de madeira da época exatamente os 20 cm da altura das latas. Pena que tivemos que decartá-las. Ainda falando do Cruz, aqui do lado de casa, eles fazem cucas maravilhosas. Então, quando Bere no meio da tarde sentia o cheirinho de cucas assando, vinha comigo e dizia: "Vidinha, tem um troquinho para eu comprar uma cuquinha e um pote de nata para merendar?" - Eu dizia para ela mesma ir na gaveta do dinheiro pegar o quanto precisava. E ela ia tão faceira comprar sua cuquinha e nata para depois passar um café e fazer um lanche no meio da tarde. Para ela isto era simplesmente um banquete. E este era mais um motivo de eu amá-la tanto. Tudo simples, mas com cara de luxo. Bere se contentava com tão pouco, era fácil agradar. Qualquer coisinha que fosse diferente, mesmo baratinha, para ela era um presentão. Assim como considerava presentes todos os bilhetes que escrevi para ela, espalhando-os entre tantas gavetas e armário de roupas. Simples, para que quando fosse escolher alguma roupa ali, achava o bilhete, relia e suspirava de paixão.
   Bere não era muito chegada à cozinha. Toda vida sempre eu cozinhei. E ela adorava minha comida. Mas, Bere tinha alguns pratos que fazia, que encantava a todos. Como a famosa maionese da qual já falei diversas vezes. Outro prato muito gostoso que ela fazia era a torta de bolachas (biscoito). Nas festas como a do Natal, era tão disputada, que muitas vezes ela fazia 2 tortas. Cobria uma com frutas cristalizadas e a outra com confeitos de chocolate. Assim também como o pão caseiro que ela fazia. Ficavam enormes, gostosos. Sinto saudades do pudim "espuma de sapo" que ela fazia. Receita aprendida com minha mãe. Nossa, era diviiino. Um dia vou tentar fazer esta receita.  
   Assim, consegui ficar escrevendo com um sorriso de saudade boa durante duas horas. Quantas lembranças doces e sublimes se passaram em minha mente. Quantas! Noto que o tempo aos poucos está curando a amargura da ausência de seus detalhes. O tempo está me deixando pensar nela com serenidade, saudade boa. Claro que tem momentos em que não consigo segurar a emoção e choro. Como hoje, quando fui pegar o presente de Natal de Bere na floricultura e vi a obra de arte que a florista fez para eu homenageá-la. Não resisti. Imaginei seus olhinhos ao ver este presente maravilhoso. Ela os arregalaria e diria: "Tudo isto só para mim?" - 66 rosas: 31 rosas vermelhas e duas amarelas pelos anos de feliz convivência e 32 rosas cor-de-rosa pelos maravilhosos e aconchegantes Natais que passamos juntos. E uma rosa branca, pelo Natal que vamos passar ligados em planos diferentes. 






Mudança no corte de cabelo

Esperando o pastel ficar pronto


Bere adorava comprar presentes para todas as pessoas que ela gostava. E sempre se dava o trabalho em escolher com cuidado e dedicação para escolher o melhor.



segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Nono Dia: O Diário de Bere - 27 de Maio de 2013




 Nono dia do Diário de Bere.

   Este é o último dia em que Bere escreveu em seu diário. Vejo em sua letra, que está conformada com a situação. Escrito exatamente um mês depois do oitavo dia de suas anotações.

   27/05/2013 Ela escreveu:

   Conversa c/Jesus Cristo

   "Meu querido Jesus Cristo, em vós deposito toda minha confiança. Vós sabeis de tudo, ó Pai do Universo. Vós sois o Rei dos Reis. Vós que fizestes o paralítico andar, o morto a voltar a viver, e o leproso a sarar. Vós q/vedes minhas angústias, minhas lágrimas, bem sabeis, Divino Amigo, como preciso alcançar de Vós esta graça q/espero, com muita fé e confiança. Fazei Divino Jesus Cristo, q/eu a a alcance pois necessito muito, por isso vos peço com muita fé "a cura do meu câncer, profunda e total." Quero proporcionar este dom através da Tua bondosa mão a meu marido (Pio meu tudo q/amo demais) e meus filhos (amados) que anseiam por Tua intervenção. Não os faça sentir desamparados com minha falta. Os amo demais para deixá-los logo, na dor. A conversa Convosco, meu grande mestre, me dá ânimo e alegria de viver!!!"
   
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   Quisera eu poder elaborar uma oração tão doce e serena em meio ao desengano. Quisera eu fechar os olhos e me compenetrar pedindo ao Pai serenidade. Quisera eu ainda encontrar forças em pedir coragem e amparo aos que me são amados, em meio à turbulência de uma vida desenganada. Quisera eu olhar para a imagem de Deus, ou Jesus, e ter este brilho de imensidão na alma para trocar confidências tão sublimes sem blasfemar. Quisera eu. Mas não consigo. Ando distante de Deus desde a partida de Bere. Magoado, traído. E não existem palavras que me façam mudar de ideia por enquanto. Não consigo pensar em boas vibrações divinas se estas boas vibrações divinas me arrancaram da vida o que de mais vibrante eu tinha. Minha vibração foi silenciada. Não consigo pensar em Deus como bem. Como vou pensar? Se Deus é amor, como é pregado por todas as religiões, por que Ele vem, na maior, e quebra, destrói uma vida de amor construída dia após dia durante 31 anos? Por que Ele mata o amor numa facada só, levando a metade do que eu de mais amado e sublime tive em toda minha vida?
Se Deus é amor, por que Ele me faz duvidar de Seus sentimentos com esta Sua atitude? Por que Deus mexe em relacionamentos perfeitos, se tem tantos imperfeitos que ficariam aliviados com Sua mexida? Por que ele não leva aquela mulher que está casada há tantos anos, vivendo uma vida infeliz ao lado do marido que a deixa infeliz, que a trai, que a maltrata? Faria um favor ao casal.
   São perguntas que me faço. Estou realmente distante dEle. Não ando rezando como sempre fazia. Não ando pensando Nele como muitas vezes fazia. Me sinto um amigo que foi traído, e que não mereceu a atitude que lhe foi destinada. Sei que um dia vou mudar. Até, a oração de Bere nesta última página de seu diário mexeu bastante comigo. Chorei muito. Chorei muito, muito ao ler. Vendo a impotência dela, coitadinha, diante da imensidão de sua fé, tentando receber amparo. Vendo a candura de sua intimidade em chegar nEle e tentar receber uma graça. Sem promessas, sem ameaças. Somente com a doçura de sua alma e de sua fé. Não tem como não ficar emocionado. Buscar serenidade em meio à turbulência que foi a época em que ela escreveu esta oração é de uma grandiosidade sem limite. E o amparo não chegou. Mas ela acreditou nEle até o fim. Sempre. Lembrando do quanto de fé ela depositou nEle e em sua cura. Tudo em vão. Tudo sem resultado. Ela tinha muita fé. Frequentava a missa dos carismáticos nas quintas de tarde aqui em nossa cidade.  Chegava em casa e me contava orgulhosa que não tinha caído ao levar o toque do padre. Mas que o padre a olhava como se inspirasse sua cura. E ela acreditava. Eu só escutava e dizia: "Se isto te faz bem, vai, e faz!" E na missa do sétimo dia de seu falecimento este mesmo padre passou por cima de todos os sentimentos meus e da família, massageando o ego de meia dúzia de puxa sacos com outros assuntos, sem focar no sentido que uma missa de sétimo dia realmente almeja: o de confortar a alma dos que sobraram na fé e na religião. Como vou ter fé? Como vou poder rezar? 
   Mas, a vida provou mais uma vez que a muleta da religião pode ser útil para quem precisa se apoiar nela, buscando fé nela, mas que na verdade tudo não passa de uma verdade nua e crua, que a vida leva no seu decurso natural, não importando o quanto rezou ou o quanto de bom ou mau foi neste decurso. Sei que meu desabafo hoje está sendo muito amargo e receberei diversas posições contraditórias. Mas gostaria, de coração, que todas as pessoas que tiverem vontade de me 'aconselhar' ou me dar 'show de moral', se não tiverem perdido esposa ou marido, ponderem antes de escrever. Ponderem bastante! Tentem sentir o quanto cruel é perder sua cara metade. Falar, escrever, é fácil. Dizer que Deus provém, é fácil pra quem do seu mundo natural, sereno, belo e normal nunca teve arrancado alguém tão ligado, como sua cara metade, de amor infinito, incondicional, somado. Como foi comigo. Mas para quem sobrou como eu e tantas outras pessoas que viveram situações como a minha, poderia citar diversas, a gente forma outro contexto quanto a realmente buscar amparo na fé e em Deus. A revolta vem, se instala, e quando menos esperamos, está aí.
   Ando distante de Deus sim. Ando. E não escondo. Vai ser o primeiro ano de toda minha vida em que não irei a uma missa de Natal. Porque acho que se o Verbo se fez Carne para resgatar a humanidade, me deixou de fora. Porque minha família em vez de ser resgatada, foi dilacerada. Foi partida. Como se estivéssemos no meio de uma guerra e Bere tivesse levado um tiro de uma bala perdida. Não tenho como ser a favor de todas as coisas boas que falam de Deus. Não tenho como olhar para a magia do nascimento de um menino num mangedoura, na pobreza, se por outro lado, seu Pai desligou a vida de uma menina, que nasceu em meu coração, cresceu, e o tomou por inteiro, fazendo de nosso relacionamento um fruto de amor, amparo e beleza. Não tenho como! Esta mesma menina ansiava por uma intervenção deste Menino que virá a nascer agora, dia 24. Pediu docemente que Ele intercedesse pois sua fé acreditava. Porém não aconteceu. Sua fé não a curou.
   Sei que o assunto é polêmico. Muito. Vou acirrar os ânimos de muitas pessoas. Mas é meu ponto de vista. Tudo simples, matemático: se Deus é amor como é pregado, por que destrói o amor? Por que? só isso! Esta pergunta me faço todos os dias, e enquanto não tiver a resposta não vou saber rezar com fé como sempre fiz. Porque Ele é dito de um jeito e age de outro jeito. E isto não bate. 
   Quero voltar a rezar. Sinto falta, confesso. Mas não consigo. Deus para mim atualmente é distante. Do tipo Luz, mas que tenho dificuldade em enxergar. Ele está me devendo esta resposta que busco intensamente há quase três meses e não a recebi. Muitas pessoas me dizem que tenho que aceitar, que é a vida e que é a vontade Dele. Tudo bem! Para quem tá de fora, é fácil falar. Minha amiga, meu amigo, corte sua mão direita fora e tente escrever com a esquerda enquanto sente a dor da perda da sua mão, o que sente!!! ...Entendeu agora? Ou preciso explicar melhor? É bem assim que eu me sinto, que a gente se sente, ao ter arrancado do coração quem se ama e se amou acima de tudo na vida. Então, falar de sentimentos não tem como. Eles estão aí e não curam só com palavras falando de Deus e de que Deus provém. Eles curam com a cicatrização da ferida que leva tempo, meses para uns, anos para outros. Mas que Deus não tem como curar. Porque ele foi o algoz desta fatalidade e isto as pessoas não entendem quando estão envolvidas em sua fé, mas que deixam a quem é vítima com a pergunta crucial a machucar a alma: cadê Teu amor?


Jantar de ano novo de 2013/2013

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Oitavo Dia: O Diário de Bere - 26 de Abril de 2013



 Oitavo dia do Diário de Bere.

   26/04/2013. - Bere escreveu:

   Hoje senti vontade de escrever novamente, já tou na 2ª sessão de quimioterapia. E hj tive a notícia q/to com câncer no pâncreas e supra renais também. Acho q/a tendência é despencar, chorei muito, to chorando e escrevendo. Preciso continuar crendo, mas tá difícil. Pio (meu tudo), vejo q/ está inconsolável. Q/dor!!! Choro por ele. Queria não causar esta dor nele, ele ñ merece. Sempre foi meu tudo, meu todo, meu sempre. Maridão presente, amor de minha vida. Sem limite sempre. Mas eu também ñ tenho culpa. Somos vítimas. Mas dói ver ele sofrer tanto. Tenho certeza (eu o conheço) que chora escondido (ele ñ mostra) pra se mostrar forte comigo, mas ñ gostaria q/fosse assim. Vai entender esta loucura. Mas eu sinto sua dor e finjo que ñ vejo para ele ñ sentir tanto.
   Escrevi um email pra Nádia e contei tudo. Que despenquei, q/chorei, (deixei o Pio fora disso coitado, já o alugo demais e ñ quero que despenque comigo) e escolhi ela.
   Tenho dó do Pio. Sempre foi meu tudo. Vai acabar ter que se virar sozinho. tenho dó dos meninos. Não de mim.
   Me ajuda Senhor a mudar meu pensamento, ...a ter esperanças! 
   Amo tanto viver...

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   Nossa! Esta penúltima página do diário de Bere pegou pesado! Os detalhes da revelação da metástase de seu câncer estão nítidos ainda hoje em meu pensamento. Praticamente ali ela foi sentenciada. Quantas vezes eu chorei escondido como ela escreveu e desconfiava porque me conhecia! Quantas! Perdi a conta.
   Nota-se que já passou mais de 1 mês desde a última postagem de Bere em seu diário que foi em 17 de Março. Na realidade, são quarenta dias, quase. Ela perdeu a vontade de escrever. As esperanças escasseavam sempre mais. Neste meio tempo, nossa vida foi marcada com muitos desacertos no sentido do desenvolver da doença de Bere. Entre consultas e exames. Primeiro porque os exames preliminares foram alarmantes quanto à metástase do câncer em órgãos vitais como supra renais e pâncreas. A Doutora Maria Helena, oncologista (que exibe em seu jaleco: cancerologista) marcou um pet CT na época em Porto Alegre para averiguar a fundo a quantidade de metástase que havia gerado aquele câncer de pulmão inicial. Nossa, naquela consulta ela nos deixou alvorotados. Foi muito tenso. Metástase significa diminuição de espectativa de vida. Afinal, seu diagnóstico estava ruim, podia ter até se alastrado aos ossos, nos deixando completamente sem chão. E Bere, nervosa, acuada, cobrando até de mim respostas que eu não tinha. Vivemos dias de muita tensão, até turbulentos, onde o que realmente nos manteve unidos foi nosso amor incondicional e a intenção de enfrentarmos tudo juntos, sempre. 
   Fomos a Porto Alegre, no Divina Providência fazer o tal do pet CT. Este é um exame que em imagens fatia o corpo em mil pedaços. Laubin, grande amigo, nos levou para poupar voltas desnecessárias e GPS para indicar o caminho. Bere foi até lá de lenço na cabeça (a primeira vez) porque estava começando a perder os cabelos. Em casa foram momentos cruciais. Sabe o que é uma pessoa amar acima de qualquer outra parte do corpo seus cabelos e ao passar a mão, saírem aos chumaços como se fossem flocos colocados na cabeça tipo enfeite? Foi terrível. Ela tendo o exame (por sinal, caro) pela frente, que a gente não sabia como seria, nervosa com a espectativa do resultado, e ao mesmo tempo com o drama da perda dos cabelos iniciando justamente naquele momento. E ainda por cima, a incerteza do diagnóstico, que poderia ser muito pior do que já o que tínhamos. Lembro que nós estávamos sentados na sala de espera do hospital, quando ela comentou comigo: "Pio, não vou tirar este lenço por nada deste mundo. Porque estou ridícula, e não quero espalhar cabelo por tudo que é lado. Do jeito que estou perdendo eles, é um fiasco ficar sem lenço." - E o lenço dela estava super mal colocado. Ela não tinha ainda aprendido a amarrar de verdade o lenço na cabeça. Quando entrou para o exame, fizeram ela tirar o lenço, mesmo que espalhasse cabelos pelo ambulatório. Ela se sentiu humilhada por esta atitude para com ela, afinal, estava em seus primeiros momentos onde os cabelos caíam aos chumaços e ela não teve ainda a chance de se familiarizar com tamanho impacto, neste acontecimento esperado mas não imaginado o quanto ele seria sentido e o quanto ele mexeria com seu psicológico. Estava fragilizada. Ao voltar de Porto Alegre para casa Laubin parou numa empresa onde comprava produtos para a loja do seu filho. Enquanto ele fazia as compras, ficamos aguardando no carro. Bere me chamou, olhei para trás, e ela falou: "Vidinha, foi horrível!" - Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela me encarava: "Eu fiquei com muita vergonha! Chorei lá dentro da sala do exame." - Saí do carro (estava sentado na frente e ela atrás), abri a porta de trás do carro, desatei seu cinto de segurança, dei as duas mãos e a trouxe para fora. Mantive segurando. Fitei ela nos olhos. Ela me encarando marejada, completamente impotente, como se ela não valesse nada mesmo, uma coisa qualquer, continuou: "Eles até foram bacana comigo. Disseram que ficasse calma..." - Bere olhou para o chão, uma lágrima sua caiu em cima de nossas mãos e saiu rolando até cair ao chão. Respirou fundo e enquanto estava puxando o ar, continuou falando sufocada enquanto fitava o chão: "Que tantas pessoas iguais a mim...  ...passavam por aquela sala..." - Mais uma lágrima dela caiu, agora no meio de nossos dedos, como se fosse fundi-los e se alojou lá. Ela respirou fundo mais uma vez, e numa vozinha sumida, inocente, infantil, continuou: "Eu me senti um objeto. Um objeto sem nenhum valor! Nenhum, nenhum. Insignificante." - Eu fiquei muito sentido com esta frase. Ela me tocou por demais, demais. Pensei pra mim: "Nossa, como Bere está pra baixo!" Apertei com força as mãos dela, ela voltou a me olhar, esperando que dissesse algo. O sufoco de minha garganta pela dó que senti por Bere naquele momento apagou minha fala. Me calou. Eu consegui imaginar o tamanho de sua pequenês diante desse novo mundo que estava nos ameaçando cada vez mais, com golpes cada vez mais duros e inesperados. E as palavras não me vieram. Eu não sabia o que dizer. Sei lá. Minha garganta fechada não deixou falar. Fiquei pra baixo também. Por mais que buscasse dizer o que ela queria ouvir, não achei palavras. Naquele momento, muito mais estava em jogo do que o simples fato de ela ter que se expor com o cabelo já faltando em diversos lugares. Estava em jogo sua dignidade feminina. Algo difícil para o homem entender. Eu estava procurando me colocar em seu lugar, entender. Mas a mulher tem em si padrões de dignidade que vão além da visão masculina. E uma delas, é seu cabelo. Por isso passam horas e horas de suas vidas os tratando e embelezando. O lado feminino das mulheres inicia no viço de seus cabelos. E Bere não era diferente. Seu cabelo era tudo! Talvez por isso as palavras não me vieram.
   Nós continuamos parados, de frente, eu segurando firme suas duas mãos. E este momento de nos entreolharmos, ela e eu marejados, impotentes, pequenos, ínfimos, sem termos nem palavras para nos amparar, por menos que tenha durado, pareceu uma eternidade. Por fim, Bere, centrada como sempre, tomou a atitude e falou: "Sei o quanto isto tudo está sendo difícil também pra ti, amor. Não te culpo por não falar algo que eu precisasse ouvir. E não se culpe também." - Eu não consegui me segurar, e comecei a chorar. No meio da rua, no centro de Porto Alegre. Ela continuou firme, me olhando, certamente ruíndo por dentro, mas sem chorar, só marejada. Profundo, lindo e belo negro olhar, com um olhar doce de carinho tão nobre, que guardo até hoje, porque me marcou muito. Sempre revejo a cena em meu pensamento: sua alma espelhada através de uma cortina de água, pelo seu olhar. Apesar do momento, um olhar divino, meigo. E Bere continuou: "Não precisou falar, querido. Do jeito como segurou minhas mãos senti que posso me amparar em ti, pois mostrou que me darás toda a força." - E ela soltou as mãos, me abraçou soluçando e dizendo: "Eu queria tanto que isto não fosse assim, fosse bem diferente!" - Eu a abracei forte. Ficamos um tempo assim até ficarmos mais serenos. Vi que Laubin estava lá adiante já voltando, então falei para ela: "Vidinha, não encontrei as palavras para expressar o quanto eu estou junto, dentro de toda esta tua luta. Mas tu sabes que estarei aqui. Contigo. Sempre, sempre. Vamos em frente, superando cada novo desafio." - Disfarçamos nossos sentimentos já que o amigo já estava quase chegando no carro e ele já havia gritado de longe para a gente experimentar o cafezinho de uma cafeteria que ficava ali do lado onde ele tinha estacionado. Bere, mudando de humor quando ele chegou perto, pra disfarçar, disse para mim: "Meu mais novo desafio é aprender a amarrar o lenço na cabeça. Vou precisar fazer isto muitas vezes daqui pra frente." 


Eu adorava quando ela me olhava desse jeito, com seu negro e doce olhar. Saudades desta pose que tantas vezes fez!!!

domingo, 15 de dezembro de 2013

Sétimo Dia: O Diário de Bere - 17 de Março de 2013



 Sétimo dia do Diário de Bere


   17/03/2013 - Domingo
   Ontem a Silvana me ligou novamente, e então contei, ficou chocada, mas ao mesmo tempo aliviada porque eu estava aceitando bem (minha doença).
   Minha irmã Neusa e cunhado Jorge me ligaram, disseram q/eu terei a vitória e acredito firmemente nisso, falei pra eles q/minha linha é direta com Deus, ficaram contentes.
   Visitas, Lena, Francisco, André, pela manhã, Jéhh, Clair, Neiva a tarde. Clair me encheu de "coisas boas"  p/comer e ficar forte. Amo esta cunhada, sempre tentando ajudar a todos. A Neiva, me deixou mais tranquila em relação ao meu emprego, pelo menos pareceu bem compreensiva.
   O almoço hj estava maravilhoso na cia dos filhos amados e Pio (meu tudo).
   Ontem a noite tive muita dor nas costas, o Pio cuidou de mim e disse q/estaria comigo pra tudo. Nem sei se mereço o marido e filhos q/ tenho.
   A campaínha tocou, era o Matheus (da Flávia) me trazendo um bolo (prima querida). Nossa, quando eu obter a vitória (em nome de meu Deus), vou ter tanta gente a agradecer. Foi preciso ficar doente p/saber o qto tem gente q/me ama. Obrigada meu Deus por tudo!

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   Eu ainda estou tentando por no papel o que é realmente o sentimento da perda de uma pessoa que era metade minha, metade de meu todo e que o destino tirou. Implacável, me tirou sem ao menos eu ter chance de clamar por sobrevida. Não consigo. Penso, repenso, não consigo! Não existem palavras que descrevam o quanto é o sentimento da ausência desta minha parte que falta. Não existem. Por mais que tenha procurado, tentado descrever, pondo no papel, depois relendo, vejo que é muito branda a descrição se comparada com o que eu senti de fato e ainda sinto em toda sua plenitude. Mas, que com as palavras existentes, vou tentar por no papel. Fico agoniado. Tem muitas pessoas que me pediram para descrever este sentimento. E eu gostaria que ele ficasse o mais próximo do que realmente a gente sente ao perder seu grande amor, sua cara metade. Eu consigo deixar o mais próximo da realidade o seguinte texto, mas confesso que mesmo assim, nem se compara ao sentimento: "Quando falece sua esposa, seu marido, sua cara metade, é a vida que simplesmente, de uma hora para outra, somente mais vale a metade. E a gente sente esta metade que sobrou tão miserável que não faz a dimensão exata do que sobrou. Melhor: não sobrou nada! Esta é a sensação. E a dimensão de quem partiu é tão grande, que parece que levou a minha vida inteira junto. Levou tudo. Meus sonhos, nossos sonhos, minhas alegrias, nossos desejos, minhas conquistas, nossos ideais." É mais ou menos esta a sensação. Não quero morrer, nem desejo partir para ficar com Bere. Não é isso. Mas a forma do sentimento que se instala dentro do coração é esta. De desligamento. De letargia, de impotência. O coração perde sua identidade, ele perde o nome, fica somente mais batendo. Sabe o que é seu coração não ter mais nome, ficar perdido? Nem queira ter esta sensação porque coração anônimo é igual a abandono. E é isto que a gente sente. As compensações, as conquistas, o dinheiro, tudo perde a graça. Que são mil reais? Um troquinho miserável que não trás ela de volta. Uma conquista, o que é? Algo efêmero, pois com quem eu compartilhava as conquistas não está mais ao meu lado para vibrar e comemorar comigo. E as compensações? Que adianta se a vida se esvaiu e meu grande amor, minha Bere, não me acalenta mais com seu doce e negro olhar. Sinto isso. Exatamente. Somente isso. Sei que estes três fatores aos poucos irão voltar ao seu devido lugar no sentimento de cada dia. Mas, nos últimos dois meses, foi assim que me senti. Nada valeu mais.
   Já não choro mais com tanta frequência. Sinto que o tempo, aos poucos está abrandando a falta da rotina de Bere. Mas, vez ou outra, quando me dou por mim, do nada brota uma lágrima. Elas vem sem eu me dar conta. E quando brota, aí sim, todo este mundo de ausência chacoalha meu ser. Pode ser o simples ato de lavar a louça. E a cena de Bere fazendo isso tantas e tantas vezes, dedicada, com carinho, me trás de volta todo o mundo dela que nunca mais vai existir. O que pega fundo mesmo, é esta expressão: "que nunca mais vai existir." Nossa. Nossa! ...Deixa eu respirar fundo, porque pegou pesado. Mas é a realidade. Queria tanto que esse mundo dela pudesse ter se prolongado mais. Muito mais. Ou pouco mais. Nem que fosse só um dia. Nem que fosse só para ouvir sua voz chamando meu nome ao menos mais uma única vez: "Pio, vem cá!" Ao menos mais uma única vez! Seria uma sinfonia de arrepiar em meus ouvidos. Uma sinfonia que nenhuma orquestra, por mais talentosa que fosse, saberia sobrepujar esta simples chamada de Bere falando meu nome, como tantas vezes falou. ...Ou ouvir a melodia de seu sussurro me chamando de Vidinha: "Vidinha, não troquei a roupa de cama porque precisa virar o colchão e estou sem forças para fazer isso. Faz por mim?" ...Nossa, choro ao lembrar isto. Ela sempre foi tão intensa, independente, ativa. Tudo ela fazia, se virava, não dependia de mim. E nestes últimos meses, nem a roupa de cama trocava porque não tinha forças para virar o colchão. Ela mesma chorou um dia, impotente pela sua falta de forças, sentada sobre o sapateiro na guarda da cama. A surpreendi neste ato. Perguntei o motivo de seu choro. E ela respondeu: "Pressinto que vai chegar o dia em que precisarei de ti até para abotoar minhas roupas. Não quero isso pra mim, nem pra nós! Me ajuda a ser forte?" E eu, sentindo de verdade esta sua impotência, seu decaimento, cada dia indo um pouquinho mais para trás, respondi com a voz embargada: "Vidinha: se for preciso eu tirar meu dia inteiro para estar só para ti, mesmo que for só para abotoar tuas roupas, pode contar comigo, ficarei. As gravações posso fazer de madrugada, quando tu estiveres dormindo e não precisares de mim. Sabes que posso fazer isso, pois meus clientes nem se darão conta que estarei trabalhando de madrugada. Neste momento, o que mais quero é te ver bem. Muito bem! Quem sabe teu organismo não responde positivamente a isso?" ...E ela respondeu com um sorriso amarelo: "Sempre querendo me agradar! Vai por mim, estás ruindo por dentro e tentando ser forte pra mim. Te conheço!" - Meu queixo começou a tremer, e o dela também. E nós nos encarando, olho no olho, queixos tremendo. Aí ela disse: "Vou aceitar tu abotoares minha roupa, desde que nosso amor não diminua. Estou um caco! Tenho medo que percas o interesse por mim porque meu físico está arruinado. Olha só no que virei!" - E tirou o lenço da cabeça, mostrando um semblante completamente sem cabelos, sem sobrancelhas e sem cílios. Eu, tremendo mais ainda o queixo, só consegui engrolar: "Vidinha, já ligamos nossas almas e estamos ligados espiritualmente. O que importa o físico?" - Ela, num rompante, me abraçou, e chorou muito. Muito, muito, dizendo: "Eu queria tanto meu cabelo de volta!"- Eu, consegui me conter, dando força a ela e dizendo:"Chora que faz bem, chora que faz bem!" - Depois de muito chorar, ela me encarou, seus olhos negros pelos quais sempre fui apaixonado, ainda tomados pelas lágrimas, marejados, disse: "Querido, tu não existes!" - E eu respondi: "Tu também não existes, acho que não somos deste planeta!" Para quebrar o clima, virei o colchão e coloquei o lençol. As fronhas ela já havia trocado.
   Saí do lado dela e chorei escondido. Muito, muito, muito. Porque eu sabia que estava somente jogando confetes na água. Que não era por aí, que ela estava decaindo a olhos vistos e nada, nem a melhor medicina do mundo a levantaria novamente. Acho que naquele dia, chorei o choro mais amargo de toda a minha vida, pela impotência em poder fazer algo concreto por ela, por sentir Bere, nossa linda história de amor, se esvaindo no meio de minhas mãos impotentes, sem ter solução para o caso dela.

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   Mas, meu sentimento se aquieta pela convivência. Pois, quando eu olho ao redor, vendo tantas vibrações de pessoas especiais, preocupadas comigo e com a continuidade de meus passos, volto a sentir o chão sob meus pés e volto a saber que minha vida ainda está aí e que precisa e que vale a pena ser continuada. Talvez tudo isto seja porque nós éramos a soma total de uma energia indescritível, que muitos chamam de amor, e que talvez fosse, mas que para nós era nossa vida. Nossa plenitude. Uma vida só. Uma vida somada. E quando nesta soma sempre se ganha, tudo é recompensado desde um simples "eu te amo" até um ingênuo sorriso por ver o retorno das andorinhas na primavera. ....Então, quando recebo estas palavras que sei, são sinceras de pessoas em quem a gente nem era tão ligado, sinto o verdadeiro sentido de continuar, afinal, pessoas querem que eu continue e que vá em frente. Como Bere mesma disse no seu primeiro dia do diário onde escreveu: "quero que continuem firmes, alegres  e toquem suas vidas, como sempre fomos!" Como posso fazer diferente, se ela mesma pediu? Vamos tocar em frente sim, com alegria, mesmo que tenha momentos em que precise chorar para abrandar esta saudade sem tamanho que me toca todos os dias, principalmente de tardezinha na hora do chimarrão quando conversávamos e botávamos os assuntos em dia. Ou domingos quando volto da rádio e não ouço mais suas críticas construtivas.