Sessão.
Quando marcamos a primeira sessão de quimioterapia em Abril do ano passado, Bere foi submetida antes a uma entrevista. Chegamos no setor, na Unimed de Montenegro, e fomos recebidos pela Carol, secretária e recepcionista da ala. Menina simpática, cativante, que só com seu jeito centrado e elétrico ao mesmo tempo, em nos atender, já amenizou a nossa tensão da espectativa do que viria pela frente. Suas respostas seguras, com propriedade, nos tranquilizou. Uma profissional certa para um setor marcante que é o de quimioterapia. Depois, entrevista com Janete, a enfermeira chefe do setor. Nos levou a um dos quartos de sessões. Quando ela começou a nos contar como seria feito, a duração das sessões, os diferentes medicamentos aplicados, riscos, consequências, efeitos colaterais, Bere começou a chorar. Janete levantou de onde estava sentada, colocou os folders que segurava sobre a cama, do lado onde Bere sentava, e a abraçou longamente. Durante o abraço, Bere disse: "Tenho medo de morrer durante uma sessão de quimioterapia." - Janete continuou no abraço até que Bere esteve mais calma. Eu, sentado ali na frente das duas, tremia de angústia. Queria ajudar. Queria muito me meter e ajudar. Me fazia mal ver a Bere daquele jeito e eu, impotente, não saber o que fazer. Queria falar, mas não tinha o que dizer. Também não sabia o que podia acontecer numa sessão de quimioterapia de 6 horas. Queria muito me envolver também naquele abraço, chorar com ela, mas não conhecia a enfermeira. Era nosso primeiro contato. Então, depois que desfizeram o abraço e Janete novamente sentou na frente dela, eu fui e sentei do lado dela na cama, a envolvi e mantive assim, enquanto lhe enxugava uma lágrima. E, a resposta para a pergunta de Bere foi de que era muito raro acontecer alguma reação durante a aplicação do medicamento e muito difícil vir a óbito.
Chegou o primeiro dia da quimioterapia. Dia 3 de Abril de 2013. Quarta-feira. Na véspera, Bere me pediu para comprar uma cuca grande no supermercado Cruz, do lado de casa. Fui com a recomendação de que era para perguntar antes de comprar, se no dia seguinte não teriam já cucas às 8 horas, para levar uma bem fresquinha. Com não teriam, comprei a da véspera mesmo para levar junto e dar para as meninas no setor do hospital. Comprei uma cuca de leite condensado. Chegamos cedo, 8:20. Já estávamos sendo aguardados pela Carol que num largo sorriso já falou alto quando chegávamos na ala: "Está aí a moça que vai ficar conosco toda a manhã!" - E Bere num largo sorriso também, deu "Bom Dia", a beijou e disse: "Isto é para adoçar a merenda de vocês!" - E entregou a cuca. Nossa, a alegria da Carol foi visível. Nisto já chegaram também a Janete e a Jovana, que também é enfermeira da ala e prepara os pacientes para a sessão. Outra menina doce, de um olhar terno, conversa agradável, especial. Assim como a Janete, já um pouco mais séria, mas muito focada no seu trabalho. E Carol já chamou todas para verem o presente que haviam ganho. Foi uma festa. Também chegou a farmacêutica Ane, que prepara o coquetel de produtos para a quimioterapia, se apresentou a nós e já comemorou com as outras este pequeno gesto de Bere, que fez a diferença. Uma simples cuca de 7 Reais. Bere era sempre assim. Detalhes pequenos, muito bem pensados, para fazerem a grande diferença. Mimos de pouco custo, mas valorizados por quem recebia. A sessão iniciou lá pelas 9 horas e se extendeu até às 15 horas. Fiquei junto com ela o tempo inteiro. Conversando, a mantendo animada, dando comidinha na hora do meio dia, e nos intervalos café, suco, água. Ela dizia: "Nossa, isso está parecendo um hotel 5 estrelas. Todo mundo me servindo, paparicando, me entupindo de comidinhas e bebidinhas e eu só neste conforto deste poltronão!" Ficou com frio nos pés. Eu pedi e prontamente Janete trouxe um cobertor. Então, depois da primeira experiência, enfrentar as outras 5 sessões a que se submeteu foi menos apreensivo.
E as sessões foram se sucedendo. Sempre com cuca de sabor diferente e a alegria das meninas em nos ter por uma manhã inteira com elas. Bere encantava. Nós já éramos íntimos da ala. Muitas vezes Bere sentia desconforto com a entrada que certos produtos do tratamento quimioterápico provocam no organismo, como ardência, formigamento, enjôo, tontura. Ela comentava comigo e eu prontamente queria chamar a Jovana ou a Janete, mas ela dizia: "Não, não chama! Elas devem estar com gente mais complicada que eu pra atender. Eu aguento!" - E mesmo eu insistindo, ela me persuadia a não chamá-las. E quanto mais o tratamento foi repetido, tanto mais difícil ficou encontrar veias que permitissem a aplicação do medicamento. A quimioterapia 'seca' a veia onde é aplicada, segundo as enfermeiras. Então, vez por outra, precisavam chamar a mão-de-fada do hospital, a Fernanda, para encontrar veia. Fernanda acocorava na frente de Bere, pegava um braço, passava o dedo seguindo a linha da veia, passava para o outro braço, examinava com cuidado, e, pronto. O ponto certo de enfiar a agulha. Ela sempre encontrava uma veia.
A quimioterapia além da quimio, foi uma verdadeira terapia para mim e Bere. Revemos muitos conceitos de nossas vidas em nossas conversas, falamos sobre tantas coisas que daria para escrever uma enciclopédia. Nosso passado, rebuscando lembranças doces e rindo sobre situações que atravessamos juntos. Falamos muito do presente, do tanto que tudo isto estava afetando nossas vidas e no tanto que tivemos que nos adaptar a tudo isto. E algo do futuro incerto também, onde Bere sempre iniciava dizendo: "Quando eu faltar..." - Eu xingava ela e dizia: "Este tipo de assunto não me interessa." E ela retrucava: "Repito: quando eu faltar, quero que valorizes tudo o que de pequeno pode ser grande. Aquele sorriso, sabe? ...Valoriza ele. E muito! Porque portas se abrem com este sorriso." - "Que assunto esse, Vidinha? Vamos falar de outras coisas." - E ela insistia em continuar: "Quando eu faltar, não desampara nossos filhos. Continue sendo o que eras com eles e um pouco do que eu seria." - Seus olhos se encheram de água. E ela arremedou com o queixo tremendo: "Do que eu... seria..." - Fez uma pausa. Eu já tava a ponto de chorar também, apreensivo, sentado na sua frente, enquanto ela me olhava profundamente, cativante, incisiva. Ela continuou: "Eu seria a melhor vó do mundo, Vidinha! A melhor! A mais vovó que um netinho poderia sonhar, Vidinha! A mais, mais! ...Mas acho que não vou conhecer meus netos." - Fez uma pausa, assoou o nariz, voltou a me olhar, seus olhos negros brilhando e continuou: "...Então, seja o melhor vovô em dobro, Pio! Em dobro. Por mim!" - Chorou largado, dizendo: "Eu queria tanto conhecer meus netos, Pio, e acho que não vou alcançá-los." - Eu peguei um papel toalha, fui, enxuguei seu nariz, suas lágrimas, a afaguei e disse: "O futuro a Deus pertence, Vidinha. Tudo é possível. Podes sim, ainda alcançar nossos netos. Também não sei se a esta altura te serve de consolo, mas quem diz que eu vou alcançar nossos netos?" - Ela, olhou para mim, e afagando minha bochecha de leve com seu indicador disse: "Querido! Sempre te repartindo comigo!" - Isto tudo aconteceu na hora do meio dia, quando a gente ficava a sós, com a sala fechada, e só nossa, enquanto Jovana ficava na recepção.
Em uma das últimas sessões de quimioterapia, Bere teve mais uma de suas demonstrações de atitude que só ela tinha. Comentou comigo: "Sabes, acho que Deus está me fazendo passar por tudo isto para que eu tivesse a oportunidade de conhecer estes 'seres anjos' que são os médicos, técnicos, enfermeiros, faxineiras, enfim, todos que trabalham neste hospital? Eu não os teria conhecido de outra forma. E tenho todos como sendo de minha família. Quando fico longe, já sinto saudades da vozinha animada da Carol, do doce carinho da Jovana e da firmeza da Janete." - Eu respondi: "Mas nada impedia que pudesse tê-las conhecido de outro jeito, em outras condições." - E ela: "É, mas foi deste jeito que aconteceu e tenho todos no meu coração. Rezo e torço por eles, para que sempre acertem em seu trabalho." - Era Bere tentando encontrar o lado bom dentro das piores adversidades.
Além disto também, entre tantos exames de sangue a que Bere teve que se submeter, sempre teve o carinho do atendimento aqui em nossa cidade da Aline que se empenhava para conseguir os resultados dentro do prazo previsto. Se virava para dar certo e os exames estivessem na mão da dra. Maria Helena na hora da consulta. E Bere comentava isto comigo. Dizia: "Nossa, mal conheço esta menina e ela já se puxa para que tudo saia bem pra mim. Vou ter que dar um presente para ela." Até hoje estive pensando a respeito e este presente ficou faltando. Mas ela vai receber, com certeza! Porque Bere cumpria todas as suas intenções. E eu vou fazer isto por ela.