quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Hora da Faxina: Xota Canibal



Xota Canibal

   Talvez muitas pessoas não se lembram mais como era a geografia de nosso Caí antes de transformarem o lado da igreja católica em um amplo estacionamento. Até eu, fazendo esta crônica estou procurando montar mentalmente a imagem daquela quase quadra de casarões antigos e estilosos que ocupavam aquele espaço.
   Aquele espaço era bucólico. Na esquina com a praça o terreno era tão elevado que tinha uma escada de oito degraus, bem no encontro das ruas Henrique D'Ávila e Marechal Deodoro. E esta escada dava direto na entrada da porta da casa Kranz, que tinha se transformado de casarão em loja, com piso de madeira e tábuas rangendo quando a gente caminhava lá dentro no meio de um emaranhado de roupas e tecidos.
   Seguindo o lado da Marechal Deodoro, tinha um murinho de seus oitenta centímetros com formas de cimento em formato de pinos de bolão, dando um charme naquela calçada, onde a cada cinco metros tinha um frondoso ligustro, dando sombra nas tardes quentes de verão. E casais, crianças, gente com cachorros passeavam por ali, aproveitando aquela calçada larga e bucólica durante o dia inteiro. Ali a maior parte era de casas de moradia, todas num estilo de construções da metade do século vinte. Alguns pontos comerciais foram criados a partir do momento em que as casas eram desocupadas por seus proprietários por falecimento e os herdeiros as alugavam.
   Sempre gostei daquela passagem. Quando estava naquele espaço me sentia como se estivesse no topo de nossa cidade, já que dali era a parte mais alta para se observar o centro. Lindo de ver. E esta mesma calçada foi protagonista de muitos amassos proibidos na sombra e escuridão da noite embaixo das ligustros, com escassa iluminação de rua, bem diferente da praça ali pertinho, toda iluminada.
   A parte da calçada na Henrique D'Ávila em direção à igreja era do mesmo jeito. E lá, tinham mais dois estabelecimentos comerciais. Um era da Adriana e sua mãe, não tenho bem certeza do nome, mas acho que era Quitutes Tia Cota. Atendiam a gente com uma simpatia, quitutes dos mais saborosos, todos feitos pela tia Lori, uma cozinheira e quituteira de mão cheia. Eu adorava ir ali comprar frios porque a Adriana tinha o dom de fatiar os fiambres tão fininhos que quase ficavam transparentes. Hoje em dia não se encontra mais fiambres cortados deste jeito. E ela fatiava na hora, na frente do cliente. São todas lembranças das boas. 
   Do lado, já fazendo divisa com a igreja tinha uma loja de miudezas que tinha o nome do proprietário. O nome da loja: J C Anibal Comércio. Era uma loja tradicional, de muitos anos e era conhecida em toda a região, não só no Caí. Então, o pessoal de Harmonia, cidade vizinha, descendentes de alemães, com sotaque, então combinava:
   - Vamos sábado de tarde no Caí, comprar miudezas no Xota Canibal e depois vamos na missa do lado da loja.

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