terça-feira, 31 de março de 2015

As Máximas de Bere 3 - Pensamentos, reflexões, verdades

Pensamentos de Bere que foram postos em cartas escritas há anos, ou mais recentes deixadas escritas em algumas pastas do seu notebook. Bere faleceu em setembro de 2013, mas deixou este legado maravilhoso de ideias que fazia sobre a vida, o dia a dia e o amor.












segunda-feira, 30 de março de 2015

Hora da Faxina: O Negociante



 O Negociante

   Antigamente para as pessoas do interior terem acesso a bens, novidades, coisas úteis para o dia-a-dia passavam por dificuldades grandes, já que morando em vilarejos como Harmonia, onde não apareciam produtos novos e raramente os mascates passavam para atualizar os clientes com novidades, ficavam à mercê da boa vontade de alguns aventureiros, que iam até Porto Alegre comprar o que estas pessoas desejavam ter. Neste sentido tinham uns experts que se sobressaíam pela tática e qualidade de escolha nas compras.
   Mas o que acontecia, é que traziam geralmente os produtos superfaturados, expondo dificuldades na aquisição, produtos escassos, enfim, uma ladainha que fazia o valor do produto final ficar bem alto para o bem do negociante. E eles lucravam muito. Claro, algo tinha que compensar seu empenho de ir até Porto Alegre, naquela época em uma grande parte da estrada ainda sem asfalto, poeirenta e asfixiante.
   As listas eram grandes, desde tecidos de pelúcia, seda, algodão, enfim, estampas diferentes e vários rolos para as costureiras fazerem as roupas das famílias sem repetir o tipo de tecido. Assim, apesar da simplicidade, muita elegância acontecia nos eventos sociais que eram raros, mas que reuniam toda a comunidade.
   O comprador então, ia com seu automóvel a Porto Alegre, levando listas e listas de produtos, todos pedidos de clientes, e ainda à cata de novidades, que certamente tinha compradores interessados, sempre. Hoje em dia seriam Ipads, Iphones, pendrives de trinta e dois giga e por aí vai. Naquela época eram ventiladores grandes, vinte e cinco centímetros, um turbilhão de vento, batedeiras com dois batedores, aspiradores de pó que sugavam até a água do tapete, tecidos sintéticos com banlon, volta-ao-mundo, tergal. Listas estas que faziam o lucro do vendedor. O problema era como avisar os clientes da chegada do produto.
   Então teve um negociante que descobriu uma maneira bem legal de fazer seus clientes saberem da chegada do produto. Domingos de manhã na missa, o padre sempre rezava uma parte da ladainha, e enquanto ele chamava o santo, o mercador chamava o produto e o nome da pessoa, dizendo o preço final. Para não dissonar tanto em relação à fala do padre, o comerciante trocava o Real por nós. Cada nó era um real. As pessoas já estavam acostumadas a isso. Era mais ou menos assim: o padre dizia:
   - Santa Emília... - E o mercador gritava junto:
   - Sandálias da Cecília... - E o padre terminava:
   - Rogai por nós! - E o comerciante acompanha:
   - Vai dar vinte nós!
   E o padre continuava a ladainha:
   - São Joaquim... - E o comerciante acompanha:
   - Panela da Elza para aipim...
   - Rogai por nós! - Mais uma vez o comerciante acompanha:
   - Vai dar cinquenta nós! - E o padre:
   - São João Nepomuceno... - E o comerciante no mesmo ritmo:
   - Pilão de ferro do Seno... - E no "rogai por nós" vinha o preço:
   - Vai dar setenta nós!
   Um dia, ele querendo tirar vantagem sobre uma nova forma de fazer wafer no fogão a gás, uma novidade para a época, encomendada por uma cliente, fez ele pensar como avisaria isso para ela. Não teve dúvidas. No fim da missa, quando as pessoas começaram a sair, ele foi, fez genuflexão do lado da cliente e disse contrito enquanto fazia o sinal da cruz:
   - Tua máquina de fazer waffer no  fogão à gás chegou. Só que está um pouco mais cara: agora custa quarenta reais.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Hora da Faxina: Olhares



   Olhares

   Gosto muito de prestar atenção no olhar das pessoas. Sempre revelam algo sobre esta pessoa, sobre seu gênio, sua segurança, sua alegria, sua ansiedade, enfim, olhares podem revelar completamente uma pessoa, pois os olhos não conseguem esconder o que as palavras podem desviar.
   As crianças espelham sempre de dentro de si uma sinceridade que faz um bem danado ao olharmos em seus olhos. Ou, também, podem olhar com medo quando se sentem acuadas ou em perigo. Só com o correr dos anos é que elas conseguem aprender a dissimular um olhar neutro, que não as deixe mais tão transparentes.
   A coisa mais chata que pode existir é quando a gente vai conversar com alguém e esta pessoa fica desviando continuamente o olhar. A gente se sente 'errado', algo como se estivesse falando com uma pessoa falsa, ou que sua conversa estava toda sendo superficial, sem sentido e sem noção. Ou, então, que não tiram o óculos do sol nem por decreto. Putz, nunca vi coisa mais chata do que conversar com alguém dentro de um ambiente, longe da luz do sol onde o indivíduo não tira o maldito óculos de sol. Eu fico deslocado, e geralmente não estendo o assunto já que não vejo na expressão do olhar da pessoa que está conversando comigo o que é verdade ou não.
   Bonito mesmo é conversar com o olhar, sem falar. Porque com o simples jeito diferenciado de olhar podemos sorrir, negar, sentir, desabonar, elogiar, consentir, desejar e, principalmente dizer o quanto amamos. Dizer que se ama com o olhar é muito gratificante para quem recebe este olhar. Também para quem o dá por ter podido transmiti-lo.
   Dentro do olhar das pessoas se escondem todos estes detalhes. O mais interessante é que não precisamos aprender como descobrir dentro dos olhares estas coisas todas. Elas vêm conosco, é genético. Qualquer um sabe quando um olhar o manda para aquele lugar ou quando se é mirado com ódio. Ou, claro, quando se é amado com um olhar daqueles de balançar de verdade.
   Um dia, duas amigas estavam conversando, quando uma perguntou:
   - Laura, o que fez com que Isaías te conquistasse?
   Laura respondeu:
   - Ah Alice, foi o olhar malandro dele.
   Alice, fazendo um olhar incógnito disse: 
   - Ué, mas Isaías não tem olhar de malandro. Ele sempre me parece olhar tão sério, tão sóbrio... - Ao que Laura fulminou:
   - Mas tinhas que ter visto o olhar dele quando me viu a primeira vez tirando a roupa no motel e o que se seguiu a este olhar.
   - Ah, tá explicado! - Disse Laura. - Certamente foi o que se seguiu a este olhar!

terça-feira, 24 de março de 2015

18 Meses sem Bere, Viúvo.




18 meses sem Bere, viúvo.

   Hoje estou há um ano e meio afastado de Bere. O destino a me levou. O que posso dizer? O sentimento da ausência dela ainda está muito presente. Toco minha vida normalmente, mas tem momentos onde a falta das coisinhas bobinhas que aconteciam em nossa vida diariamente me fazem muita falta. Uma pia entupida, um varal rompido, um bolo queimado, e a chamada de Bere para eu vir correndo acudir. Áh, como estas bobaginhas fazem falta. Fazem muita falta! São estas coisinhas que alimentam uma relação, e não um jantar à luz de velas ou um carro novo. Valorize seus pequenos feitos e defeitos diários, pois são eles que farão você sentir saudades de quem amou e que partiu. E para relembrar este ser especial, esta grande mulher com quem eu tive o privilégio de conviver durante 33 anos, mais um trecho da releitura do livro que escrevi sobre ela:

   "A quimioterapia além da químio, foi uma verdadeira terapia para mim e Bere nessas intermináveis seis horas de sessão, onde ficamos confinados a uma salinha confortável, enquanto a medicação era lentamente injetada no sangue. Revemos muitos conceitos de nossas vidas em nossas conversas demoradas, falamos sobre tantas coisas que daria para escrever mais um livro só sobre estas conversas. Nosso passado, rebuscando lembranças doces e rindo sobre situações que atravessamos juntos. Este belo passado que nos transformou nesta linda simbiose. Falamos muito do presente, do tanto que tudo isto, este acontecimento, estava afetando nossas vidas e no tanto que tivemos que nos adaptar a tudo isto. E algo do futuro incerto também, onde Bere sempre iniciava dizendo: “Quando eu faltar..." – Eu me sentia desconfortável com esta frase. Muito. Mas Bere a repetiu tantas vezes que acabei me acostumando a ela. Numa sessão, em uma de nossas conversas ela iniciou:   
   - Quando eu faltar... 
   Eu xinguei mais uma vez:
   - Este tipo de assunto não me interessa Vidinha. Já te falei que "quando faltar" está muito longe de acontecer.
   E ela retrucou:
   - Repito: quando eu faltar, quero que continues valorizando todas as coisas pequenas que nós juntamos e as fizemos serem grandes em seus resultados. Aquele sorriso, sabe? ...Valoriza ele. E muito! Porque portas se abrem com este sorriso. Tu tens tua simpatia, Pio. Soma ela. Faça mais pessoas felizes e eu estarei feliz por ti. ...Tens dentro de ti uma criança que contamina com tua energia, teu modo de ser. Eu quero que continues sendo assim, este bobão que sempre foi. E não lamentes minha falta...
   Eu já muito chateado, deslocado com sua conversa, cortei a fala dela respondendo:
   - Que assunto esse, amor? Vamos falar de outras coisas, de nosso futuro, que tenho certeza ainda vai ser muito intenso, a viagem ao Caribe, a Portugal...
   E ela, também cortando minha conversa, insistiu em continuar: 
   - Quando eu faltar, Vidinha, não desampara nossos filhos. Continua sendo o que eras com eles e um pouco do que eu seria. ...Vais precisar me acrescentar no teu amparo, nas tuas tarefas, a casa vai se acumular de tarefas que devem ser cumpridas. ...Roupas, compras, logística, e também no cuidado com o pagamento de nossas contas ...já que eu não vou mais estar aqui...
   Bere rebuscou mentalmente o que havia falado e então seus olhos foram aguando lentamente enquanto eu a fitava segurando sua mãozinha que não estava no soro. E ela arremedou com o queixo tremendo: 
   - Do que eu... seria... ...Notou que já falo de mim ausente? ...Nossa, isto dói muito, muito. Não me imagino em outro plano abrindo mão de vocês... A falta que vou sentir de vocês. E a falta que vocês vão sentir de mim... Ainda não tivemos netos querido. ...Quando vierem faça o papel de nós dois. Por mim tá? Sei que não vou alcançá-los. Nossos filhos nem namoradas ainda têm!
   Aquilo me desceu com uma dor sem tamanho, e mesmo não querendo manifestar, quando menos esperei, já estava com os olhos também marejados. A ideia dos netos mexeu comigo. Ela tinha razão. Tentei xingar mais uma vez, mas ela soltou sua mão da minha, botou sobre minha boca a tapando e disse:
   - Meu querido, ouça: sinto que vou faltar. A gente sente isto. E muito antes do que tu queiras ou imaginas. Mas eu te peço sinceramente: toca tua vida. Foca em ti e nos meninos. Não me esqueça, mas não me faça atrapalhar teus passos. Quero ser tua doce lembrança, teu passado bom, nada mais. Tua vida será tua, a tua continuação, com novos rumos, novos horizontes. 
   Eu, marejado, lágrimas pingando no chão, a olhava profundamente enquanto ela falava isto, sua mão ainda tapando minha boca, então Bere disse inconformada, mas doída:
   - Aaaaah, Pio, para de me olhar com pena, vai? Tá me deixando sem jeito! Vivemos tudo o que o amor pode oferecer. Quer mais? Impossível!
   Eu tirei carinhosamente a mão dela que estava tampando minha boca, a abracei meio desengonçado por causa do soro na outra mão que não podia mexer, e choramos juntos amargamente no meio daquele monte de equipamentos da sala de quimioterapia, e enquanto chorávamos cochichei no seu ouvido:
   - Quero que este amor dure ainda muitos anos, isso é o que eu quero!
   Bere, me molhando a orelha com suas lágrimas só sussurrou: 
   - Tudo valeu a pena, isso é que importa! Não importa o tempo que tenha durado. ...Mas eu queria muito que durasse também mais muitos anos.
   E nosso choro chacoalhou nossos corpos no mesmo ritmo, numa dor profunda. No fundo, na salinha, a tv tocando sua programação num volume baixinho e na ante-sala a técnica Jovana preenchendo relatórios sem se dar conta do que acabáramos de conversar vivendo e tecendo nosso drama. Era a hora do meio dia e tudo estava silencioso. Isto aconteceu apenas dois meses antes de Bere partir."

sexta-feira, 20 de março de 2015

As Máximas de Bere 2 - Pensamentos, ideias, dicas, ensinamentos


   Pensamentos de Bere que foram postos em cartas escritas há anos, ou em algumas pastas do seu notebook. Bere faleceu em setembro de 2013, mas deixou este legado maravilhoso de ideias que fazia sobre a vida, o dia a dia e o amor.










Hora da Faxina: Figuras da Praia





 Figuras da Praia.

   Eu adoro sentar na frente do mar, guardassol aberto, ver o próprio movimento do mar, seu barulho acalmador e ver as pessoas que circulam pela orla. Principalmente as pessoas e o que fazem. Tem tantas. Indescritível, pois tem tantos símbolos folclóricos, que a gente esquece de tudo, das correrias diárias, problemas, e estas cenas divertem muito.
   Em minhas últimas férias em Meia Praia, Itapema, em Santa Catarina vi muitas coisas engraçadas. Num único dia presenciei várias coisas hilárias. A começar pelo casal de gringos de fala de sotaque bem italiano com guardassol armado do lado do nosso. Eram os dois de já uma certa idade e junto com eles uma garota de seus vinte anos, branquela que dava dó, até fiquei com medo de ela se queimar demais. E a madona foi tirando maçãs da bolsa e descascando para cada um. O gringo, rançou: 
   - "Porca miséria Luzia, io quero una cervesa i non questa massán."
   - "Mandja la massán para forrar lo budcho i non ficar logo tchuco." - Disse a mulher sem tirar os olhos da maçã. E alcançou para ele. O homem deu uma mordida, comeu e enquanto a mulher descascava a outra para a filha, ou neta, o homem atirou a maçã fora, arrotou e disse: 
   - "Já mandjei la massán. Ora la cervesa, capicci?" - E abriu uma lata.
   Nisto, passava um homem com um carrinho mostruário destes de praia, cheio de chapéus e não muito longe de onde eu estava chegou um cara correndo e barrou o vendedor. Começou a olhar os chapéus, botava um depois do outro na cabeça e olhava para a companheira que continuou sentada embaixo do guardassol. A uma certa altura, ele botou um chapéu tipo safari, olhou para a garota, ela fez sinal de aprovação. Daí ele foi para perto dela usando o chapéu, ela fez uma selfie dos dois e o cara foi devolver o chapéu pro vendedor que ficou boquiaberto com a audácia do cara, em pegar o chapéu emprestado só pra tirar foto. 
   Mas o mais engraçado aconteceu uma hora depois. Chegou um casal de portenhos, idade já um pouco mais avançada. Se instalou embaixo de um guardassol minúsculo, que mais parecia um guarda-chuva. Assim que estavam instalados foram até a água carregando um tablet num suporte estranho e filmando tudo. Foi muito engraçado porque aquilo não se vê normalmente. Eu e meu filho rimos. Era muito inusitada a cena, porque a gente via o lado da tela do tablet registrando tudo. E perto de nós tinha um gazebo com três casais jovens instalados, que ao verem a cena, rolaram de rir. Era uma sequência de gargalhadas que dava gosto de ouvir. Ainda mais que já tinham tomado um monte de cerveja. E no meio de tantas gargalhadas, um que estava sentado perto de um dos pés que sustenta o gazebo, de tanto rir se jogou para trás e a cadeira caiu, vindo ele a chocar contra aquele cano frágil, que dobrou e o gazebo veio abaixo soterrando todos embaixo do toldo. A praia inteira riu. Foi um momento pastelão impagável.
   Enquanto isto, o casal continuou filmando no tablet sem notar o que rolava na areia da praia por causa deles. 




terça-feira, 17 de março de 2015

Hora da Faxina: Banho de Serragem



 Banho de Serragem

   Quem já se atirou alguma vez dentro de um monte de serragem como se fosse uma piscina? Acho que dá para contar nos dedos as pessoas que estão lendo esta crônica, e que quando crianças tiveram o privilégio de curtir com uma experiência dessas. Se jogar dentro de um monte de serragem é tão fofo, tão aconchegante, que fica difícil esquecer a experiência. Claro que depois de sair do meio daquele monte de floquinhos de madeira a gente sente todo o corpo pinicando, necessitando de um banho urgente para se livrar de toda a serragem que grudou no corpo. Ainda mais no verão, quando o suor funciona como ímã e cisma em empanar o corpo todo com serragem. Mas é uma paga dada bem gostosa pela experiência fascinante que isto proporciona. Cair dentro de um monte de serragem é como cair dentro de um monte de travesseiros de pena. Esta é a sensação.
   Quando eu era criança e morava em Harmonia, tinha a duas casas da dos meus pais, a serraria dos Calsing. Os filhos do proprietário eram nossos amigos,  viviam em minha casa e nós vivíamos na casa deles, principalmente passávamos o tempo na serraria. Claro, em fins-de-semana quando as máquinas todas estavam desligadas e não ofereciam perigo. Então, nós influenciados pelas séries de TV que passavam na época como Bonanza, Daniel Bone, Rim-Tim-Tim, Lassie e tantos outros, usávamos a serraria como cenário para nossos personagens copiados dos seriados. As toras de lenha, enormes árvores para serem partidas e transformadas em tábuas, eram para nós como vagões de trem, onde ficávamos em cima e imitávamos viagens em alta velocidade no trem.
   Perto daquelas toras então, uma pilha alta, de mais de dois metros, tinha uma caixa de serragem que o Calsing vinha acumulando. Acho que era para vender para os agricultores espalharem em suas roças e as tornarem mais férteis. Mas o fato é que tinha uma caixa enorme de serragem, de uns nove metros quadrados, de uns setenta centímetros, ou um metro de altura, onde eles iam botando a serragem dos cortes de toras e este monte ficava cheio nos fins de semana. Tão alto que emparelhava com a altura das toras de madeira que ficavam a quase dois metros de distância dali. E nós, brincando de trem em movimento, nos jogávamos para tirar o bandido do suposto cavalo, que na imaginação estava acompanhando o trem como nos filmes da época, e voávamos para dentro monte de serragem, gritando eufóricos como se tivéssemos derrubado o bandido do cavalo e rendido ele. 
   Às vezes, alguém se fazia de bandido e brincávamos de luta corporal rolando sobre aquele monte de serragem, espalhando ela para fora da caixa. A brincadeira rolava toda a tarde de domingo, quando finalmente algum adulto da família nos corria de lá porque tínhamos espalhado toda a serragem para fora da caixa com nossas estripulias. Bons tempos!

quinta-feira, 12 de março de 2015

Hora da Faxina: Vinho no Prato




Vinho no Prato

   Antigamente, e não tão antigamente, os padres administravam além da paróquia em si, várias capelas, onde ao menos nos domingos, ou sábados, iam para celebrar a missa. E muitas vezes eles na volta, principalmente aos domingos, passavam na casa de algum fiel e se convidavam para almoçarem junto com esta família. O que era um problema na época da safra, quando os colonos trabalhavam sem dar bola para o domingo. O importante era colher toda a safra para deixá-la a salvo de intempéries.
   Tinha um padre, não faz muitos anos, que tinha uma pick-up e com ela ia até as paróquias rezar a missa, para na volta vir trazendo materiais e alimentos variados que ia encontrando pelas casas dos colonos. Todos sabiam deste seu comportamento. 
   Então, na época da safra, certo domingo, toda a família foi para a roça colher, deixando em casa só uma menina de seus doze anos para cuidar da casa. O pai dela a havia avisado que se caso o padre passasse na sua casa, a menina era para dar a ele tudo que pedisse.
   Perto do meio dia, o padre apareceu com seu carro naquela casa, parou, desceu e já foi recepcionado pela menina. Ela o convidou para entrar e ele aceitou. Quando estava na área que dava acesso à cozinha, viu uns sacos de cimento empilhados, então disse:
   - Minha filha, será que teu pai não poderia ajudar com as obras da paróquia doando um saco de cimento? - A menina respondeu:
   - Claro padre, pode pegar! Papai mandou te dar tudo o que pedisse.
   O padre carregou o saco de cimento, e nisso viu algumas galinhas ciscando pelo pátio. Ele disse:
   - Minha filha, será que eu não poderia pegar uma meia dúzia de galinhas para levar porque sempre fazemos sopão na paróquia e elas podem ser muito úteis para este prato. - A menina respondeu:
   - Claro, padre, pode pegar. - O padre foi catando as galinhas, amarrou suas pernas e as botou junto com o cimento na caçamba da pick-up. Ao voltar, a menina o aguardava na soleira da porta da cozinha. Ele disse:
   - Minha filha, sei que seu pai faz um vinho muito bom. Será que eu não poderia tomar um copo para matar a sede? - A menina respondeu:
   - Claro seu padre, entra e senta à mesa. - O padre entrou, sentou, e quando a menina viu onde ele havia se acomodado, foi até a adega e voltou com um prato cheio de vinho e uma colher. O padre pensou que ela não tivesse alcançado os copos na cristaleira e este seria o motivo de ter servido o vinho no prato. Tomou todo o vinho de colher em colher, pediu para repeitir, a menina o serviu, ele tomou mais um prato de colher em colher, agradeceu e foi embora.
   De tardezinha quando os pais voltaram da roça, perguntaram sobre o padre e ela disse que ele havia estado lá e levado um monte de coisas. Foi então que o pai viu que ela havia servido vinho num prato, pois ainda estava sujo sobre a mesa com a colher dentro dele. Intrigado perguntou: 
   - Filha, por que serviu vinho para o padre num prato e não num copo? Que feio isso! O que o padre pode ter pensado a respeito de nossa família?
   A menina respondeu:
   - Papai, tenho meus motivos e o senhor vai concordar. - O pai intrigado perguntou:
   - E que motivos são estes? - A menina, com um brilho de inteligência no olhar respondeu:
   - Porque se tivesse servido o vinho num copo, no lugar onde o padre sentou à mesa, toda a vez em que ele emborcasse o copo na boca para tomar, veria o salamito pendurado atrás do fogão secando, e certamente iria querer levar também. Aí já seria demais né pai?

terça-feira, 10 de março de 2015

Hora da Faxina: Penteando o Braço

(Na foto, tomando chimarrão no pátio que separava as casas da praia)



Penteando o Braço

   A gente passa na vida e vai conhecendo pessoas e lugares dos mais variados. É impressionante a quantidade de tipos de pessoas que existem, também lugares. Quando menos se espera ter conhecido algum lugar completamente diferente, a gente se depara com outro que inacreditavelmente muda nossa concepção sobre lugares conhecidos porque é muito mais diferente ainda.
   Assim, uma vez no fim dos anos noventa, conhecemos a enseada de Itapema. Um lugar divino, praia de pescadores, tranquilo, de mar calmo, especial para trazer crianças para férias despreocupantes porque o mar não oferecia perigo. Éramos uma turma grande, três famílias, filhos pequenos, e assim alugamos duas casas num pátio cercado naquela enseada, onde tinham mais duas casas. Todas eram interligadas com calçadas cercadas de vegetação florida, sombra, enfim, um lugar divino, onde deu muito gosto de ficar aqueles dez dias, além da tranquilidade, já que crianças exigem mais atenção. 
   De noite, quando a gente deitava, ouvia lá fora só o chlap, chlap, chlap das marolinhas quebrando no muro que separava o pátio de onde nos encontrávamos da areia branca da praia e do mar. Era maravilhoso adormecer assim, mar a menos de  trinta metros de distância e calmo. De manhã, se quiséssemos fazer algo diferente, era só levantar um pouco mais cedo e ir até a orla e ver os pescadores voltando de sua noitada no mar, com os barcos carregados de peixes, dos mais variados tipos e tamanhos. E todos se ajudavam, tirando a mercadoria dos barcos e encaminhando para a associação de pescadores, onde eram pesados, classificados e pagos para a alegria dos pescadores. Depois, voltar pra casa e tomar o café da manhã olhando o início da jornada de praia pertinho dali, quase junto ao mar, com línguas misturadas entre espanhol e português, já que a praia estava tomada de portenhos.
   Foram férias divinas. Muita comida, um dia fiz cinco quilos de batata frita, jogos, brincadeiras, esculturas na areia, e descontração total. Mas teve ali, um senhor que era casado com a senhora que alugava aquelas casas, que tinha um jeito bem particular de ser. Ele era da aparência de um viking, aquele tipo grandão, ruivo, todo peludo, e com olhar guerreiro. Ele sempre trazia um pente no bolso da camisa e chamava a atenção este detalhe. Até que um dia, quando uns argentinos tinham emporcalhado uma daquelas casas do condomínio que administravam, deixando sujeira para tudo que é lado, fraldas usadas pelos cantos da casa, restos de comida, um nojo de se ver. E o homem ficou nervoso. A esposa dele nos chamou para vermos a cena, e o homem para controlar seu nervosismo, tirou o pente do bolso e começou a pentear os pêlos dos braços com aquele pente que trazia no bolso. 
   Imagina a vontade de rir, tendo que permanecer sério na presença deles, afinal estavam mostrando aquela casa imunda para nós e o ruivo penteando nervosamente os pelos de seus braços.  Imagina a cena!

domingo, 8 de março de 2015

Dia Internacional da Mulher - 8 de Março. Minha homenagem


   Pois neste domingo comemoramos o dia internacional da MULHER. Sim, em letra maiúscula porque o mundo é hoje o que se apresenta graças aos encantos e sabedoria das mulheres. Se tudo tivesse sido feito pelos homens, seria tudo reto, sem curvas, sem detalhes. As mulheres os preencheram. E elas são o caldeirão que faz os homens terem seu tempero e sua eletricidade para realizarem tudo o que fazem.

   PARABÉNS A TODAS VOCÊS MULHERES!
   O MUNDO SEM VOCÊS NÃO TERIA GRAÇA NENHUMA!!!
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   Já levei uma dúzia de rosas amarelas no cemitério para Bere. E para homenagear a todas vocês mulheres, uma das máximas de Bere que guardei para este dia especial, dedicado a vocês. Acho que ela fala por si só:




sábado, 7 de março de 2015

17 meses sem Bere, viúvo.



   24 de Fevereiro: 17 meses sem Bere, viúvo

   Uma pessoa doce, de um jeito especial de ser, às vezes forte como a rocha, às vezes suave como a brisa, que adoçou e encantou minha vida. Uma pessoa séria de regras estabelecidas que me fez viver um mundo onde tudo pôde ser o mais perfeito possível. Uma pessoa de luz que com suas ideias sempre inteligentes, compartilhadas comigo, fez com que nossa vida tivesse em cada passo um degrau a mais galgado para nosso crescimento, tanto no relacionamento quanto na vida em si. Uma pessoa de um amor tão intenso que vivi a sua vida, vivi os seus dias e vivi os seus sonhos, tornando tudo isto meu, numa simbiose de reciprocidade, carinho e paixão. Uma pessoa guerreira que com sua garra me ensinou que temer sempre piora os resultados, pois mais vale uma luta perdida do que uma tentativa com medo e seu resultado frustrante justamente pelo temor do erro. Uma pessoa estimulante que chacoalhou meus dias para encarar os desafios me fazendo acreditar em meu potencial. E eu agia acreditando no estímulo dela, não no meu potencial. E o tempo me ensinou que ela tinha visto em mim talentos que eu mesmo desconhecia. Uma pessoa doce, que com um simples olhar conseguia açucarar minha vida pois da alma dela só emanava a sensação de bem-estar, de cumplicidade e parceria. Uma pessoa de paz, onde em seu aconchego meu mundo sempre encontrou guarida, sossego, alegria e um sono reparador, pois do meu lado estava a ternura em pessoa. Esta foi Bere

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   Nota: o artigo saiu com atraso devido às férias, das quais retornei ontem.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Hora da Faxina: Não Come Esse Feijão!




Não Come Esse Feijão!

   Fazer férias! ...Algo divino, maravilhoso, pois faz com que a gente desligue ao menos um pouco do mundo de todas as rotinas e entre em alguns dias num mundo de casa diferente, vida diferente, rotina diferente, com pessoas diferentes. Férias são exatamente para isso: fazer diferente! Por este motivo, a importância das férias. Não importa onde sejam, desde que te tirem da rotina. E se for em Santa Catarina, nas praias paradisíacas de lá, como foi este ano em Meia Praia, Itapema, melhor ainda. Porque mesmo com chuva, dá praia. Não tem vento e o guardassol acaba virando um bom e grande guarda-chuva. Com chuva o mar fica diferente, ele se torna mais rebelde e mostra melhor seu lado perigoso que tantas vezes as pessoas não querem enxergar.
   Mas o que é bacana mesmo, é ficar com pessoas diferentes durante estes dias de férias e todos se adaptarem ao ritmo dos outros para que tudo corra gostoso e amigável, de onde na volta só se trás notícias boas. Normalmente combino férias com pessoas da família, para convivermos mais de perto alguns dias, jogarmos, contarmos histórias do passado, enfim, selarmos ainda mais este laço de relação familiar.
   Numa destas férias fomos à Armação da Ilha, uma prainha paradisíaca no sul da ilha de Santa Catarina que tem os traços açorianos impressos em um monte de prédios e também no comportamento das pessoas. Foi minha família, e parentes, para passarmos dez dias lá. Casa cheia, famílias e filhos. Eu tenho um parente que não vive uma semana sem feijão, e três dias depois de estarmos veraneando, ele trocou a beira da praia por um fogão e uma panela de feijão, ficando em casa para cozinhá-lo. E ele caprichou, deixando o feijão divino, com um sabor inigualável e de uma aparência muito apetitosa. Quando voltamos da praia, as crianças já foram comendo feijão puro com pão que ele serviu em combuquinhas para saciar a fome. 
   O problema é que ele fez uma panelada de feijão. Acho que tinha cozinhado uns dois quilos e não tinha recipiente nem espaço na geladeira para guardar todo este feijão. E o coitado do feijão foi ficando no canto do fogão, esperando ser consumido lentamente. Calorão de mais de trinta graus, panela de alumínio, já imaginaram o revertério. No terceiro dia, com o feijão ainda em cima do fogão, só sendo requentado, achei melhor meus filhos não comerem mais, afinal estômago de criança é mais sensível e intoxica bem mais facilmente. Foi quando na hora da mesa, meu filho mais velho ia encher o prato, quando falei de boca fechada no meio dos dentes cerrados: "Não come esse feijão!"
   Ele obedeceu e não comeu. No outro dia, todo mundo estava meio desarranjado, menos minha família por não termos comido daquele feijão, e o parente veio se queixar dizendo:
   - Não estou bem do estômago! acho que foi aquela cerveja meio morna qeu tomei ontem de noite.
   Fomos até a fruteira comprar verduras, ele foi junto, cara de desarranjado, quando viu uma cabeça de repolho arrancou uma folha, saiu comendo e dizendo: "Acho que é isto que faltava para me por em dia!"

Hora da Faxina: O Primeiro Porre




O Primeiro Porre. 

  Imagina uma tarde quente de verão. Imagina esta tarde com uma represa aconchegante de águas cristalinas esperando por alguém entrar dentro dela e encontrar em suas águas um banho confortante. Uma represa funda, onde só quem sabia nadar podia entrar e usufruir. E eu e meu irmão, mais um amigo nosso, filho do dono da represa tínhamos este privilégio. Nadar aprendemos desde cedo, já que o rio Caí, com todas as suas armadilhas fazia com que a gente se obrigasse a enfrentar todos os seus desafios, nadando.
  Mas, foi uma tarde mágica naquelas águas. A convite de nosso amigo, tomamos banho durante um longo tempo na represa, que em sua saída tinha pedras íngremes e pontiagudas, algumas tomadas pelo limo, nada amigáveis para quem inventasse descer por este lado. A represa ficava no centro de Harmonia, e ela impulsionava uma roda d'água que movia uma serraria. A serraria dos Gewehr. E antes de ser serraria, era um alambique. E foi aí, no porão da serraria onde tinha este alambique, que tomei meu primeiro porre.
  Depois do banho gostoso, de ficarmos sentados sobre a barra da represa para secarmos um pouco nossas roupas ao sol, nosso amigo convidou meu irmão e eu para descermos aquelas pedras íngremes, lisas e com limo, uns quinze metros de altura, e quando lá embaixo, experimentarmos uma bebida gostosa que tinha dentro dos barris no subsolo da serraria. Eram barris enormes, dois no total. Aceitamos. E quando chegamos lá, naquele ambiente abandonado, cheio de teias de aranha, cheirando a coisa azeda, ele sentou na frente de um destes enormes barris e disse:
   - Este é um licor que meu pai fazia. Todos diziam que ele fazia isto muito bem, tanto que nós vamos experimentar hoje para ver se é verdade. Querem experimentar?
   Curiosos como éramos, assentimos com a cabeça, aceitando a oferta.
   Detalhe: isto foi nos anos sessenta e o pai dele falecera nos anos cinquenta. Então ele pegou um copo daqueles rajados, de servir vinho, uns cem mililitros de medida, abriu a torneira de madeira de um dos barris e encheu o copo. Na hora rescindiu no ar um aroma de licor meio adocicado, gostoso de sentir. Deu para meu irmão, que era o mais velho da turma para experimentar. Meu irmão tomou e aprovou o licor. Depois ele encheu um copo para ele, e também o tomou, para por fim, encher um copo e dar para mim. Eu tinha sete anos na época, ele tinha oito e meu irmão, nove. E o que tomamos era cachaça pura, envelhecida nos barris por mais de dez anos.
   Depois da seção de degustação, logo tudo já girou. Nos segurando pelas paredes, meu irmão e eu fomos para casa, que não era longe dali, já tomados pelo álcool, cambaleando e rindo de tudo. Quando chegamos em casa e a mãe viu nossa situação foi à loucura. Enfiou um ovo cru goela abaixo de cada um para fazer-nos vomitar. Vomitamos muito. Depois cada um ainda levou um surra. E a mãe ficava dizendo enquanto nos batia:
   - Que sintam o nojo de uma bebedeira para nunca mais repetirem, seus moleques!