quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Hora da Faxina - Tempos Bicudos




Tempos Bicudos

   Muitas pessoas de minha geração, a partir dos 'enta' se criaram em famílias com quatro filhos ou mais e cresceram passando dificuldades em certos momentos. A falta de recursos financeiros dos pais para levar sua prole pela vida alimentando, vestindo e educando, absorvia muita dedicação e criatividade para superarem todas estas dificuldades. Eu não conseguiria me imaginar sustentando uma família tão numerosa. Porque as necessidades têm tantos fins, tantos caminhos, que seria uma luta diária para prover por todos.
   Antigamente havia menos necessidades de consumo. A vida era sem eletrônicos, sem telefone, sem cartão de crédito, sem produtos nem roupas ou calçados de marcas e sem comidas pré-preparadas. Diversões eram escassas e produtos escolares e vestuário eram passados de irmão para irmão.
   Hoje em dia quando preparo um alimento que consumíamos na falta de outros, nos tempos bicudos, meus filhos comem e dizem que são manjares. Adoram comer. Só que sempre digo a eles, que este prato está sendo feito agora uma vez a cada dois meses, quando no meu tempo de criança por vezes comíamos o mesmo prato uma semana inteira.
   Então, para refrescar a memória dos de minha geração, ou para mostrar aos que não alcançaram estas iguarias, vou falar de alguns pratos que a mãe fazia. 
   O mais clássico de todos era o pirão com linguiça. Se frita a linguiça com cebola, depois acrescenta água na quantidade de pirão que deseja fazer. Quando a água levanta fervura vai acrescentando farinha de mandioca (como faz com polenta) bem devagar até virar um pirão, um mingauzão. Fica gostoso com feijão.
   Outros pratos que faziam o cardápio simples e sem recursos, sempre acompanhados de um molho que era feito com um pedaço bem pequeno de carne, só para dar sabor ao molho, já que não existiam os caldos que hoje são fáceis de comprar. Então era feito chuchu com creme de maizena e temperinho verde, algo que na época da colheita do chuchu comíamos praticamente todos os dias. Também os clêsi feitos de farinha de trigo cozidos dentro de um caldo feito com as partes do frango menos nobres. Aipim também fazia parte do cardápio e era repetido muitas vezes na época da colheita. Aliás, tínhamos uma caixa de areia seca embaixo do telhado, onde o aipim era coberto por ela e ficava ali durante meses sem estragar. Quando o aipim não cozinhava, ele era moído na máquina de moer carne e frito depois, para aproveitar todo ele. O pão era feito em casa em grandes fornadas. E no verão, inevitavelmente ele criava fungos a partir de certos dias guardado, sem geladeira. Então era picado bem fininho, frito em banha muito quente e depois feito uma omelete onde o pão ficava dentro, gostoso e crocante.
    Assim teria muitas outras coisas para enumerar sobre estes tempos bicudos. Talvez outro dia faça outra crônica falando sobre este tema. Mas, a lição que ficou, é que apesar de tudo que faltou e hoje se tem, vê-se que o ser humano tem uma capacidade de adaptação muito grande frente às necessidades.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Pequenas Mentiras, Meias Verdades: Banhado em Sangue




 Banhado em Sangue

   Muitas pessoas nascem e com o correr de suas vidas a passam trabalhando ininterruptamente até que um dia seu fatídico fim se anuncia. Trabalham feito cavalos, vivem como cachorros e morrem como desconhecidos. Mas com o Hans Berger era diferente. Ele era um homem predestinado a melhorar muitas coisas na pequena vila de Harmonia. E muitas coisas ele criou e desenvolveu. Mas seus projetos ficaram só no papel ou só em sua memória, sobrando poucas realizações práticas.
   Hans era um visionário. Ele anteviu a revolução de 1964 porque sentiu nas manobras e movimentos políticos que algo seria feito pelos militares, ele previu o pouso de humanos na Lua em 1969 porque acompanhava com muito interesse todos os artigos relacionados à conquista espacial e no meio disso sentiu a iminência de este pouso lunar acontecer em breve e ele disse que o Brasil seria tricampeão na copa do mundo no México em 1970 porque viu na escalação daquele time o melhor time do planeta.
   Ele era exigente e exato. Tudo tinha suas diretrizes, suas metas, suas medidas e suas razões. Assim, o pão que ele mesmo amassava e assava, para cortar, cada fatia tinha que ter exatamente um centímetro e meio de espessura. Ele media a distância entre os cortes para cada fatia ser exatamente igual a outra. A faca usada para cortar estes pães que tinham exatamente o mesmo tamanho, largura e altura, era especial e ele a guardava enrolada num pano de louça para não enferrujar e não perder o fio.
   Devido ao seu estado sensível para tantas coisas quanto à previsões e ideias de novos produtos, máquinas, implementos, ele também tinha muita sensibilidade como ser humano. Certo dia estava ele sentado defronte a sua residência, num banco de pedra na calçada, ofegante. Parecia que o coração lhe sairia pela boca.
   Passou um amigo dele por ele, o viu assim, então perguntou:
   - Hans, boa tarde! O que aconteceu para estar tão nervoso?
   Ele, respirando fundo para se acalmar respondeu:
   - Pedro, você não imagina o motivo do meu nervosismo. Estou até ofegante.
   - Mas o que houve?
   Hans, segurando o peito com a mão, respondeu:
   - Pois imagina só: estava eu sossegadamente sentado aqui neste mesmo banco, a observar as rosas silvestres entremeadas na cerca da vizinha bem aqui na frente. Olha lá: são rosas lindas, de diversas cores, e muito cheirosas. Fiquei com vontade de atravessar a rua e ver e cheirar de perto estas rosas. Quando cheguei, me inebriei com seu aroma, sua textura, sua cor e fiquei completamente distraído.
   - Que bacana Hans! - Disse Pedro. - Mas o que te deixou nervoso?
   Hans disse:
   - Pois eu, enquanto observava o desenho daquelas rosas tive a ideia de criar um aparelho novo, algo para moer grãos. Então, para não esquecer, me virei e vim voltando absorto na ideia que estava criando. Quando dei um passo, passaram em cima da calçada os filhos do Willi e do Lando com suas bicicletas encardidas tão perto de mim, que senti o pulsar de seus corações. Mais um passo, e suas bicicletas teriam me acertado. E eu cairia banhado em sangue. E então... fim para minha vida!

   

domingo, 25 de outubro de 2015

As Máximas de Bere - Pensamentos, Reflexões, Verdades

   Pensamentos de Bere que foram postos em cartas escritas há anos, ou mais recentes deixadas escritas em algumas pastas do seu notebook. Bere faleceu em setembro de 2013, mas deixou este legado maravilhoso de ideias que fazia sobre a vida, o dia a dia e o amor.











quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Hora da Faxina - Telinhas




 Telinhas

   É bastante comum para nós que somos de gerações passadas fazermos parâmetros com a infância e adolescência de hoje, falando de erros e atitudes praticados hoje em dia. Está certo de que a educação vai se modificando ao longo das décadas e novos processos acabam sendo agregados para a evolução cada vez mais avançada de nossos filhos e netos.
   Hoje em dia o que muito se fala é da imensidade tecnológica interagindo com nossas crianças, de onde muitos vislumbram seres alienados e dependentes dela para sobreviverem quando adultos. Talvez possa até ser. É incrível ver quanto um smartfone consegue prender a atenção dos jovens, a ponto de atravessarem uma rua sem olharem para nenhum lado, absortos na telinha do aparelho. Então, a observação sobre o quanto eles dependem dele.
   Mas, pessoas de minha geração, não esqueçamos que nós nascemos na época em que surgiu a TV no Brasil. Ou, melhor, em que ela se disseminou. Eu tinha dez anos quando entrou o primeiro aparelho em preto e branco em minha casa. E a partir dali, fim da década de sessenta, os televisores se disseminaram vertiginosamente. Na época se falava a mesma coisa: de que nós, crianças da geração da TV, ficaríamos reféns de seu conteúdo, alienados em sua programação e que nos tornaríamos adultos vazios e fúteis por perdermos tanto tempo em frente à telinha. 
   No fim da década de setenta vieram os primeiros video games. Nossa, aquilo foi uma revolução. Primeiro, do jogo arcaico de ping pong com aquele quadradinho branco repicando nos cantos da tela cinza amparado por duas barrinhas brancas (os jogadores), evoluiu para o Atari, que oferecia jogos coloridos. Simples mas que prendiam a atenção. E mais uma vez veio à tona o assunto sobre alienação eletrônica dos que eram adolescentes  e crianças dos anos oitenta e que perdiam horas jogando os games, tentando atravessar as fases.
   No fim dos anos oitenta se popularizou o computador. Aquilo sim era a perdição de qualquer criança. Um fascínio para todas as idades, pois permitia interagir com a tela e criar coisas nela. Fantástico. Apesar da telinha de dez polegadas em fósforo verde para não cansar os olhos, a máquina se disseminou numa velocidade vertiginosa. E no fim dos anos noventa uma grande quantidade de residências já possuíam um computador, depois de sair do complicado DOS e entrar no charmoso e interativo Windows. Pronto, mais uma vez se dizia que esta geração se transformaria num mundo de adultos dependentes da tecnologia e que para eles o simples ato de cozinhar só seria possível mediante ajuda do computador.
   E mais uma vez se comprovou que a tecnologia, ao invés de ser prejudicial é benéfica e não faz com que as pessoas evoluam como seres humanos. Por um simples fator: as máquinas não têm sentimentos. Por mais que se queira criar isto nelas, o sentimento não é eletrônico e sim, químico, pois envolve olhares, sensações, cheiros, calor humano e principalmente companhia física. 
   Eu acredito que até na atual situação, com tanta interatividade em redes sociais onde pessoas desconhecidas acabam se tornando amigas, onde vários encontros são virtuais para depois, caso haja interesse mútuo se torne um encontro físico, pode haver relacionamentos muito mais consistentes e harmoniosos do que os tradicionais encontros em bailes já que em tantas conversas ambos tiveram a oportunidade de mapear o perfil e sentir o que realmente estas pessoas são.

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - Willi na Escola



Willi na Escola

   Os anos caminham, as salas de aula pouco mudam, e as crianças que as frequentam vão passando, mas os acontecimentos que ficam são inesquecíveis. E por incrível que pareça, em cada turma, sempre tem aquele menino ou menina danados, que têm a resposta na ponta da língua para tudo.
   E neste sentido não existe muita diferença entre escolas das cidades ou do interior. As crianças até variam de nomes, mas, sempre tem aqueles meninos que se sobressaem que chamam Pedrinho, Joãozinho, ou, no interior, Willi. Outro dia falarei das meninas e seus nomes.
   Existe uma grande diferença entre estes nomes e o modo de eles se comportarem. Assim, Pedrinho é o garoto que sempre quer responder a todas as perguntas feitas pela professora, mas não sabe nada. Por exemplo, a professora pergunta:
   - Alguém sabe quantos dias têm a semana? 
   Pedrinho, já levantando o braço antes de a professora terminar grita:
   - Eu sei professora: são quatro dias. 
   - Como, 4 dias? ...então me diz como se chamam estes 4 dias.
   E Pedrinho orgulhoso diz:
   - O dia que papai está em casa, o dia em que tem carne no almoço, o dia em que a vovó toma banho e o dia que vou à escola.
   Assim as coisas acontecem no meio das crianças inocentes. Joãozinho, garoto esperto, sabe tudo, e deixa primeiro o Pedrinho se danar na resposta para depois responder corretamente:
   - São sete dias. São cinco dias de feira e dois para comer o que a mamãe comprou.
   Mas, que nem o Willi não existe igual. Aquele garoto de olhar preparado, meio irrequieto, sentando lá no fundão da classe, quietinho na dele, e só responde quando realmente mais ninguém sabe.
   Aconteceu numa segunda-feira, numa aula de religião, que a professora contou sobre todas as grandes belezas que o céu oferece, e que fatalmente um dia todos iremos para lá se formos bons na terra. Quando ela terminou de contar estes fatos, perguntou:
   - Alguém de vocês sabe qual é a primeira parte do corpo que entra no céu?
...Toda a sala permaneceu em silêncio. Até que depois de um tempo, Willi, lá no fundo, levantou seu bracinho. A professora perguntou:
   - Você sabe, Willi?
   - Sim professora, eu sei! - Respondeu Willi convicto. A professora perguntou:
   - E qual é a primeira parte do corpo que entra no céu?
   - Os pés! - Respondeu Willi. A professora, impressionada com a resposta, perguntou:
   - Como assim, os pés? Como você sabe isso, onde aprendeu isso?
   E ele respondeu:
   - Porque ontem de noite eu acordei porque a mamãe gritava: "Eu vou pro céu, eu vou pro céu, me segura, eu vou pro céu!" - Então eu levantei apavorado e fui espiar na fechadura do quarto deles para ver o que estava acontecendo.
   - Mas o que estava acontecendo? - Perguntou a professora. E o garoto explicou:
   - Minha mãe estava deitada com os as pernas e os pés esticados para o céu, e enquanto girava os pés gritava dizendo que ia para o céu. Graças a Deus, meu pai estava deitado em cima dela segurando as pernas com os braços e batendo nela com a barriga. Senão com certeza teria ido pro céu.

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - Na Escola



 Na Escola

    Se fosse para escrever sobre todas as coisas que acontecem dentro de uma sala de aula daria para escrever vários livros porque todos os dias acontecem conversas e momentos inusitados na escola. Assim, na escola no interior, as crianças vão se familiarizando com os bichos desde pequenos. Então, a professora pergunta:
   - Quem de vocês sabe descrever uma vaca?
   No começo, todas as crianças acanhadas, ninguém se manifesta. De repente, lá no fundo, a Laurinha levanta o bracinho acanhada. A professora diz:
   - Então Laurinha, diga aos seus colegas como é a vaca.
   Lauriha, de seus sete anos, fica em pé e diz toda acanhada:
   - A vaca é um bicho cheio de leite que se pode tirar puxando em suas quatro tetas. Sobre o leite tem um couro que geralmente é preto ou malhado de branco e preto, que termina na cabeça do bicho. Sobre sua cabeça tem dois chifres que servem para passar a corda e amarrar o bicho.
   - Muito bom Laura!  - Disse a professora. Mesmo que a descrição tenha sido um tanto fantasiosa, ao menos a menina teve a coragem de falar na frente dos colegas. A professora continuou:
   - Alguém de vocês sabe o que é um ganso?
   - O... o... o ganso é um bicho que começa exatamente no bico e vai até os seus pés. No meio dele ainda tem um monte de penas.
   Agora, aos poucos, as crianças vão se descontraindo e a conversa flui. A professora pergunta:
   - Tem mais alguém na sala que gostaria de falar sobre algum bicho?
   A pequena Maria, bem na frente levanta seu bracinho magro e a professora lhe pergunta:
   - Sobre qual bicho gostaria de falar?
   - Sobre o gato. - Responde Maria.
   - Podes começar...
   - O gato é um bicho peludo que faz miau-miau e que termina exatamente no rabo que sai de sua bunda.
   E as descrições vão se sucedendo. Já na cidade, as crianças se criam em outro mundo e portanto tem outros tipos de descrições para fazer quando solicitadas. Muitas nem sabem o que é uma vaca e acham que o leite vem da caixinha longa-vida. Então, a professora pergunta aos alunos lá do terceiro ano:
   - Alguém quer me contar o que vai ser quando crescer?
   Pedrinho já fica logo de pé e diz:
   - Eu quero ser piloto de aviões.
   - Por que?  - Pergunta a professora. Ele responde:
   - Porque então vou completar meu sonho de voar por todo mundo, em todos os lugares.
   - E você, Paulinho, o que quer ser quando crescer?
   - Eu quero ser um soldado para proteger as pessoas e assim ser útil, prendendo os bandidos. - A professora vai ficando cada vez mais orgulhosa da inteligência de seus alunos. E ela continua perguntando:
   - E você Sabrina, o que quer ser?
   - Uma freira! - Responde a menina orgulhosa. E a professora:
   - Mas que lindo!!! E por que você quer ser uma freira?
   - Porque então consigo ajudar as pessoas e também acalmar suas dores com minhas orações.
   - Muito lindo isto Sabrina! Vamos então perguntar o Joãozinho... O que você quer ser quando crescer?
   - Quero ser um homem bem peludo! - Responde Joãozinho convicto. A professora, curiosa, pergunta:
   - Interessante Joãozinho. Mas por que quer ser um homem peludo? De onde tirou esta ideia?
   - Porque então ficarei muito rico! - Respondeu ele. E a professora:
   - Como assim?
   - Porque minha irmã só tem um punhadinho de pelos no meio das pernas e já ganhou com eles um carro novo e uma corrente de ouro. 

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Hora da Faxina: Sons



 Sons

   Tem muitos sons que nos voltam à memória quando imaginamos cenas ou acontecimentos que nos acompanharam durante a vida. Geralmente os sons que mais marcaram justamente são os que de certa forma deram alguma espécie de prazer enquanto aconteciam. Puxando para o tempo de criança, ainda consigo ouvir o perfeito tinir do toque entre as bolinhas de gude nos jogos acirrados de fim de semana. E o tinir de uma nicada num monte de bolinhas dentro do triângulo, ou do círculo, remete à memória como uma sinfonia das mais belas. Porque era colheita na certa de muitos resultados, muitas bolinhas de gude, onde o ganhador levava todas as bolinhas que com um único toque de sua mestra tirava de dentro do desenho riscado no chão. Também participavam as castanhas nestas jogadas, mas que precisava duas para substituir uma bolinha. E o som da bolinha batendo na castanha também é inesquecível, principalmente quando a sementona dentro dela se soltava do invólucro duro e tinha uma parte oca que então aumentava o ruído do contato da bolinha.
   Em tempos onde não se tinha as bolinhas de gude para jogar, se improvisava com carteiras de cigarro descartadas, as quais se abria com cuidado porque não podiam ter rasgos, se dobrava de uma forma especial, onde ficava em V e assim ficava de pé no círculo, para se tirar de lá com pedras chatas, tipo biscoito. Aqui também, o som de uma limpada de carteiras com uma única jogada a partir da linha de onde se atirava, é inconfundível porque literalmente a jogada havia 'raspado' todo o jogo. Tinha crianças da minha turma que ganhavam tantas carteiras nos jogos, que tinham dificuldades em segurar o bolo delas amontoado dentro de sua mãozinha pequena.
   Quem não lembra do som do baleiro do armazém quando era girado para se chegar nas balinhas escolhidas? Aquilo era uma sinfonia para nossos ouvidos, que com um minguado troquinho corríamos até lá para comprar meia dúzia de balinhas. E muitas vezes era uma de cada compartimento. E o balconista, ao girar a tampa do compartimento completava a sinfonia. Eram tampas de alumínio azuis, que a cada girada ecoavam uma melodia de apetitoso e doce sabor.
   E a abrida de uma tampinha em garrafa de refrigerante? Que delícia de som! Quando criança esta melodia era muito poucas vezes ensaiada. Somente em eventos especiais, ou quando uma visita importante frequentava nossa casa. E o tssc seguido da tampinha caindo sobre a mesa é como um código secreto que se implantou em minha imaginação, onde consigo decifrar momentos de intensa satisfação, pois era a condensação de um momento único e raro.
   Hoje em dia os sons mudaram. A maioria deles são eletrônicos, de jogos, celulares, TVs e computadores. Mas certamente também farão a trilha sonora da infância das crianças que agora estão vivendo esta etapa de vida. E estas mesmas crianças quando adultas, lembrarão destes sons que transformaram momentos de sua infância em tempos doces e gostosos de sentir, deixando-os lá no fundo do pensamento, como cargas de prazer ao relembrar.
   

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Pequenas Mentiras, Meias Verdades: O Beijo





O Beijo

   Em tempos de crise nos negócios, principalmente no varejo, muitas pessoas inovam para tentar manter e atrair mais fregueses. 
   Então, muitas artimanhas são criadas para fazer os produtos se tornarem competitivos e para que as pessoas se sintam atraídas para consumirem naquele estabelecimento comercial. Alguns baixam a margem do lucro na venda dos produtos, deixando assim, o preço final mais baixo.
   Outros praticamente zeram seu lucro em materiais de marcas, para continuarem com preços atrativos, e trazerem os clientes para suas lojas. As pessoas procuram por marcas de renome, pela qualidade do produto e descobrem que o preço naquela loja é muito mais em conta do que nas outras. Em compensação, não descobrem que outros produtos estão com o valor talvez até acima do praticado normalmente, justamente para suprir a falta do lucro nos artigos de marca.
   Outros ainda pensam que a vantagem em prender o cliente está no bom atendimento. E as estatísticas realmente comprovam que para um negócio se manter razoavelmente, mesmo em épocas de crise, deve haver um atendimento vip a todas as pessoas que entram em sua loja. Sendo bem atendido, o cliente sempre volta.
   Mas, nestas épocas de crise, as inovações também fazem parte para manter o negócio. Em uma vilinha do interior, um comerciante encontrou a solução ideal para manter seu negócio. Ele contratou uma bela loira para trabalhar com ele, atendendo no balcão. E fez a promoção: a cada cem reais em compras levaria como prêmio um beijo. A placa na frente do estabelecimento o mostrava proeminentemente: "Compre para mais de cem reais e terá um beijo."
   Esta simples artimanha começou a trazer clientes. Principalmente homens. Ele viam aquela bela loura correndo atrás do balcão de um lado para o outro para dar conta, e todos queriam receber um beijo dela.
   Um rapaz entrou, trazendo na mente o que tinha que comprar, e foi logo chamando a atendente para fazer seu pedido. Comprou linha de costurar, botões, agulhas de tricô, alguns tecidos. No fim, quando terminou, sua conta ainda não havia somado cem reais. E ele, louco para receber um beijo daquela menina linda, procurou gastar mais em algumas coisas. Comprou então um pacote de fósforos mais meia dúzia de velas e dois fechos. Pronto, agora tinha atingido centro e quatro reais. Quando ele viu o preço final, já saiu logo perguntando:
   - Então, ganho meu beijo?
   - Claro! - Respondeu a loura. E gritando chamou:
   - Vó, venha cá. Ligeiro! Tem mais um idiota que gastou mais de cem reais para ganhar um beijo seu.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Hora da Faxina: Chuva




 Chuva

   Por vezes a chuva é tão poética, a ponto de fazer com que tenhamos uma noite aconchegante com seu barulhinho sossegado tamborilando por entre folhagens e pedras. Um barulho de chuva é introspectivo, ele puxa para dentro de nós sentimentos de calmaria e paz, onde nosso organismo consegue se encontrar para seu estado também virar paz e assim nos embalar num sono tranquilo.
   Por outras vezes a chuva fica nossa inimiga, a vilã de uma noite mal dormida, por seu modo agressivo de se comportar. Carregando consigo vento, raios e trovões, ela acaba nos tirando o sono e o sossego. E mesmo que estejamos conciliando um gostoso e reparador sono num cochilo aconchegante, eis que vem um raio que nos acorda com seu clarão refletido através da veneziana, e em seguida o trovão sacode tudo ao nosso redor, vindo nos avisar de que mais uma manga de água vem na sequência com seu turbilhão de gotas grossas e assustadoras, enquanto o vento se encarrega de pintar o resto do quadro.
   Por outras vezes ainda, uma chuva grossa e insistente perdura horas e nos trás o recado de que ali adiante, não muito longe, rios irão transbordar trazendo água para todas as baixadas numa enchente incontrolável, desalojando pessoas, invadindo casas e destruindo muitos pertences, onde boa parte da gente que mora ali, já tem tão pouco. Mesmo tendo sol depois deste chover insistente, o cenário não se alegra porque o estrago se mostra proeminente.
   Chuva. Tão boa e tão má. Mas necessária para o ciclo dos dias se transformar em resultados que a natureza desenha. Ela precisa da chuva para se mostrar em seu melhor estado, florescendo e florindo tantas plantas e árvores que hibernavam na expectativa deste acontecimento. E mais uma vez este ciclo se inicia, exuberante e frondoso por ter recebido chuva.
   Eu muitas vezes estive intrigado em saber por que a chuva geralmente pinga em gotas iguais. Toda a chuva que cai, chega a nós em gotas de tamanho uniforme. Eu pensava: "Mas se é a nuvem que se desfaz e desce, como podem as gotas ser todas iguais?" Quando é chuva grossa, média ou fina, sempre os seus pingos serão do mesmo tamanho. Então fui pesquisar e fiquei mais fascinado ainda com a natureza. Pois, a chuva quando se forma no desmanche de uma nuvem, devido à resistência da atmosfera vai deixando a gota chata na parte de baixo, e esta parte baixa vai formando uma cavidade para dentro da gota gigante, repartindo-a. E quanto mais do alto a chuva cai, mais finos são os pingos de chuva por causa da resistência atmosférica. E por este motivo, todos os pingos de uma chuva tem o mesmo tamanho.
   Aprendi que pingos finos se formam a partir de nuvens altas e pingos grossos se formam a partir de nuvens baixas. E o mais interessante ainda, é que aprendi que muita chuva quando cai evapora muito antes de chegar ao solo. A natureza é muito interessante e sábia. 

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Pequenas Mentiras, Meias Verdades: Veículos de Antigamente



 Veículos de Antigamente.

   Eram uma vez os tempos onde poucas pessoas viajavam. Principalmente por causa das dificuldades de se tomar uma carona ou embarcar num ônibus.
   Os ônibus eram raros e só raras vezes atravessavam a colônia. Quem então precisava pegá-los, tinha que se preparar para perder um bom tempo com conversa fiada em frente às paradas de ônibus. Quem viajava para a cidade, tinha que ficar sentado ou de pé no ônibus de duas a três horas até que ele chegasse lá cheio de vida e cheio de grandes negócios.
   Na época existiam os homens que viajavam quase toda a semana. Eles já tinham começado seus negócios e ir para frente só com estes negócios e a boa vontade era difícil. Muito era feito então... debaixo das cobertas, na maciota.
   Naqueles tempos as pessoas também pagavam as passagens para ida e volta. E assim, os passageiros tinham que saber como eles preferiam as passagens.
   Sempre que possível, viajavam a Ida e a Rosalina, sua irmã. Um dia elas chegaram na rodoviária de São Leopoldo e lá tiveram que enfrentar uma enorme fila. Quando, finalmente chegaram na sua vez, o vendedor de passagens perguntou:
   - Vocês querem passagem de ida e de volta, ou só de ida?
   Ida, não entendendo direito, achou que ele falara 'Ida' e 'Olga', respondeu:
   - Não! Para a Ida e a Rosalina. Nem conheço a Olga.
   O vendedor só fez que não com a cabeça e providenciou duas passagens de ida e volta,
além de perder vários minutos para explicar como funcionava o negócio das passagens. A Ida então olhou atravessada para a Rosalina e disse para o vendedor, como se não quisesse nada com nada:
   - Então está! Faça as passagens como deve ser. Como já estavam prontas, o vendedor as entregou e as duas saíram dali reclamando do mau atendimento. Coitado do vendedor!
   Por outro lado, os veículos antigos eram construídos com madeira. Era o motor com o chassis e em cima tudo feito de madeira. Só os abastados tinham condições de ter um.
   Os ônibus, também de madeira, tinham um corredor comprido cheio de bancos e não tinham janelas, só um teto de lona. Era a madeira que segurava o teto, e por meio de cada moldura em cada fileira de banco se podia ver uma pessoa sentada para admirar a tudo.
   Então, nas barras que seguravam o teto, tinha uns ganchos para os passageiros pendurarem suas guaiacas (espécie de saco duplo) de pertences, que ficavam durante toda a viagem pendurados balançando.
   E um ônibus cheio de passageiros era bonito de ver porque os ganchos estavam sempre cheios de guaiacas. As pessoas do interior, ao ver o ônibus passando, apontavam admiradas para estas guaiacas dizendo:
   - Olha só! Lá viaja o pessoal da cidade com seus sacos pendurados para fora!
   Também existiam os velhos carros que tinham o para-lamas da frente saliente e o de trás também, e assim protegiam a porta lateral do barro das estradas. Eram mais ou menos como eram os fuscas, com o para-lamas saindo pra fora do resto do corpo do carro. A proteção sempre funcionava bem. Só, às vezes, tinha carros com buraco carcomido pela ferrugem nestes para-lamas. Então, quando passavam pelas estradas lamacentas, juntavam pelo buraco para o lado de cima uma bola de barro, logo perto da porta.
   Muitos deboches sempre eram feitos a respeito disto porque isto ficava muito engraçado. Então as pessoas diziam:
   - Gostam tanto de nosso barro que estão levando amostra com eles!

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

As Máximas de Bere - Pensamentos, Reflexões, Verdades

  Pensamentos de Bere que foram postos em cartas escritas há anos, ou mais recentes deixadas escritas em algumas pastas do seu notebook. Bere faleceu em setembro de 2013, mas deixou este legado maravilhoso de ideias que fazia sobre a vida, o dia a dia e o amor.











quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Hora da Faxina: Mundinho das Crianças



Mundinho das Crianças

   Eu fico impressionado com a inteligência das crianças. E, parece que quanto mais se evolui tecnologicamente, tanto mais cedo as crianças criam uma forma de se expressar que nos faz sentir e pensar em como ela chegou neste resultado. Acontece que ela está cercada por um mundo de informações massivas, de onde ela na sua simplicidade, consegue tirar a ideia do que falar.
   Sempre achei errado em fazer uma criança frequentar diversas atividades extra-curriculares para engrandecer em conhecimento. Muitas vezes elas fazem isso contra a sua vontade, pois estão somente lá para alimentar o ego dos pais, que gostariam que seu filho, sua filha fosse pianista, pintor, falasse várias línguas, dançarina, fera em informática, e por aí afora. Existe um leque tão grande de opções que são oferecidas para os pimpolhos, que muitas vezes os pais ficam envolvidos com as ofertas e matriculam seus filhos sem saber a opinião deles. Mas, como escrevi, acho que os filhos devem escolher o que gostariam de aprender fora da sala de aula. Pois assim, ela vai se dedicar com mais interesse e realmente vai aprender o que está sendo ensinado a ela. Quando forçada, ela vai aprender mecanicamente o essencial que lhe é passado por quem ensina, mas pela sua falta de interesse no assunto, não vai evoluir no aprendizado. Vai somente saber fazer o que quem ensina lhe passou.
   A inteligência de muitas crianças por vezes ultrapassa a de certos adultos. Porque a criança usa a lógica do seu mundinho para formar sua opinião, enquanto adultos muitas vezes tentam dar sua opinião repassando ou que outras pessoas disseram, e que elas acharam bacana. Não por compactuar com o total raciocínio de quem criou a ideia, mas por acharem que desta forma impressionarão a quem estiver lhes ouvindo. Na verdade é um tiro no pé. Porque formulando ideias de terceiros fica difícil argumentar sobre perguntas inevitáveis que surgirão dentro do tema. Enquanto que a criança, por ela já ter feito a definição dentro do seu mundinho, vai saber argumentar com propriedade o que será perguntado referente ao que ela comentou.
   Um ponto importante é que nós adultos, estejamos sempre prontos para ouvir os argumentos de nossas crianças. Pode ser o assunto mais banal, mas que para aquele momento, era o assunto mais importante da vida daquela criança. E elas nos inquirem em qualquer circunstância, a qualquer hora, pois sua avidez pelo esclarecimento é instantânea. Meia hora depois de sua dúvida surgir, pode ser que ela já perdeu o interesse e não vai mais querer que explique. Por este motivo, a importância de poder atender sempre que possível os anseios delas, esclarecendo suas dúvidas.
   Falando em inteligência infantil, seu mundinho, me lembrei da história da Clara, menina de seis anos de idade, que estava na missa com sua mãe, acompanhando tudo atenta, quando durante o sermão o padre falou sobre morte, ressurreição, paraíso, céu, enfim, sobre a alma. Clara, impressionada, perguntou cochichando para sua mãe:
   - Mamãe, o padre só falou da alma. Mas eu gostaria de saber onde está esta alma?
   - Está dentro de nosso corpo filha. E quando morremos, ela se liberta do corpo e vai para o céu.
   Clara ficou pensativa... Como quem está ordenando as ideias no pensamento. Depois, num rompante, perguntou, ainda cochichando:
   - Mas mamãe, se a alma se liberta do corpo, o que acontece com nosso corpo quando morremos?
   - Ele vai para o cemitério e lá vira pó.
   - É? Então não vou mais dormir em minha cama. - Disse Clara preocupada. A mãe perguntou:
   - O que o cemitério tem a ver com tua cama?
   - Com minha cama nada. Mas embaixo dela está cheio de corpos porque lá tem muito pó.