domingo, 9 de fevereiro de 2014

A Casa Número 195 no Balneário Meia Praia em Itapema, Santa Catarina


A Casa nº 195 da Rua Duzentos e Cinquenta e Seis em Meia Praia - Itapema - SC

 A Volta  

   Quando eu cheguei em frente ao portão daquela casa, na rua duzentos e cinquenta e seis, número cento e noventa e cinco no bairro Meia Praia, em Itapema, Santa Catarina, até parece que meu carro ficou fora de si, por parar na frente daquele portão. Parecia o motor gemendo. Naquela vez, Bere desembarcou primeiro, estava comigo. Pois, ano passado, no início de Fevereiro, naquele mesmo endereço, parei também. Conhecemos aquela casa e passamos férias maravilhosas, curtindo tudo o que de bom e belo a vida pode oferecer. Bere estava radiante: estávamos perto do centro, da praia e das lojas. O Carro poderia ficar ali, sem precisar tirar da garagem, pois tudo ficava perto. Foram férias tão sensacionais, que ela tinha sonhado em repetir neste ano de 2014. E eu cumpri seu desejo. Mas não imaginei que todas as reminiscências destas férias fossem me marcar tanto.
   Saí do carro em frente ao portão, olhei aquela casa, o pátio, sua enorme amendoeira defronte a dar uma sombra abençoada e já ouvi em meu interior Bere na sua falinha do ano passado dizendo: "Nossa, perfeito! A casa de praia que pedi a Deus. Vão ser os dez melhores dias de nossas vidas!" - E foram. Aproveitamos mesmo, muito, cada momento, cada dia. Só que eu não imaginava que cada dia, cada acontecimento fosse tão marcante nas lembranças por sua repetição. E nisso eu me perdi, ou, sei lá, balancei. Já pela viagem em si, a falta de Bere do meu lado me cuidando, instruindo, me olhando, já foi algo que me fez sentir. Então veio a parada em Maquiné, onde no ano passado não fomos atendidos porque tinha gente demais, e viemos embora. Bere estava muito chateada pela falta de atenção do lugar para com os clientes. Acabamos comendo qualquer coisa no Japonês, e ela disse que agora sempre haveria de parar ali por causa do atendimento. Maquiné nunca mais. Então a viagem, o cuidado com o trânsito e a chegada, com o agradecimento por termos chegado sãos e inteiros. E a casa. Nossa! A casa 195! Nunca imaginei que rever uma casa de veraneio fosse me tocar tanto. Senti tanto a presença dela quando entrei naquele pátio, que até o carro engasgou, apagou. Parecia Bere me dizendo: "Péraí! Vai devagar! Estou voltando! Quero rever tudo isto." - E eu parei. Num rompante, como para me calar, virei a chave novamente, o carro roncou de novo, mas logo em seguida desliguei o motor, rendido pela cena. Desci do carro, olhei para fora do pátio, bem em frente, a mesma loja de conveniências ainda estava ali. Onde no ano passado ela tantas vezes foi comprar picolé depois do almoço. Olhei para aquelas janelas verdes da casa de veraneio, de onde ela tantas vezes me abanou no ano passado quando eu estava cochilando embaixo da amendoeira, que meu coração se apertou tanto, a ponto de me encher os olhos de lágrimas. Ainda bem que filhos e cunhada não viram, pois não queria que suas férias fossem feitas de lembranças emocionantes e de eu estragar sua alegria. Era um momento meu para Bere, nada mais. Só nosso, de emoção, de revisão.
   Entramos naquela casa, e literalmente vi Bere escolhendo o nosso quarto. Ano passado, olhando maliciosamente para mim ela disse cochichando: "Vidinha, aqui vai ser nosso paraíso por dez dias! Vou te querer tanto, que a praia nem vai te importar. Prometo!". - Entrei, fechei a porta, larguei a mala no chão, sentei na cama e chorei mais uma vez. Muito. Pois fôra realmente o nosso paraíso. Aquele quarto nos trouxe momentos de tantas realizações, nos amamos tanto e intensamente, que nossa vida até parecia ter um recomeço. Optei por pegar este mesmo quarto, e quando fui deitar de noite, a sensação que tive foi de que aquele quarto tinha sido demolido durante aquele ano, para apagar todos os traços de Bere, pois nem dormindo abraçado ao seu travesseiro consegui sentir sua presença. Maldisse minha sensibilidade. Coração sufocado, lembranças rolando, momentos vividos ali, naquele mesmo ambiente, tudo voltou como se fosse hoje. Mas só sem ela. Chorei muito. Muito mesmo. Do tipo minguado, doente. Ainda bem que tinha o ventilador com seu barulho monótono a varrer meu corpo e a preencher o espaço com seu ruído, pois assim pude soltar o choro sem conter, e ninguém ouvir. Sabe o que é construir um mundo cheio de encantos e depois de um ano voltar lá e ver ele do mesmo jeito, nada mudado mas pela pessoa mais importante faltando, sentí-lo destruído, sem sobrar nada? Assim eu me senti. Mesmo estando tudo de pé, vi tudo destruído, pois Bere não estava comigo. "Meu tudo" não estava mais comigo. Mas eu senti que tinha que reviver aquilo. ...O guarda-roupas antigo, com uma gaveta vazia, sem os biquínis dela e o cabideiro sem nenhum vestido, o gaveteirinho sem seus braceletes e brincos, o criado mudo sem seus cremes e perfumes e o espaço no canto do quarto onde no ano passado estava sua mala, agora, vazio. E eu, mais vazio ainda no meio deste ambiente completamente deixado de lado.
   Naquele dia, antes, de tardezinha, resolvemos ir até o mar e conhecer a praia. Melhor, conhecer de novo. Meu cunhado o Vani e a irmã da Bere, a Lete, estavam curiosos para verem aquela enseada maravilhosa de Meia Praia no anoitecer. E nós fomos até lá.  Nossa, quando chegamos lá, aquele nó cerrado, sufocante tomou conta de mim mais uma vez, assim que senti o vento do mar e seu cheiro. Então eu não pude me conter. A sorte é que todos eles foram até a água para sentir sua temperatura, e eu fiquei na orla com minha saudade da ausência de Bere. Faltou ela ali segurando minha mão e me encarando com desejo. Lembrei de Bere, com ela ali, no mesmo lugar, com ela maravilhada há um ano atrás dizendo: "Delíciaaaa!" - E o marzão gigante no seu doce balanço batizando os nossos pés com sua água limpa. Olhei para as luzes de Itapema que já estavam acesas, olhei para Porto Belo no lado contrário com suas luzes a iniciar a noite e pensei no que ela falou, parada exatamente no mesmo lugar, na mesma hora, no ano passado: "Somos privilegiados em podermos assistir isto tudo. Queria muito que todos pudessem assistir, não só nós! Isto é impagável."
  E eu chorei. Chorei mais uma vez, contido, me sentindo abandonado, distante de todos, sozinho, sem a mãozinha dela me segurando, de unhas feitas, aquela doce e delicada mão. Me senti um miserável. Não que não tivesse companhia. Por sinal, muito bacana. Amo meus filhos, meu cunhado, minha cunhada. Mas, por sentir a falta da companhia da pessoa mais importante de minha vida, que queria tanto reviver tudo isto e não alcançou, a minha Bere. E isto, por incrível que pareça, cobra de nosso interior esta posição. O compromisso. De reviver, de revisão. Por isso que voltei à Itapema. Porque quis reverenciar o desejo de Bere em reviver tudo isto, mesmo sabendo que teria difuculdades em lidar com meu sentimental. E tive. Muito, demais. Ainda estou. Férias sentimentais. Mas este chacoalhar com meus sentimentos foi muito mais intenso do que esperava. Porque o que para mim parecia ser o resgate de lembranças, todas boas, se mostrou o cobrar de sentimentos vividos e a espectativa de revida. Eu não esperava por isto. Como eu poderia imaginar que todo aquele ambiente fosse me cobrar tanto a ausência dela? E isto foi muito forte, indescritível. Então, cada abrida de geladeira, freezer, microondas, cada prato que pegava, ou talher que tirasse da gaveta, tinha a mão de Bere. Nossa, foi tudo muito marcante! Bere estava inserida naquele ambiente. E olhar para aquela mesa na cozinha, com os talheres colocados, toalha de pano lá de casa colocada na mesa, "Porque esta realmente era limpa," - como ela dizia. Aquela cadeira vazia na ponta da mesa onde ela sentava para tomar um cafezinho fez me sentir o descrever de uma história sem ponto final. Ela partiu antes.
   Mas esta volta marcante não estragou minhas férias. Até as transformou em algo mais doce, um complemento de meu mundo sem Bere. Só que de noite, na hora de ir dormir, sua falta foi muito profunda, pois ela não me mostrou seu bronzeado, a marquinha do biquini, seu sorriso e seu desejo em viver mais uma noite ao meu lado dormindo abraçada ou de conchinha. E o calor sufocante de Itapema e o carinho do ventilador a varrer nossos corpos, enquanto a cortina com estampa de rosas silvestres balançava com o vai-vém do ventilador. Bere fez muita falta, senti na pele tudo isto. Queria tanto mais uma vez ao menos ter dormido com minha mão em sua cintura e com ela a engrolar frases desconhecidas, selando nosso amor. Mas isto não aconteceu. Uma volta de desafio. Que depois de cumprido me deixa mais forte e sereno, pois realizei mais um desejo dela: a de veranear na mesma casa do ano passado em Itapema.

 Vista do pátio interno da casa 195

Preparados para jantar e depois dar uma banda pelas lojinhas de Itapema

Depois do Jantar, comprinhas. Bere adorava. Um presente para cada amiga.

 Na praia de Meia Praia em Fevereiro de 2013





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