segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Conto - INCERTEZAS...

      

                 Incertezas...
Foi numa daquelas vezes em que o Sol realmente não sabia se estava anêmico, doentio, ou se simplesmente eram as nuvens a embaralharem mais uma de suas esplendorosas aparições de meio-dia, que uma garota meio estúpida, a Bea, se encontrava no restaurante satisfazendo seu estômago exigente. Devorava um prato de “completo” em cinco minutos. Claro, um pouco de razão ela tinha, pois aquele restaurante só possuía quatro mesas (hoje ele está melhor: possui cinco) e o pessoal lá fora esperando, devorava as pessoas que devoravam a comida, com palavrões. Não adiantava fazer devagar: se não comessem ligeiro, perderiam o apetite.
Bea pagou a conta e saiu. Saiu com o grude mal mastigado, tanto que se enxergava a bola por fora. Mais tarde eu ficaria sabendo que aquilo não era o estômago de Bea, mas, que na ocasião ela realmente se encontrava grávida. Grávida? ...Um rapaz loiro a esperava. Era seu irmão, o qual provavelmente a levaria ao serviço. A família só possuía um carro e a única pessoa que dirigia era Fausto, irmão de Bea. Ela não era uma garota muito linda, nem sequer agradável, nem tampouco inteligente, mas eu necessitava conversar com ela. Era a única que mexia com meu eu, que me balançava, e por inescrupulosidade do destino, a amava. Eu?!? Que vivia sonhando com rainhas...
Passava sempre na frente do restaurante quando voltava do almoço e sempre a via  saindo com o grude a mostra.
Havia algumas semanas que a conhecia de vista. Por conversas e fofocas, já a conhecia há mais tempo. A mesma cena se repetia na hora do almoço todos os dias e eu até já me acostumara ao seu jeito desleixado de ser, cabelo desalinhado e barriga à vista à saída do restaurante. Mas, eu, mesmo louquinho para iniciar uma conversa com ela, não via um jeito de chegar perto dela e iniciar essa conversa. Assim, para me aproximar dela, levava sempre um bilhete comigo, o qual dizia o seguinte:
“NÃO HÁ Ó GENTE,
Ó NÃO SEREIA,
COMO VOCÊ,
Ó QUERIDA BEA! ...ESTOU INTERESSADO EM  MANTER UM CONTATO IMEDIATO COM VOCÊ!
COMO SOU? ORA, UM FO-O-O-O-O-O-FO!
VOU ESTAR HOJE À NOITE NA PRAÇA DA IGREJA. ESPERO VOCÊ!”
Eu acreditava que este bilhete era bastante convincente. E num dia de chuva, deu certo de passar o bilhete para Bea através do guarda-chuva que ela deixara na entrada do restaurante. Aproveitei a oportunidade quando vi ela largando seu guarda-chuva lá e joguei o bilhete dentro dele, sumindo de mansinho. E, com o convite lançado, esperei ansiosamente por um encontro a sós com ela.
A noite chegou, a madrugada apareceu, mas Bea não se fez presente ao encontro. A partir daquele momento não tive mais calma e me atordoava saber o que ela pensara daquele inusitado bilhete.



                **************



Depois desta primeira tentativa, por sinal muito frustrada, encontrei um caminho bem melhor: explorar o campo do seu emprego. Ela trabalhava numa lojinha de moda infantil. Adroaldo me dissera isto. Fui lá, numa sexta de tardezinha. Entrei. Lá estava ela: linda, melhor, deslumbrante! Eu era aficcionado naquele cabelo rebelde, mal-cuidado, ornando aquele rosto angelical. E, seu jeito elétrico de ser me excitava. Disfarçadamente, comecei a olhar os produtos nos cabides e,
- ...Pronto?!?
Virei-me pois falaram às minhas costas. Desilusão! Não era Bea. Quem dissera aquele “pronto” provavelmente devia ser a mãe da dona da loja. E,
- Eu, ...hã... eu... áh! Eu queria ver por um vestidinho para, ...hã, ...minha afilhada, e,
- Ora, mas que bom! Que bonito, lindo mesmo! Nós temos vários tipos de marcas e modelos para todas as idades, em todas as cô, áh, ...qual é mesmo a idade da afilhada, já lhe perguntei? Temos todas as cores e formas e,
- Mas, ...
- Cavalheiro, siga-me. Aqui adiante temos uma seção para cada idade, modelos maravilhosos,
- Mas, ...
- Qual é mesmo a idade de sua afilhadinha?
- É, ...
- Não me contou ainda, não?
- Mas, ...
- Olha só este aqui, que mimo! Cai muito bem! Mas, a idade dela é?
- Hã, é... seis anos. Isto, seis anos!
- Ora, ora, começando a criar inteligência! Precisa de algo personalizado. Venha comigo, moço.
- Mas, eu queria,
- Ora, ora, já estamos chegando. Ela precisa algo personalizado como este vestidinho aqui. Ou, que tal, este aí adiante. Ou, quem sabe, aquele lá.
- Mas, ...
- Você é um dindo de sorte. Achei o modelito certo para ela.
E já foi tirando o vestidinho verde-água do cabide, abrindo-o e me mostrando os detalhes.
...A vendedora me envolveu tanto com seu papo profissional, largo e ligeiro, que acabei comprando um vestido caro para uma criança de seis anos e ao mesmo tempo, nem consegui olhar para Bea. O maior problema após sua aquisição era o  que fazer com ele? Não ia botar fora um vestidinho novo, verde-água, o qual me comera a grana de um dia de trabalho. Por fim, acabei doando-o a uma instituição de caridade pertinho de casa, onde as freiras cuidavam de crianças carentes em sua creche.



                ***************



Entrei quatro vezes em um único mês naquela loja comprando presentes para minha afilhada fantasma de seis anos de idade e Bea nenhuma vez me atendeu. Os cálculos das probabilidades não contribuíram uma vez sequer. Com todo este compra-compra, deixei feliz a vendedora-vovó, a qual disse que eu devia adorar minha afilhada lhe oferecendo tantos mimos, e a instituição, onde uma freira perguntou o motivo da promessa que estava pagando. Simplesmente lhe respondi que estava pagando uma promessa de amor que havia acontecido e que aos poucos estava se concretizando.
Finalmente, um dia, porém, deu certo. Entrei na loja e Bea me atendeu. O mundo caiu sobre mim. Nem estava conseguindo encará-la direito. Por fim, perdi toda a segurança porque ela realmente estava grávida. Não pelo fato da gravidez em si, mas porque certamente haveria outro em sua vida. A aliança na mão direita confirmava-o proeminentemente. Poderia até ser um disfarce, contudo, sempre vaga no ar aquele “se”. E, já que minha estrutura muscular não configura um exímio lutador, não procurei me envolver muito, afinal seu namorado podia ser um brutamontes daqueles de jogar porta afora qualquer um que bancasse o ignorante frente a sua noiva.
Enquanto Bea ajeitava as roupas ns cabides, sem olhar para mim, perguntou:
- O que você deseja?
- Eu desejo... olha, na realidade, eu desejo só fazer uma pergunta...
- Pois não? Qual é a pergunta?
- Sobre um bilhete que seu noivo me contou... – Atochei para ver sua reação. E ela enfureceu:
- Que bilhete???
- Ora, um bilhete que um atrevido andou lhe escrevendo e escondendo dentro do seu guarda-chuva. É verdade?
-     Jordão não tem jeito mesmo. – Pensativa. – Paspalho! A língua dele é mais solta que cachimbo em boca de desdentado. Poxa! Só o Jordão mesmo! Por que esse imbecil precisa ficar espalhando por aí as coisas que se passam conosco? ...Quer saber de uma coisa?
- Hã?
- Mas quer saber mesmo?
- O que?
- Não te mete, tá?
- Calma, Bea, calma! Você me deu licença pra fazer uma pergunta e eu somente a fiz, e,
- Vá para o diabo com sua calma e suas xeretices!
- Uau, que menina braba você é! Eu não quis ofender.
- E eu não quis responder! ...Só que bati com a língua nos dentes.
O clima estava tenso, mas eu não quis acabar esta história assim. Sentei-me num banco com degraus e continuei encarando Bea. Pensei: “Poxa, persigo esta garota há dois anos e não vou deixar me intimidar.”
Bea, por sua vez, virou-se de costas para mim e começou a remexer as roupas à frente dela. Eu queria saber em que condições ela ficara quando achou aquele bilhete e com toda esta explosão, já deu para concluir algo: o bilhete mexera com ela, colocara ela em parafuso. Em seguida, Bea afrouxou um pouco, indicando certo remorso pelo destrato anterior:
- Sabe, - pensativa, fitando o forro da loja – não há nada mais bacana do que um cara gostar da gente, nós ficarmos sabendo que tem alguém de olho, e não sabermos quem é. Após ter recebido aquele bilhete, eu não cansava de imaginar como poderia ser o rosto do atrevidinho.
- Como assim?
- Ora, ele se autoproclamava de fofo... melhor, foooofo!
Naquele instante vermelhei feito um pimentão. E ela, com o olhar para o infinito entre o forro e as roupas continuou:
- Ah, o cara chamando a si mesmo de fofo só para eu cair na conversa dele... Devia estar muito a fim de mim para correr o risco... Eu deveria ter aceito aquele convite e ver no que dava, afinal, o Jordão só é o pai do meu filho e as circunstâncias fizeram com que parecêssemos noivos.
Por dentro eu estava me corroendo de vontade em chegar perto, abraçá-la e dizer: “Larga do Jordão, Bea. Sou eu quem estou apaixonado por ti e ajudo a criar este filho que está esperando como se fosse um filho meu!” Ela era muito linda: olhos negros, melhor, pretos, cintilantes, penetrantes, brilhantes! Nunca vi um olhar igual em toda a minha vida: duas contas reluzindo e refletindo toda a energia do fundo de sua alma. Me apaixonei mais ainda. E, como para quebrar o encanto do momento, ela reagiu:
- Bolas! ...Por que estou falando tudo isto para você? Cai fora! Não vendo sentimentos aqui, só roupinhas para crianças!
- Bea, eu,
- Cai fora! Se não quer comprar, não tem nada a perder aqui.
- Espera! – Alterei a voz. – Vai ter que me escutar.
- O que foi agora? Decidiu-se em comprar mais um vestidinho para sua afilhadinha de seis anos?
- Não! ...É que... eu,
- Vamos, fale de uma vez por todas!
- Fui eu quem escreveu aquele bilhete porque sempre achei você uma pessoa especial e, sinceramente, estou a fim de você.
- Grávida? ...há, há, há, isto só pode ser uma piada. Quem ficaria a fim de uma mulher grávida não sendo o pai da criança?
- Eu! ...Bea, acredite, sempre fui apaixonado por você, grávida ou não, sempre quis você.
- Meu amigo, chegou tarde! Já tem outro ocupando a trincheira e ele com certeza não gostaria de saber de sua história.
- Então diz olhando em meus olhos: “Eu amo Jordão!”
- Pra que? Ele me engravidou, agora vai ter que arcar com o futuro da criança.
- E você, como fica?
- Em que sentido?
- Ora, você não ama ele, pelo que pude notar.
- São detalhes.
- Detalhes que podem custar caro para sua felicidade.
- E quem liga para isto? ...A felicidade é ter um prato de comida, um teto e um pacote de fraldas descartáveis. O resto se acomoda...
- Bea!!! ...Não acredito que esteja falando isto. Você está completamente fora de seus sentimentos! Onde fica o amor, o carinho, a paixão?
- Se você souber, me diz!
- Estes sentimentos todos ficam no que eu desejei pra você, independente da gravidez, independente de o Jordão amá-la ou não, independente de qualquer coisa, eu estou aqui, abrindo meu coração.
- Como é seu nome?
- Rubem.
- Olha, Rubem, se tentou me desestabilizar, conseguiu. Fiquei toda transtornada. Afinal, o Jordão só é o pai do meu filho e eu não tenho nenhum sentimento por ele. São seus pais que estão forçando a barra para ficarmos juntos. De minha parte, foi um acidente terrível, inesperado, e com o qual agora tenho que arcar as consequências. Mas fico feliz em saber que tem pessoas que me admiram e que estão a fim de mim.
- Que bom! Está sendo sensata.
- Não, estou completamente fora de mim, não sei o que pensar... ...por que estou falando todas estas coisas ...por que tu não chegaste antes em minha vida? Por que só agora?
- Porque nunca houve a oportunidade, Bea. Já estou observando você há pelo menos um ano, e nunca tive o prazer de ter esta conversa com você, como a que estamos tendo.
- Por que?
- Porque tu não vais a bailes, não frequentas as baladas e não estás nunca por aí. Só aqui na loja a gente consegue te encontrar.
- Pior!!!
- Posso te pedir uma coisa, de coração?
- Pode, Rubem!
- Reconsidere toda a sua vida e saiba que, mesmo com tudo o que possa acontecer, sempre estarei aqui, pronto para ampará-la.
- Obrigada! ...É gratificante receber uma força assim, inesperadamente e grávida.
- Vem cá! – Disse incisivamente chamando Bea para junto de mim. Quando se aproximou dei um abraço caloroso, carinhoso e pedi mais uma vez para ela reconsiderar sua relação com Jordão. Bea me abraçou com tanta energia que senti seu coração pulsando dentro do meu. Estremeci. Ela tinha que ser minha, custasse o que fosse!
Saí da loja aliviado e com uma pontinha de esperança em poder reverter este amor fugaz no que se metera o casal. E Bea, por sua vez, mesmo não tendo falado nada sobre a impressão que tivera a meu respeito, pude constatar alguma reciprocidade em nossa química pelo olhar que ela me lançou quando falei que estava a fim dela e pelo abraço apertado que me deu quando a tomei em meus braços.



                ********



Dois dias depois de incontáveis sonhos com Bea, encontrei Adroaldo num bar. Estava chovendo e ele se encharcando com cerveja. Vi logo não haver ambiente par debatermos o caso Bea-jordão. Mas, como era inevitável  naqueles momentos de embriaguês, Adroaldo desembuchou tantas farpas sobre sua esposa, que aos meus olhos, só lhe sobraram as unhas dos pés. Reclamava sobre seus vestidos, seu cabelo, seus olhos, suas graxinhas-a-mais, aqueles fiozinhos pretos entre o nariz e a boca, seus sapatos, seu modo de ser, seu perfume, seu... até reclamava sobre  seu excesso de sensualidade naqueles momentos, pois o faziam ejacular sempre antes de qualquer carinho mais profundo.
Adroaldo nunca me falara sobre este seu problema. Eu pensava que ele, um homem tão viril, levasse uma vida sexual normal. Mandei-o visitar um psicólogo, ao qual ele retrucou severamente:
- Sabe, um caso destes se resolve na marra. Neste mundo quem tem mais problemas são justamente os psicólogos: os problemas dos outros... De todos os outros! E ele só vai considerar o meu caso, um probleminha a mais de rotina.
- Não, Adroaldo, não é assim! Você está completamente errado. Os psicólogos agem bem diferente...
- Não? Então... então veja o que aconteceu com o coitado do Jarbas: tá tão complexado que nem pisca mais para as garotas, muito menos, puxa assunto com elas.
- O Jarbas é um cara inibido, ensimesmado, mal de nascença...
- É psico, ...hã... psicologuite aguda!
- Mas qual problema ele tinha que foi se consultar
- Não foi consultar-se; foi visitá-lo e acabou se engatando nele. E... sua mãozinha caiu.
- O Jarbas? ...quer dizer que ele é gay?
- Sim, isto mesmo! Ele é! Cuidado, para ele, todos somos, uih, - fez um trejeito, - hommmens!
- Agora está explicado: aquela festa no Parque Centenário... foi o único da turma que não arrumou companhia.
Ele dizia a todos que estava muito ocupado com a nova amizade que fizera recentemente... E era com outro cara! Caramba!
    - É! Ele definitivamente debandou.



                     ***************




Larguei Adroaldo na porta de sua casa. Queria certificar-me de que ele chegaria inteirinho e no lugar certo: seu lar-doce-lar, com o intuito de, no dia seguinte, levar o caso Bea-Jordão a término.
Assim que ele entrou, sua mulher já gritou:
- Bêbado de novo?
- Não, amor, só tomei meia dúzia, e...
- Gambá! Você não tem jeito mesmo!!!
- Pára, amor, não judia!
... E a briga começou.
Antes de ir embora, pude constatar que ele não sairia inteiro daquela briga, tamanha foi a zoieira. Era xinga pra cá, gritos pra lá, berros por cima, copos por baixo se estraçalhando no chão, enfim, quebradeira geral.
...Realmente uma cena que colocou-me à prova a veracidade dos casamentos eternos. Escutei um pouco o fuzuê e fui-me embora.



                ***************



Fim de semana. Cristina, a Cris, estava sentada, vestida com seu curtíssimo short e sua decotada blusa na sorveteria do Alexandre. O sorvete descia-lhe goela abaixo feito avalanche. Estava um dia quente. Resolvi fazer-lhe companhia:
- Se puder, gostaria de ter a honra em sentar-me ao seu prestimoso lado. Não falarei, contentar-me-hei em admirar seus encantos, tão a mostra!
- Ora, ora, que cavalheiro! Tenha a bondade, faça-me o favor! A donzela aqui, tá só no frio... mais só do que frio!
- Óh, sim! Com sua licença... Permita-me madame!
- Esteja à vontade!
Sentei-me no banco ao seu lado. Rimos juntos. E, Cris:
- Sabe, é tão bacana hoje em dia não haver mais todas                         aquelas formalidades de tratamento. Eu, pelo menos, penso que é muito mais direto e objetivo tratar os outros por você e tu; pô, acaba na família, manja?
- Claro! Geralmente um tratamento mais distante... o senhor, senhorita...
- Prezado cavalheiro...
- É! Deixa a gente tão frio, não liga, não dá intimidade.
Nisto veio o Alexandre para junto de nós:
- Sorvete de...
E eu para Cris:
- De:
- Morango e creme.
- Dois! Um com quatro bolas.
- O meu, só com duas bolas! – E olhando atrevida para mim – Só preciso de duas bolas, mais, não! – Sussurrando: - um monte de bolas atrapalham em tudo!
E desatou a rir infantilmente. Eu ri junto. E Alexandre:
- Salta dois morango e creme para a mesa sete! Um duplo!
Tomamos vários sorvetes e rolou muita conversa na temperatura dos mesmos.
- Quando cheguei em casa já era tarde, mas antes de ir dormir pensei em Cris. Ela era uma garota linda, educada, maliciosa, curvas indescritíveis, embora seu nome encaixava mais num gigantesco iceberg. E, por inescrupulosidade do destino, a amava. Eu?! Que só sonhava com formas fogosas e ardentes... as dita-cujas mulheres quentes! Agora, simplesmente porque tomara sorvete com ela, meu fogo do coração e da paixão novamente se inflamava. Mas, eu tinha motivos para sentir tudo isto, pois, nas três horas em que ficamos juntos na sorveteria, só não rolou beijo porque ela era meio desatrelada a sentimentos. Pelo menos era isto que eu pensava. No mais, tivemos um papo muito cabeça, daquele tipo onde se perpassa todos os assuntos e onde nossas opiniões fecharam na maioria das vezes.
Eu já havia me encantado por Cris há mais tempo, mas, frente aos últimos acontecimentos com Bea, fiquei completamente perdido. Mas, como certamente a Bea seria parada dura para conquistar, resolvi investir em Cris.



                ***********



Cris e eu havíamos combinado um encontro na praça da Igreja sábado à noite.
Enquanto a aguardava, me apareceu, sem mais nem menos, o Jarbas. Másculo e debochante, proferiu:
- O ilustre companheiro de guerra deve estar batalhando por mais uma donzela.
- Ora, parece então que somos dois – respondi.
- Quem sabe!
- Posso saber o nome da beldade que lhe fará companhia esta noite? – arrisquei. Ele respondeu encabulado:
- Ora, ora! ...Que diferença isso faz?
- Ora, ora o que? Pode me dizer quem ela é! Ninguém vai ouvir. Fica entre nós!
- Para ser franco, Rubem, estou aqui só para passar o tempo – sentou-se ao meu lado – mas se você quiser, ... – Amenizou e afinou a voz; pegou no meu joelho, e ofegante me encarou e começou a piscar os olhos fremitamente; seu olhar ficou provocante, digo, efeminadamente provocante. Me vi numa enrascada. Ele, meigamente, continuou:
- Se quiser, pode preencher o meu tempo com toda a certeza e eu posso preencher o seu e...
- Corta essa, Jarbas!
- Calma, eu...
- Olha, Jarbas, se há no mundo alguma coisa que abomino é catinga de homem erotizado, tá legal?
- Calma, ‘men’, eu só estava pensando e,
- Pois pensou tudo errado ao meu respeito! Não tenho nada contra, mas eu não sou chegado a este tipo de relação. Prefiro ainda do jeito como sempre foi: a relação entre os homens e as mulheres.
- Óh, o boneco está ofenso! – E afinando mais ainda a voz – Alguém já te falou que teu charme é con-ta-gian-te, bem?
- Já, já! Mas todas eram garotas. Entenda bem: GA-RO-TAS!
- Ái, áih! Que booooofe! Estou su-fo-ca-da com este teu papo  grannnde e groooosso de hommmmão...
- Jarbas, por favor, minha paciência está se esgotando!
- Jirbana, bem, JIR-BA-NA!
- Faz um favor então, Jirbana: desgruda, sim? Não quero bater boca com você, afinal esta é uma opção sua e se você se sente bem assim, vá à luta. Mas não comigo, tá? Procure uma companhia que o aceite como é.
- Noooossa, tá botando moral na rodada! Senti firmeza, bem! Mas, eu,
- Nem mas, nem mais, nem menos, Jirbana! Olha quem vem chegando! Cai fora Jarbas, aliás, Jirbana! Te manda que agora estou em outra e você está poluindo o ar com este sovaco de desodorante vencido.
- Óh, que crueldade! Sairei daqui, mas saiba que é pro-tes-tan-do por dis-cri-mi-na-ção!
- Vai, vai, cai fora!
- Calma, Rubem!
- Xô, xô!
Cris já estava bem perto de onde nos encontrávamos. O gay falou:
- Não seja rude comigo, tá? Já levantei e já estou saindo.
- Tchau, passar bem! – Disse-lhe num deboche escancarado. Ele respondeu sensualmente:
- Sonhe com os anjos, “benhe”! – Piscou e abanou em dedilhado. Acabou sumindo na escuridão, balançando as ancas como se fosse um marionete. Nisso, Cris agora bem perto, puxou a bolsa que trazia a tiracolo para a frente e sentou-se ao meu lado no banco da praça:
- Ufa, que chatice me soltar dos velhos! Tô atrasada, né? Que horas são?
- Dez para as nove, Cris; é cedo! Ainda temos bastante tempo para conversarmos.
- Isto é o que você pensa! Se a conversa for boa, agradável, o tempo não passa; voa, derrete!
- E vamos conversar sobre o que?
- Ah, qualquer assunto.
- Então começa você...
- Sim, sim...
...Depois de uma pausa, buscando as palavras para me dizer, olhando para as estrelas, Cris falou:
- Escuta, Rubem! Você... ...você já teve alguma vez verdadeiro amor, paixão, amor mesmo por alguma garota?
- Por que esta pergunta?
- Ora, porque é um assunto que dá o que falar!
- Bom, não digo que sim, nem que não! Pra mim o amor é uma coisa tão misteriosa, ao mesmo tempo real e visível, que muitas vezes nos confunde. Já fui louco por garotas que sequer sabiam  o que o amor significa (no mesmo instante lembrei-me de Bea e imaginei como seria se a tivesse ao meu lado naquele momento). Já desprezei, em outras oportunidades, garotas que seriam capazes de comer gilete por mim. Acredito que o verdadeiro amor surge no primeiro olhar e essa necessidade para se verem mutuamente, dialogarem, seja a química que faz este amor crescer. E isto faz um bem danado para o corpo e a alma.
- Boa explicação, Rubem. Mas, amor AMOR, pra mim é a polarização entre dois elementos distintos; veja bem, eu penso assim: entre toda a humanidade cada mulher e cada homem tem um polo. Parece incrível, né, mas acho que isto funciona assim. E acabamos amando de verdade, quando encontramos o polo que atrai com o nosso.
- É, você pode ter bastante razão; olha, tomemos o contrário: por que existem algumas pessoas com as quais não simpatizamos de jeito nenhum? São pessoas que aos nossos olhos parecem desagradáveis, insossas e metidas. Mas, na realidade, são pessoas boas, educadas com seus amigos, seus parentes e têm suas alegrias. São polos adversos! E nesse sentido, acredito, pode se aplicar o amor, assim como você falou!
    - Sabe, eu acredito que muitos casamentos não dão certo apenas porque duas pessoas se conheceram, acharam um ao outro interessante e tiveram a impressão de não existir ninguém no mundo mais capaz de fazê-los felizes, de completá-los. E casam. Ora, pode ter acontecido de se encontrarem polos meramente semelhantes, onde tudo vai muito bem por muito tempo. É claro que casamentos de dois, três, quatro, cinco anos e fim, é falta de preparação. Eu me refiro a casamentos de duração: dez, quinze, vinte anos ou até mais, que terminam na maior, de uma hora para outra. Cada um toma seu rumo, e maldizem o tempo que perderam nesta relação. Sabe o motivo de isto acontecer?
    - Ora, pode ser também falta de preparação, de conhecimento, Cris!
    - Não! Eu não acredito! O mais provável nesses casos é o negócio das polarizações semelhantes, mas não as devidas. Cuide só: porque as polarizações são semelhantes, vai tudo muito bem, e até pode durar uma eternidade. Pode até durar uma vida inteira. Mas, e sempre existirá aquele “mas”, se um dia, por descuido ,um pisar mais fundo no calinho do outro, descobrem a inexistência de afinidades em toda a complexidade do amor, da vida em comum, aí tudo desbanca. E este é o início de uma avalanche incontrolável. É o estopim. Dali para frente, só um passinho, por menor que seja, em falso e ...BUM!
    - Cris, você daria certo como psicóloga, sabia?
    - Há, há! Conta outra!
    - Não, é verdade! Sério! ...Que maneira sublime de explicar as nuances do amor, da vida em comum... estou gamado!
    - Ora, Rubem, eu só coloquei o meu ponto-de-vista. E ele pode ser bem diferente do seu.
    - Não, não! Neste ponto pensamos igual. A vida caminha com uma certeza pré-tracejada e acredito que tem a ver com os tais polos e afinidades.
    - E uma afinidade profunda é o mais gostoso de se ver num casal; repare uma vez, se conhecer alguém assim, como os dois são harmoniosos, cheios de trocas, palavras e toques, emoções... neles tudo é mágico, complementar. ...Ah, e os toques! Eles vivem trocando energia enquanto se tocam.
    - Como é bacana ouvi-la falando assim Cris! Isso me empolga!
    - Bom, até eu me empolgo. E falo, falo, falo tanto, que às vezes só digo frases soltas no ar, sem nenhum sentido.
    - Mesmo se assim o fosse, ainda seria melhor do que nos encontrarmos e não termos assuntos. Mas, realmente, você parece mestra em relacionamento humano.
    - Ora, conta outra! A verdade é que leio muito, adoro assuntos que giram em torno do relacionamento entre as pessoas, e vou tirando minhas conclusões.
    - Que, por sinal, tem tudo a ver, Cris. – Enquanto falava estas palavras, segurei firme a sua mão e a fitei nos olhos.
    Pouco depois, enquanto ainda me fitava, disse:
    - Sabe, Rubem, gostei do “estou gamado!” que você falou antes, foi sério?
    - Ora, e quem não gama com tudo o que falou?
    - Só com o que eu falei?
    - ...Adivinha!
    Um silêncio comprometedor tomou conta de nós dois por alguns instantes. Fitávamo-nos com olhares desejosos, tentadores. A pureza da sinceridade aflorava nas grandes pupilas castanhas de Cris. Ela tinha o dom de hipnotizar seus interlocutores somente com seu olhar fundo e franco. Enquanto nossos rostos se aproximavam para um inevitável beijo, ela disparou, num “flash”:
    - Rubem, você seria capaz de sentir um profundo amor por mim, com afinidade polarizada como acabamos de falar?   
Meu coração disparou desenfreadamente, palpitando em dose dupla. Fui pego completamente desprevenido. Para disfarçar fiz alguns trejeitos daqueles que dão a impressão de a gente estar se ajeitando no banco, porém, meus olhos traiçoeiros jamais se tornariam cúmplices no esconder das incertezas deste coração. Tentei argumentar para sair do embaraço, que visivelmente estava em meu semblante:
- Não sei por que me pergunta isso...
- Só por saber! E pelo jeito, te peguei completamente desprevenido.
- A... amar você?
- Sim, Rubem, no duro da palavra!
- Seria, claro! Imagine só: nós dois? Acho que seria ótimo! Mas, me diz você agora, Cris: E você, seria?
- Isto é uma cantada?
- Tome do jeito que quiser.
- Eu seria capaz, claro! A gente nunca sabe o que o futuro nos reserva. Pelo menos, nunca o censurei pelo incidente lá no supermercado quando nos conhecemos, e ainda não acredito que você tenha feito aquilo sem querer!
- Por acaso tenho culpa, Cris, se a barrinha de margarina escorregou de minhas mãos e foi cair justamente dentro da sua blusa? Ora, não foi por querer!
- Não sei, não! ...Me arrepiei de alto a baixo com aquela coisa fria descendo no corpo. E a desgraçada da margarina me ensebou todinha. O soutien novinho que estava usando ficou manchado de gordura e nunca mais saiu.
- Coitadinha!!!
- Quem prova não ter havido um bocado de malícia nisso tudo... Desconfiei a partir do momento em que você, com a maior cara de pau se prontificou a me ajudar a tirá-la.
- Cordialidade...
- Passou a mão. Isso pra mim foi curiosidade!
- Uma tentativa de amenizar seu furor...
- Degustando a minha ira com seus toques indiscretos!
- Só quis ajudar!
- Eu fiquei possessa! Sua sorte foi que eu, quando o vi, de cara simpatizei com você e assim minha ira se amainou.
- Bom... neste incidente você ao menos provou ser bastante temperamental.
- E você provou ser bastante atrevido e indiscreto.
- Objetivo e perspicaz!
- Nunca! – Mexendo o indicador diante de meu nariz – na-na-na, ni-ni-ni, nó-nó-nó. Malandro, aproveitador e muito indiscreto.
- Mas, eu fui discretíssimo! Nem sequer afaguei seu belo rostinho!?
- ...Agora que já passou bastante tempo, me responda: você fez aquilo de propósito, não foi?
- Não! Aconteceu!
- Assim como aconteceu o convite em seguida?
- Não, aquilo foi para torná-la mansa novamente.
- Que lindo, Rubem! Farei de conta que acredito!
- Cris, foi só um incidente. Mas, o convite, apesar de oportuno, foi de coração!
- E quem diria que você fosse de cara atacar o meu ponto fraco, convidando para tomarmos um sorvete!
- De morango e, ...
- Creme e, ...
- Morango!
Rimos. Ela envolveu meu pescoço com seus braços e suavemente roçou meus lábios com sua boca ardente, esperando uma iniciativa minha para revidar com um beijo caloroso. Mas, no momento em que seus lábios me tocaram, imaginei Bea me beijando, deixando-me completamente transtornado. Me senti completamente perdido na malha da paixão. Como poderia gostar de alguém diferente, mesmo sendo a Cris, se a Bea fora minha escolhida?
Revidei com um selinho, afaguei seus pernões malhados, coxas atléticas, pigarreei e para atenuar o assunto paixão, busquei voltar ao tema do supermercado:
- Cris, vou ser sincero com você: aquela cena do supermercado foi truta! Só quis me aproximar de você.
- Eu sabia!!! Atrevido!
- Mania de fazer novas amizades...
- Oportunista,
- Simplesmente um natural forçado!
- Aproveitador de donzelas desavisadas,
- Sociólogo!
- E malandrão! Não, ...doce malandrinho!
- Tudo são oportunidades.
- Se ao menos tivesse deixado cair uma das margarinas mais caras, mais finas.
- Aproveitei a situação: é agora ou nunca e... zás!
- E foi!
- Um “Por Acaso” bem planejado.
- É, por acaso!
- Foi aquela curtição!
- Sim, curtindo com a minha cara, isso sim!
- Não, Cris, foi a vontade em tê-la perto de mim.
- Oportunista!
- Não, especialista! Especialista em conquistar belas garotas.
- E ganha todas?
- Noventa por cento.
- É?
- Sim! Vou à luta com vontade!
- Menino levado.
- Eis a nossa afinidade!
- Desafina um pouco, Rubem: eu até que sou bem educadinha...
- Aqui está nossa afinação: somos educadinhos!
- Ééé! Vou concordar para não perder um amigo.
- Topas?
- Só depois dos quarenta.
Rimos. Após algum tempo de silêncio comprometedor reiniciei o assunto:
- O que houve com seu pai e sua mãe? Não quiseram deixá-la vir?
- É! Disseram que uma garota de família de dezenove anos, devia ficar em casa lendo história, arqueologia, romances, ba-le-la, morou?
- Um a zero para os seus pais!
- Um a zero para mim que soube desdobrá-los e lhe dar o prazer de minha companhia, aqui.
- Realmente, Cris, devo concordar com você. Mas, posso saber como isto foi possível?
- Com tato e papo!
- Hum! E eu entrei nesse papo?
- É lógico! Aleguei encontrar-me com um rapaz culto o qual me ensinaria toda a literatura ao vivo. E que isso aconteceria em lugar público, rodeados por muitos juízes e promotores a nos fiscalizar. Ficariam controlando o tempo e os nossos interesses.
- E o nosso atual interesse é?
- Creme e morango!
- Ora, ora, Cris! Não fala de outra coisa! Não tem outros assuntos?
- Tenho: sorvete, casquinha, cascão, todos cheios de creme e morango e uma cobertura de menta ou chocolate... áh, que delícia!
- Quer saber o que é delicioso?
- Quero! Diga para mim: o que é mais delicioso que sorvete?
- A sua companhia, Cris. ...De coração, sua companhia é muito gostosa, agradável e, ...sinceramente, não sinto o tempo passar.
- Uau! Sério? ...deste jeito vou me apaixonar por você!
- Calma, Cris, vamos primeiro satisfazer o seu desejo.
- Creme e morango lá no Ice Xande, que tal?
- Já que precisamos ficar em público conforme fez promessa aos seus pais, nada mal. Vamos?
- Se o cavalheiro me der a honra...
- É muita bondade sua, “mademoiselle”, dar-me a honra em poder acompanhá-la.
- Com açúcar e com afeto?
- Não! Com afeto e com açúcar.
Levantamos e saímos da praça.
A felicidade abrilhantava os nossos passos e fomos de mãos dadas até o Ice Xande. Senti prazer em caminhar ao lado de Cris segurando sua mão. Ao nos ver, Alexandre sorriu e de longe já saiu gritando:
- Saem dois duplos creme e morango, um com cobertura de menta e chocolate.
Nossa conversa ainda rolou muito sobre o amor, paixões e polos. Cris havia me mostrado outra dimensão no amor, que justamente é esta que une os apaixonados para sempre devido à perfeita polarização que têm entre eles.
Deixei ela na porta de sua casa e meia-noite já me encontrava em casa tomando um banho bem friozinho.
Cris me empolgara bastante com este encontro mais próximo que tivéramos e me maldisse por não ter beijado com toda a dimensão do momento na praça, aqueles lábios carnudos, sedutores e desejosos. Minha paixão por ela triplicou aquela noite. Ela era perfeita, ideal. Todavia, faltava-me sentir aquele ‘algo mais’, aquilo que mexe com a gente quando nos encontramos com pessoas que pensamos amar, e que só aconteceu quando encontrei Bea.



            *************



Duas semanas se passaram. Neste tempo, entrei na loja de Bea três vezes, onde só tive a oportunidade de ser atendido por ela uma única vez. No mais, comprei mais presentes para minha afilhada fantasma de 6 anos e por conseguinte as doações na instituição de caridade. Na vez em que Bea me atendeu, vi claramente sua satisfação em estar comigo pois não teve pressa em me liberar, muito diferente do que fizera comigo no outro encontro. Aquele brilho intenso no seu olhar me fascinava, me hipnotizava. Ela disse:
- Rubem, você de novo aqui?
- Sim, já estive duas vezes aqui e você nem me viu.
- Desculpe, mas todos querem falar comigo.
- Dá para notar. ...Como vai a gravidez?
- Nem me fala! Está uma fase difícil. Tenho muitos enjôos e todos dizem que forço isso para chamar a atenção. Mas não é! Eu ando muito enjoada, não consigo nem sentir de longe o cheiro de muitas coisas, principalmente o cheiro do Jordão.
- Sei como são estas coisas, Bea. Minha irmã passou maus bocados quando esteve grávida do Igor e quase se separou de meu cunhado por não suportar mais o cheiro dele. Isto é uma fase, logo passa.
- Espero que seja mesmo.
- Mas, me fala, Bea: desculpe a intromissão, mas pensou a nosso respeito?
- Pensei. E tudo que tenho a dizer é: é uma loucura! Você caiu do nada em minha vida e desarranjou minhas certezas apesar de eu não compactuar plenamente com elas. Nunca vi nenhum homem ficar a fim de uma mulher grávida! É uma utopia, não dá para acreditar. – E dobrando os braços em sinal de desafio: - Você é louco, Rubem!
- Francamente Bea! A gente não tem como decidir sobre as escolhas do coração. Só penso em você... estou a fim de você, sim, grávida ou não. Mas, vou ser paciencioso e esperar sua vida se resolver. Que nasça o nenê e veremos o desenrolar do seu relacionamento com Jordão.
- Você é louco, Rubem! Piradão.
- Sim sou! Louco por ti!
- Eu, ...eu ando muito confusa. ...Confusa mesmo! Esta gravidez não era para ter acontecido... Eu realmente tenho que deixar a vida andar para ver no que dá. Mas, ...não me espera muito animado pois nem o conheço para sair me atirando assim, na maior, em seus braços.
- Me responde com sinceridade: ao menos, foi com minha cara?
- Rubem, Rubem, Rubem... o que vou dizer? Ainda ontem nem o conhecia. Mas gostei de ti, sim. Você me inspira confiança, e isto é uma sensação boa.
- Bom, fico muito feliz em saber que pelo menos resta um fiozinho de esperança.
- É, pode crer! ...Uma mulher grávida disputada por dois homens! Há, há, há, isto daria um belo livro de romance. ...Mas, vamos falar sério. Quero conhecê-lo melhor. Precisamos nos encontrar para conversarmos e,
- Opa! Será que ouvi direito? – Atalhei.
- Sim, Rubem, ouviu. Eu vou tirar uma semana de férias no começo do mês que vem. Passa aqui na última semana deste mês e vamos combinar um dia para nos encontrarmos e conhecer-nos melhor. Que tal?
- Perfeito, Bea. Passo aqui mesmo. Mas, vê se você então me atende antes da vovó, certo?
- Combinado!
Peguei suas mãos com as minhas, apertei-as e senti uma troca de energia muito forte. Neste meio tempo ela chegou seu rosto perto do meu ouvido e sussurou:
- Obrigado pelo carinho, Rubem. Está me fazendo muito bem e teu cheiro não me enjoa.



                *************



Na semana antes das férias de Bea, combinamos nosso encontro que seria na sexta-feira seguinte, onde passaríamos a tarde no Shopping em São Leopoldo, e nos conheceríamos melhor.
O tempo para mim parou. Aquela semana seria uma eternidade.



                *************




Na Terça-feira daquela semana, perto do meio-dia, estava almoçando em casa, quando bateram à porta. Fui atender; era Adroaldo, esboçando um olhar estúpido e profundo:
- Rubem, ...fiquei sabendo de uma coisa muito desagradável!
- O que é?
- ...
- Fala, homem! – Desesperei. No silêncio nervoso dele percebi que não sairia dali notícia boa mesmo. Na hora pensei em minha família, mas Adroaldo falou:
- Sabia que a Beatriz, a tua pretendida Bea, era noiva de um tal de Jordão?
- Era, não; é! ...Êpa! Espera aí... ...aconteceu algo?
- Pior! Aconteceu! Ela era noiva! Esta noite...
- Fala homem!!! – Gritei.
- Calma, Rubem! ...Esta noite sofreram um acidente de carro.
- Fala, fala! E Bea?
- Calma, deixa eu contar! ...foi com o carro do pai de Beatriz; Fausto, o irmão dela, dirigia. Iam além de Beatriz, no carro, a mãe dela e o noivo Jordão. E,
- Quem morreu? Ou, morreu alguém? Fala!!! Pelo amor de Deus, Adroaldo, diga logo. Está me deixando angustiado!
- Espera aí! Deixa eu contar com calma!
- Fala!
- Eles iam no aniversário de uma tia de Beatriz em São Leopoldo. Quando desciam o morro da antiga Quimisinos, sabe, ali na Scharlau,
- Sei, sei, continua!
- E vinha atrás um caminhão carregado de canos. Ele veio perto e não conseguiu frear por causa do peso da carga, entrando na traseira do fuca. Jordão morreu na hora,
- Óh, não,
- Beatriz perdeu a criança e muito sangue. Estava grávida, sabia?
- Sim, sim, e?
- E está muito, muito, mas, péssimo mesmo no Hospital Centenário em São Leopoldo, na UTI. Está por um fio e não sabem se vai aguentar. Está todo mundo comentando e,
- Coitada da Bea! – Eu tremia como se estivesse com febre. Pensei no nosso encontro que estava marcado e enguli em seco. – E Fausto? E a mãe de Bea?
- Só se arranharam um pouco. O pior foi com Bea e Jordão porque sentavam atrás. Jordão justamente estava sentado no lado onde o caminhão tentou passar para não bater, pegando ele em cheio.
- E Bea, me diz: onde mesmo está internada?
- Na UTI do Centenário em São Leopoldo. Precisa de muito sangue.
- Sabe qual é o tipo?
- Claro. Como hoje minha praça de vendas foi em Sapucaia, na volta passei lá e doei. O sangue que precisam é B negativo.
- Pena, não posso doar. O meu é B positivo. Mas, vamos lá vê-la?
- Não adianta. Ela está em coma.
- Coma???
- Sim, em coma. Bateu com a cabeça e teve traumatismo craniano.
- Tem certeza que está em coma?
- Sim.
- E esta ainda! Pode acordar sem conhecer ninguém... pode ficar em coma anos a fio!
- Não é bem assim, Rubem.
Uma pausa se fez. Meu meio almoço empedrou no estômago e eu estava ofegante, com o coração querendo mais espaço. Cruzei os braços, respirei fundo e disse:
- Por que teve que ser justo a Bea? Agora que eu tinha uma grande esperança em me acertar com ela, está com a vida por um fio, quem sabe, sem volta... – Minha adrenalina estava no máximo de seu nível, minha voz ficou embargada. Completei: - Justo a Bea!
- Rubem, não seja tão pessimista! Tudo pode acontecer.
- Sim, Adroaldo, ela pode até morrer!
- Ih, sai pra lá com esta língua de trapo! Respeite ao menos o azar dos outros.
- Tá, tá, não se altere! Foi só o modo de me expressar. Tudo haverá de dar certo e tudo se arranjará. ...Quem sabe, ela voltará logo do coma, normal, sem sequelas!



            ************



Não demorou muito para toda a cidade ficar sabendo do acidente. Bea era bastante conhecida e todos a queriam bem. Tinha caído um pouco da moda quando engravidara, mas com o tempo, o pessoal foi acostumando, aceitando-a, como se tudo estivesse normal. Cidade pequena é fogo!
Bem, a noite não estava muito longe e Cris novamente iria se encontrar comigo.
No encontro ocorreu outro atraso como de costume, para “desdobrar os velhos”, como dizia, e Cris só chegou às nove e meia. Não fosse aquela paixão insegura, a teria mandado plantar batatas naquele mesmo instante em que ela, toda sorrisos, me encontrou.
Tinha ido ver Bea no hospital e eu nem sabia que as duas haviam estudado juntas. Cris estava muito abalada com o fato (assim como eu, mas não demonstrei) e a noite foi bastante monótona. Para dizer a verdade, foi um saco! Quando cheguei em casa, maldisse o encontro e fiquei matutando um bocado de tempo para ver se realmente existia polarização por Cris. Só fui dormir quando obtive a certeza. O amor é uma coisa tão incerta, que a gente procura arrancar dele todos os porquês. Quer-se ter tudo esclarecido com provas concretas e tudo pesadinho na balança. Já ocorreram casos de estar apaixonado um dia sim, um dia não e, no fim das contas, a balança sempre se equilibrava. É uma dúvida tão horrível que não aconselho ninguém a passar por isso. Mas, e sempre este “mas”, é a lei da relatividade. Não a de Einstein, mas sim, da relatividade do dia-a-dia: “O que deve ser, será!” Já dizia o poeta. Há ainda a suposição de Cris: dois gênios semelhantes podem se atrair anos, mas se não forem destacados, iguais, qualquer dia: BUM! Acontece a separação.
Nessa noite pensei muito em Cris, em seu jeito de ser, em seu perfume, em Bea e sua terrível situação em coma e em minha atual situação a respeito de amores. Tudo era um mar de incertezas...



                ************



Passaram-se alguns dias. Cris e eu continuávamos nos encontrando, porém menos frequentemente, e, por enquanto, sem assumirmos compromissos mais profundos. Bea continuava recebendo bê negativo e ainda estava em coma. Eu ainda não tivera coragem de visitá-la. Os médicos diziam que ela não resistiria. A expectativa era geral.
Como o calor e o movimento no Ice Xande aumentaram, Alexandre colocou uma garota a trabalhar com ele. E o movimento aumentou muito mais... Por que? Bem, a Bida, como a chamavam, era a nova contratada da sorveteria e era da mais formosa compleição criada pela natureza: era ela correndo de mesa em mesa, atrás do balcão e do balcão para as mesas, balançando aqueles seios enormes, deixando engasgado todos os seus frequentadores. Além disto, Bida possuía um cabelo lindo, alinhado, deixando aparecer bem o rosto cor de sorvete-de-coco-queimado; pernas compridas ofereciam-lhe uma altura avantajada e um bumbum bem arrebitado demarcava o trajeto de sua tanga fio dental. Seus olhos eram uma espécie de varilux: de dia eram mais verdes e à noite eram mais azuis. Meio loira, completava-lhe o rosto um par de covinhas discretas nas bochechas, quando sorria.
Levei tantos beliscões de Cris por causa de Bida, que cheguei a crer firmemente num traço comum em nossa polarização: quando bate o ciúme é porque o amor já se instalou. Nosso relacionamento começava a se tornar especial.
Voltando à Bida, ela era linda, boa de corpo mas totalmente desprovida de pensamentos e brilhantismo. Isto se via pelo modo como respondia às perguntas dos frequentadores do Ice Xande. E, por inescrupulosidade do destino, a amava. Eu?! Que só sonhava com garotas cultas, geniais, inteligentes!!! Maldisse meu coração que escolhia as garotas erradas para mim. Mas, resolvi deixar a vida levar o barco da maneira que lhe era melhor. Bida me balançava com seu balanço gingado por entre as mesas, e Cris me embalava com sua cultura, sua inteligência e sua sabedoria. Dois fogos e eu no meio. Para completar, Bea, em coma, por quem eu realmente sentia algo especial, puxando em ambos os lados, com a corda bamba...

                ***********



- Com licença?
- Pois não! – Respondi. Fiquei matutando sobre aquela voz familiar ao meu lado. Aconteceu no cinema, no qual eu entrara atrasado e já estava tudo escuro e poucos lugares sobraram. Como demorei para me ajeitar, foi-me feita a solicitação a fim de não impedir a visão da tela pela pessoa ao meu lado. Perdi metade do filme tentando localizar de onde conhecia aquele timbre familiar.
Fim do filme; quando as luzes se acenderam e a minha memória ainda estava encucada sobre a “voz”, com um pouco de surpresa vi tratar-se de Bida. Ela já havia saído da linha de bancos quando me levantei. Olhou para mim, sorriu aflorando as covinhas nas bochechas e abanou. Parecia muito feliz em me ver naquele ambiente diferente. Fiz um gesto para que me esperasse. Ela aguardou. Em rápidas pinceladas mentais pensei sobre os assuntos abordáveis, afinal, teria que ser uma conversa bem pomposa para preencher aquela cuca oca. Saíram estas palavras:
- Filme como este não mexe com sua emoção, né, Bida?
- Me chame de Anita, sim?
- Óh, desculpe, Anita! Todo mundo chama você de Bida e, ...eu nem sequer sabia o seu verdadeiro nome. Por isso não pode me culpar. Achei também o seu nome muito lindo e,
- O que você queria? Por que me fez esperar?
- Ora, sabe, a gente...
- Não me vem recrutar para que eu faça um serãozinho especial e prepare dois “duplos creme e morango” um com cobertura de “menta e chocolate” para você e aquela – debochando – intelectualóide sabidona do brejo.
- Só se fosse com você, eu pediria!
- Então, tente!
- Não, Bid, hã, Anita! Meu desejo é ter sua companhia num refrigerante bem geladinho, e quem sabe, num lanche. Topa?
- Deixa eu ver... – esboçando um sorriso doce, com aquelas covinhas encantadoras, - precisa me convencer primeiro.
- Bom, se é assim, lá vai: Anita, quero conhecê-la melhor. Para que isto aconteça, desejaria levá-la a uma lancheria e lhe pagar um lanche e um refrigerante. Enquanto saciamos nossos seres, saciaremos também nossas mentes sobre as curiosidades e particularidades de cada um. ...Então?
- Há, há, há!
- Que foi?
- Delicioso!
- Fui convincente?
- Brilhante! Jamais fui convidada por alguém com tanto estilo! Se superou!
- Ora, não me faça corar! Pediu para eu ser convincente e eu procurei as melhores palavras para realmente a persuadir a ficar comigo um pouco, pois não queria perder esta oportunidade em conhecê-la melhor.
- Bem, eu topo! Me convenceu! E agora?
- Agora vamos jantar. Conheço um lugar. Venha!
O cinema já estava vazio e entravam os espectadores para a segunda edição. Saimos.
Em largos passos, perto do cinema, entramos numa lancheria. Que belo ambiente! Estava toda decorada em verde-musgo. O complemento era com diversos vasos de samambaias espalhadas pelas paredes e pelo balcão, cada uma cuidada como se fosse a única do recinto. Ali tudo era verde: luzes, cadeiras, guardanapos, toalhas. Estes detalhes simplesmente envolveram Bida, ou melhor, Anita, deixando-a parada um bocado de tempo a fitá-los. Sentamos. Anita puxou logo conversa:
- Você está sendo o primeiro a me convidar para sair e jantar. Os caras daqui dão a impressão de nem terem criado barba ainda. Esta gentalha cheira só a má-intencionada!
- Como assim?
- Ora, os caras aqui, se convidam a gente, é par conhecermos o seu quarto, ou, maliciosamente, o seu “som”. Isto se não falam diretamente em motel. Ninguém pensa em fazer amizade quando aparece uma garota nova no pedaço. Só pensam em sexo e em cama!
- Hum, interessante...
- E você agiu diferente. Achei legal!
Aproveitei o embalo, arriscando:
- Sobre os caras, é inegável que existe o desejo de lhe dar uma cantada, afinal,
- O que é isto? – Cortou ela de soslaio. – Tá me cantando?
- Não!!!
- Olha, se tá  afim de um programinha, pegou o bonde errado. – Pegou a bolsa e levantou. – Passe bem!
Fez menção em sair. Levantei também e a segurei pelo braço, dizendo delicadamente:
- Anita, Anita, espera! Se quisesse cantá-la, agiria de maneira diferente. Jamais a traria para uma lancheria cheia de gente. Somente a convidei para lanchar comigo, para que pudéssemos nos conhecer melhor. Sobre cantadas, eu quis unicamente fazer uma brincadeira para quebrar o gelo entre nós, já que é a primeira vez que conversamos, mas vi que fui mal. Desculpe!
- Assim está melhor.
Sentou de novo e largou a bolsa na mesa. Sorriu, esboçando suas covinhas. Pareciam dois umbiguinhos. Eu estava me derretendo em desejo de roçar aqueles lábios sensuais, em acariciar todas estas formas voluptuosas que formavam seu corpo, enfim, de ser dela, ser sua cobiça. Mas, seu gênio era indomável, exigindo destreza em sua conquista.
O garçom nos entregou os tablóides do menu. Pegamos eles, abrimos e com surpreza vi que também eram impressos em papel verde. Fizemos nossos pedidos. Para formalizar minha aproximação com ela, pedi o mesmo lanche: Xis galinha com rodelas de salaminho dourado em medalhões de cebola. Ela segurou minhas mãos amigavelmente, me fitou e sensualmente disse:
- Que tal começarmos nossa amizade com você dizendo seu nome?
- Me chamo Ru,
- Ah, deixa eu ver... – Cortou ela. – Fora às vezes que aquela “brejeira” te chama de “mano”, ela também...
- Espera, eu,
- Ela te chama de Rubem! É Rubem teu nome?
- Posso falar?
- E quem te proíbe?
- Você! Não consigo falar uma frase inteira e você já me corta! Por favor, deixe eu também falar, certo?
- OK, desculpe; às vezes, minha língua não me obedece.
- Mas, sobre meu nome, sou Rubem, sim. Gosta?
- Amei! É um nome imponente! ...Mas, por que a ‘brejeira’ te chama de “mano”?
- É uma história comprida e não sei se gostaria de ouvir.
- Tenta!
- Bom, a Cris me chama de mano porque temos muitas afinidades e,
- A Crrrriiiis! Grande coisa!
- Parece que está com ciúmes?
- Eu? Há, há, há! Ciumes daquela pernuda brejeira? Capaz! Mas, deixa assim, vamos falar de nós...
Nesse ínterim chegou o garçom com os pratos de lanches que havíamos encomendado, ricamente enfeitados com salada de alface e tirinhas de couve. Indaguei-lhe sobre estes adornos, os quais não constavam nos dizeres do menu, ao que ele respondeu:
- Cavalheiro, vê-se que é a sua primeira vez a frequentar o nosso estabelecimento. Aqui vivemos natureza. Não servimos nenhum prato sem  o acompanhamento de algum detalhe em verde.
- Maravilha! Maravilhoso! Devo parabenizar este estabelecimento pela iniciativa! Vocês são o último recanto da natureza pura. Parabéns!
- O-obrigado! – Respondeu o garçom. – Bebem alguma coisa?
- Anita? – Disse eu. E ela:
- Uma coca, por favor!
- E o cavalheiro? – Disse o garçom.
- São duas! – Completei.
Ele saiu. Minha cuca trabalhava, quase fundida, analisando essa garota explosiva, estranhamente sentada em minha companhia, a fitar-me com voluptuosa malícia. E lá no Ice Xande era uma donzelinha bobinha, desorientada, desmiolada, sem futuro, balançando seus enormes seios entre os ‘milk shakes’ dos tarados frequentadores. Resolvi cavocar em seu passado:
- O seu sotaque não é de gaúcha. Posso saber de onde é?
- Sou de Campinas.
- Campinas, São Paulo?
- Sim! Qual é a surpresa?
- Ora, não se encontra uma campinense nova todo o dia perdida aqui no Caí.
- É, olhando por este prisma, tem razão.
- E como  se perdeu aqui, no Rio Grande do Sul?
- Não me perdi. Apesar da cor de nordestina, sou gaúcha, tchê! Meus pais também são e resolveram voltar após o falecimento de meu vovô.
- Por que só depois do falecimento?
- Porque ele deixou algumas terras de herança. Trinta e dois hectares, lá em Nova Colúmbia.
- E para você não ficar isolada no interiorzão veio para o Caí, conhecer os rapazes e,
- Está me subestimando, Rubem!
- É?
- Sim, eu vim para cá, para continuar meus estudos.
- Estudas? Aonde?
- Estou fazendo Comunicação na Unisinos, à tarde.  À noite, como você sabe, trabalho com o Xande e de manhã, durmo, estudo, lavo minhas roupas, passeio... faço compras, e por aí vai...
- Vida puxada, hein?
- É, meu pai não tem condições financeiras de bancar minha Faculdade sozinho. Assim, pelo menos, salvo minhas despezas particulares.
- Anita, estou surpreso! Melhor, gostei de  ver! Sempre tive bastante consideração por pessoas esforçadas como você. Este tipo de atitude faz ver o quanto um ser humano é capaz, quando dirige seus esforços para um único fim... O qual no seu caso, é a Faculdade.
- Para você ver! Me faço de burrinha lá no Ice Xande para não dar chance aos aproveitadores. ...Mas, me fale sobre você! O que faz além de cantar todas as garotas da cidade?
- Sou músico.
- Só isto?
- O que??? Acha pouco? ...Mas, para contentá-la, sou músico só para satisfazer meu ego. Trabalho mesmo com tornearia de madeira.
- Legal, Rubem. Imagino você pensando nas garotas e torneando aquelas pernas de mesa. Deve ser muito hilário.
- Deve um dia conhecer minha empresa para ver como funciona. Garanto que irá se encantar...
- Sim, com certeza, assim, como estou encantada por este restaurante...
Nisto chegou o garçom trazendo as duas cocas. Após uns goles do refrigerante e algumas garfadas no lanche, resolvi aprofundar-me um pouco mais:
- Anita, devo confessar que fazia um juízo completamente errado ao seu respeito!
- Em que sentido?


- Ora, em vários sentidos... você parece tão desligada e ingênua lá o Ice Xande, parece diferente, outra pessoa.
- Ah, lá eu sou assim para não dar moleza para nenhum mal-intencionando. Aqueles gaviões ficam rondando a gente, sabe?
Rimos. Eu insinuei:
- Mas, agora está dando um pouco....
- Bem é que notei  em você um cara não muito pretencioso.
Exultei. Ela não me conhecia, danadinha. Prossegui:
- Pretencioso?
- Não, diferente.
- Diferente como?
- Ora, por exemplo... – Anita vacilou um pouco, parecia estar com medo ou vergonha de falar. – Hã, você, por exemplo, não solta piadas indiscretas quando estou trabalhando.
- Seja sincera, Anita! Você não queria dizer isto primeiro. Você está querendo dizer outra coisa...
Plantei esta, para tentar colher o que Anita tinha contra Cris, pois, duas vezes a ofendera chamando-a de brejeira. Eu tinha certeza que nestas entrelinhas havia uma pitadinha de ciúmes e ela estava por aflorá-lo a qualquer momento. Falei:
- Anita, pode se abrir comigo. Estou querendo conhecê-la melhor, e assim, quanto mais franqueza a gente tiver, melhor será. Diga o que iria falar?!
Titubeando ela respondeu:
- Bem, ...um cara como você, ...amigo de todo mundo, ...conhecido, ...pagando sorvete para uma “tralha” como a “diaba brejeira”; convenhamos! ...Ainda não percebeu que “aquilo” não é uma garota à sua altura?
- Hã, eu...
- Você se tortura horas a fio com as idéias filosóficas dela; ela viaja por universos inimagináveis tentando provar que são reais, fala termos que até o dicionário duvida que existam e atura aquela “gralha” matraqueando o tempo todo, enquanto poderia estar se divertindo, rindo, na boa!
- Mas, eu me divirto com ela!
- Com todo aquele papo de pirada? Ela fala demais.
- Bom, eu, sabe, ...também falo!
- Mas ela fala muito mais do que você.
- Talvez...
- E você deixa tudo rolar, assim, na boa.
- Gosto da Cris.
- ...Ou só se encantou com seu saber?
- Não! Sinceramente, eu gosto dela!
- Quando estão juntos, dá para perceber que ela domina totalmente a situação e você some na sombra dela.
- É o jeito dela, Anita. E eu gosto!
- Gosta de ficar à sombra de alguém? ...duvido!
- A Cris não me sufoca.
- Pensa bem, Rubem: será que ela não te sufoca? ...desgruda! Ela não te merece.
- E quem haveria de merecer-me?
- Ora, tantas garotas... Inclusive uma simples garçonete!
Depois desta confissão, não havia dúvida nenhuma sobre o efervescente ciúme dela por Cris. E Anita jamais o demonstrara lá no Ice Xande. Senti um reprimido orgulho vaidoso, tive vontade em me atirar em seus braços. E meu orgulho foi coroado com uma saída categórica de Anita:
- Rubem, se  minha companhia agrada, tenho folga todas as noites de segunda-feira; que tal?
- Nada contra. Amei a idéia, e é claro que sua companhia me agrada, até bastante. Quero encontrá-la, sim!
Retirei a última folhinha verde de alface do prato, a qual Anita, mais do que ligeiro, se prontificou a devorar, pois o seu prato já se encontrava vazio fazia tempo. Alcancei aquele pacotinho feito de alface todo embrulhadinho, dentro da etiqueta, com o garfo. Ela aproximou sua boca e, num movimento lúbrico mordiscou a ponta da folha, levando-a lascivamente à boca, até fazê-la desaparecer atrás de seus lábios fetichosos. Restava ainda, meia garrafa de refrigerante para mim, e o dela já havia terminado. Derramei um pouco em meu copo e lhe ofereci. Ela aceitou, predispondo de novo sua boca lascivamente ao gargalo da garrafinha. A servi. Ela passou a língua discretamente por sobre os lábios e sorriu. O seu agir era tão comprometedor, que por um instante até tive o desejo em convidá-la para conhecer o meu “som”, mas, relembrando suas mágoas do início de nossa conversa, nada fiz.  Paguei a conta e me prontifiquei a levá-la para casa. Anita negou minha companhia. Foi sozinha, dizendo que não era longe dali.
Quando cheguei em casa, primeiro um super banho. Depois, coloquei um cd no som e comecei a divagar sobre as duas garotas que estavam mexendo comigo. E, no meio da cadência marcante do solo de “Samba Pa Ti”, pensei na personalidade forte e determinada de Anita... Como uma conversa podia modificar tanto  a impressão que se tem de uma pessoa... Anita não era oca, burra, muito pelo contrário: Faculdade de Comunicação na Unisinos! Poxa, se contasse isto aos frenéticos frequentadores do Ice Xande, ririam de mim. Uma  garota super-aplicada tentando trabalhar seu futuro às custas de um tremendo esforço no presente. Linda, gostosa, inteligente e perspicaz, ela completava todos o meus anseios quanto à mulher ideal. Concluí que ela possuía ao todo ao maior quantidade de requisitos para se tornar a minha cara metade. Faltava porém, o essencial: sentir aquele ‘tchã’! Um coração apaixonado sempre dá aquele ‘tchã’ quando se ama. Eu me sentia melhor, mais a vontade na presença de Cris... Mas Bida era muito mais bonita, mais gostosa, mais mulher, e Bea, moça simples, comum, nem tão bonita, em coma, era a única que balançava minha alma de verdade, fazendo sentir aquele ‘tchã’. Bom, imagina só o quanto estava apaixonado por Bea, a ponto de declarar-me a ela, grávida.
Com este novo encontro, imprevisto com Anita, minha vida caminhou mais ainda, para dentro das incertezas...




                ***********



Minha primeira e única visita para Bea foi na quarta-feira daquela semana. Fui a São Leopoldo especialmente para vê-la. Parecia um prenúncio. Quando entrei na sala onde ela se encontrava, na UTI, cercada de, pelo menos cinco aparelhos, meu coração acelerou. Quando vi aquele pedaço de gente, que há poucos dias era um sol radiante flamejando a todos  os que a rodeassem, naquele estado, chorei. Virei-me de costas para ela e chorei copiosamente. Meu mundo ruiu em cima de minha insignificância frente ao quadro em que ela se encontrava. E, em meio ao bip-bip do monitor cardíaco, meus soluços fizeram coro e eu comecei a tremer fremitamente. Não me controlava, parecia que algo me chacoalhava. Meu queixo batucava num ritmo acelerado parecendo um sapateado de dança norte-americana. Virei meu olhar para ela: rosto descolorado, lábios roxos, cabelo empastelado enfaixado com gase ensanguentada, não suportei a cena e senti me desfalecendo. Uma enfermeira, que se encontrava aplicando uma endovenosa em paciente ao lado de Bea, ao ver meu estado, me socorreu, tirando-me da sala. Tomei uns dois ou três comprimidos diferentes, dos quais nem sei o nome nem a finalidade. Porém, posso garantir que havia um calmante entre eles, pois o coquetel logo dissipou aquela angústia inicial que se apoderou de meu ser.
Refeito, entrei novamente na UTI e fui para perto de Bea. Encarei-a. Seu olhar aberto, parado na imensidão denunciava seu estado acéfalo. Segurei com firmeza sua mão esquerda e disse:
- Êh, valentona! Vai sair dessa!  Olha que minha afilhada precisa de mais vestidinhos verde água e você é a única que sabe escolhê-los com um ...jeito especial.
Olhei firme para ela. Meu coração estava aos pulos, louco para explodir de compaixão. Continuei:
- Bea, por que não nos conhecemos antes? Desde que a vi me apaixonei e, ...
Meus olhos se encheram de água. A enfermeira que estava atendendo mais uma pessoa na mesma sala da UTI ficou me fitando com o canto dos olhos, temendo ter que agir mais uma vez comigo. Mas, sob efeito dos comprimidos que tomei, estava firme, mas emocionalmente abalado. Continuei:
- Sonhei um mundo sem igual para nós três: eu, você e seu bebê. Mesmo quando grávida, a queria mais que qualquer pessoa neste mundo. Meu coração escolheu você e eu... não me opus, ...não lutei contra.
As últimas palavras já sairam meio embargadas. Virei-me novamente de costas para ela e chorei. Chorei fremitamente, parecendo uma criança longe de sua mãe. Aquele ser humano, angelical, em fase de passamento, outrora fora o destino de todos os meus sonhos. Tinha motivos suficientes para estar me sentindo daquele jeito. Enguli um nó bem grosso, voltei a ela e novamente a fitei. Aqueles olhos que eram de um brilho intenso, envolvente, agora não passavam de um par de contas discretas em sua face. Peguei em sua mão mais uma vez, apertei com carinho aqueles dedos esfolados. Tive a impressão que ela conseguiu desviar seus olhos, num movimento íntimo em minha direção, enquanto seu polegar nicou em minha mão, tentando me transmitir algo. E eu disse:
- Bea, coragem! A vida te espera!
Ao falar a palavra “vida”, meus olhos se encheram mais uma vez de lágrimas. O momento foi muito emocionante. Deu-me a impressão de que ela estava esperando minha visita.
Beijei minha mão e a pousei delicadamente em sua testa, descorada e deformada, cheio de marcas e de um hematoma que já se dissipara deixando a pele escura.
Não resisti ao momento e dei um beijo delicado em sua face, sussurando:
- Ainda quero namorar contigo. Estou te esperando!
Um calafrio atravessou meu corpo, pois senti que talvez nunca chegaria a ser seu verdadeiro namorado.
Seu olhar parado me deixou a impressão de dizer: “É, ainda vamos ser namorados!”
Saí. Coração a mil, tremendo. Quando cheguei na portaria, ouvi os alto-falantes anunciando:
- Emergência! Emergência! Paciente no leito catorze da UTI com parada cardíaca. UTI, emergência! Paciente no leito catorze, procedimento com eletrochoque...
Parei. O leito catorze da UTI era o de Beatriz. Quis voltar, mas um enfermeiro me persuadiu a não fazê-lo devido ao meu estado emocional. Mas, eu ao mesmo tempo, queria estar ao seu lado. Quando cheguei de volta à UTI, o leito catorze já estava vazio. Senti a morte rondando os corredores daquele hospital.



                **************



O falecimento súbito de Bea me deixou fora de circulação vários dias. Parada cardíaca. No começo chorei muito. Parecia ter perdido a namorada. E, nem sequer nos conhecíamos direito. Mas, acabei me conformando com a idéia de que ela estaria numa bem melhor na outra vida e, provavelmente com Jordão.
Durante o seu sepultamento, me aproximei de Fausto, seu irmão e ambos nos consolamos. Acabei tornando-me um ótimo amigo dele e com isto aprendi a conhecê-la melhor e ver que tesouro de ser humano ela fora.
Bida e eu nos encontrávamos regularmente às segundas-feiras na lancheria verde-musgo e ela fazia questão de sempre mordiscar lascivamente a última folha de alface do meu lanche. Ela era especial. Aquelas duas covinhas que apareciam em suas bochechas quando sorria, cada vez mais me envolviam os pensamentos. Nosso relacionamento estava formidável, mas ao mesmo tempo, Cris e eu continuávamos tomando sorvetes no Ice Xande. O outono já entrara e a época, aos poucos, estava despropiciando o consumo do produto. Foi esta, uma das poucas vezes em que o frio trouxe uma vantagem: a de ir na casa de Cris tomar chimarrão. Bida – agora já fora liberado para chamá-la assim – nem desconfiava. Cris, por sua vez, jamais fez objeções por eu ir às segundas visitar meu tio no Portão. Na realidade, saía com a bela fera, sua rival. E, ao invés de estar tudo azul, maravilhoso por eu estar namorando as duas ao mesmo tempo, estava tudo um belo de um breu ao meu redor. Cris e eu nos dizíamos namorados porque tudo indicava sermos feitos um para o outro. Bida e eu também nos dizíamos namorados porque não havia o conhecimento por parte dela dessa tal de polarização. Eu gostava muito dela; bem dizer, quase a amava. Mas não o suficiente para dizer olhando em seus olhos: “Eu te amo!” Do contrário, com Cris me declarava sem titubear.
Como ambas aos poucos foram exigindo mais de mim, tive que optar por uma delas. Com qual ficaria? As duas eram inteligentes, belas, delicadas, alegres e amorosas. Incertezas...
Em várias noites, antes de adormecer, me corroeu a incerteza da escolha. Comparava a dúvida à escolha entre cerveja e vinho na hora de uma refeição: ambos predominam de acordo com o tipo de acompanhamento. Mas, entre o amargo da cerveja e o doce do vinho se esconde o álcool, o ingrediente danado que nos faz revesar entre um e outro. E assim me encontrava: embriagado pela paixão. Queria ficar com as duas, e usufruí-las de acordo com as oportunidades. Egoistamente era esta a verdade! Todavia, o destino se encarregou de optar por mim.
Acabou tudo no momento em que, um dia, tomando chocolate quente na lancheria verde-musgo com Anita, entrou Fausto e eu o convidei para sentar conosco. Os dois começaram a conversar como se já se conhecessem há anos, porém duvido que já tivessem se visto alguma vez. Deixaram-me completamente de escanteio. Como era estupidamente inapropriado meter-me na conversa deles, fiquei observando, boquiaberto e estupefato, pela maneira como o momento estava acontecendo: simplesmente presenciava o acontecimento daquela polarização de que Cris e eu tanto faláramos. A conversa entre eles fluia em sequência, cada qual falando por sua vez, sem se interromperem. Fausto e Anita mostraram harmonia e afinidade desde o primeiro olhar. O romance deles começou nessa noite; completavam-se em suas frases e seus gestos. Os olhos de ambos brilhavam feito cristais. Lembro que Fausto a levou para casa e Bida nem se lembrou em despedir-se. Fausto engrolou um ‘tchau’ disperso. Fiquei sozinho, a mesa cheia de alimentos não terminados. De soslaio, divisei um garçom cochichando com outro, referindo-se a mim com chacota. O outro, por sua vez, cutucou o colega e senti que ele engrolou algumas palavras de ordem e procedimento. O outro se virou, começando a espanar o canto do balcão com uma toalhinha. Eu, em minha solidão, fiquei feliz e triste ao mesmo tempo. Mas, aos poucos, a felicidade tomou o lugar todinho nos meus pensamentos. Primeiro, porque só me sobrava a Cris; segundo, porque nossos pensamentos sobre o amor foram acertadamente corretos. Não havia margem de erros, pelo menos no caso Bida – Fausto. Apoderou-se de mim uma nessecidade enorme de contar a experiência detalhadamente para Cris. Tinha a certeza que ela não romperia comigo, por ter mantido um caso de amor “paralelo” ao seu. Porém, um rompante de ciúme colérico e frenético provavelmente haveria de enfrentar.
Na noite seguinte ao ocorrido encontrei-me com ela. Para minha surpresa, ela sabia de tudo fazia tempo e me disse ter conhecimento de todas as minhas incertezas e decisões. E que, para não me forçar a uma decisão incerta devido às pressões, deixou-me livre  e solto aventurar neste caminho turbulento da paixão. Para ela, a maior alegria foi eu ter contado tudo, não escondido nada. Mas, confessou sobre minha paixão por Bea:
- Rubem, nunca forcei a barra contigo porque sempre vi que acabarias com a Beatriz. Vocês, apesar de se conhecerem pouco, tinham tudo a ver, eram feitos um para o outro, uma polarização perfeita. Porém, quis o destino que...
- Deixa assim Cris. Não vamos mais falar nela.
Meus olhos se encheram de lágrimas, sendo acompanhado por Cris, que também ficou embargada.
Engulimos juntos, respiramos fundo, e então, perguntei:
- Com ficaste sabendo do meu caso com Bida?
- Ora, Rubem, como tu sempre dizes: cidade pequena é fogo! E tu não imaginas, mas ao menos duas vezes estive na lancheria verde-musgo, escondida, longe, no canto dos garçons, só para observar voc    ês e ver se viriam a namorar de verdade alguma dia... Nada a ver. Vocês são amigos, bons amigos e imaginavam-se apaixonados. Estavam iludidos. Esta é a verdade.
- Desculpe, Cris, por eu ter agido assim, eu,
- Psssit! Cala! Deixa de falar, Rubem. Aconteceu e não resultou em nada. Isto é o que importa!
Neste momento, tomei Cris em meus braços e a abracei com uma intensidade tal, que senti seu coração pulsando junto ao meu, num ritmo digno de enlace, de amor.
Naquela noite, muito ainda conversamos sobre essas certezas incertas. E no fluir de toda esta natural espontaneidade minha mente livre da pretensão por outras garotas, despertou em mim aquele tchã que só sentira por Bea. Foi esquisito, maravilhoso, esfusiante. Cris já o sentira há mais tempo e não o havia me confessado. Mas eu, senti um fervilhar gostoso no coração, algo tipo como formigamento, deixando meu ser especial. E aquilo com certeza era amor. Combinamos estreitar nossas relações daquele dia em diante.
Este acontecimento fez mudar um pouco a minha suposição sobre o amor: não é só à primeira vista que se gama! Pelo menos, entre mim e Cris, não aconteceu isto. Despertou o tchã do amor depois de vários meses de relacionamentos. Inclusive, meu “som” ela já conhecia. Já ouvira ‘músicas’ de todos os ‘gêneros’ comigo... E pensar que tudo começou com a margarina barata que fiz entrar em sua blusa ‘sem querer’ no supermercado...
Como agora os dias eram belos: nos sentíamos leves plumas a flutuar nas brisas da paixão. Cris fazia me sentir bem e completo em todos os momentos. Havia afinidade.



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Incertezas... Pois é, o caso de se amar é complicado! Veja a quantas andava o nosso romance após onze meses de namoro: resolvemos noivar. Eu me tornara um amigaço do pai dela, o qual indubitavelmente era um poço de cultura e uma lição de vida inimaginável. Não havia medidas nem obstáculos para o que viesse a enfrentar. E seguramente, esta alma guerreira sua filha herdara. A meiguice procedia de sua mãe. E eu a amava. Cris era a essência de um sentimento bom e a certeza de um turbilhão de felicidade.
Fausto e Anita foram morar juntos e seu relacionamento foi marcante na cidade pois eram sempre vistos muito unidos, polarizados, apaixonados.
Um ano após o nosso noivado, Cris e eu casamos e estamos juntos até hoje, melhorando a cada dia nosso relacionamento e nossas afinidades. É, o amor é indescritível! Mesmo que a gente procure determinar um futuro para nosso amor, nossa paixão, o destino dá um jeito e escreve seu rumo independente de nossa vontade. O amor é isto: tudo dá certo, desde que seja ao lado da cara-metade que o destino polarizado nos reservou.



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