Ruídos, Burburinhos
É incrível como a natureza fornece ruídos para nós de onde tiramos prazer. Sim, aos nossos ouvidos não são só melodias e canções que nos dão prazer, aconchego, sabor, recordações, enfim, um mar de sensações diferenciadas para cada tipo. O mesmo acontece com o ruído. Ruído pelo seu próprio nome já parece algo ruim. Não sei por que, mas o nome me soa áspero, difícil de digerir. E se a gente for ver a origem do termo, ruído vem do latim e significa rugido, ou seja o barulho que um animal faz quando está brabo, com fome, ou acuado. Um ruído mais leve seria rumor. Algo tipo como burburinho, algo provocado por aglomerações de pessoas ou animais.
Um burburinho também pode ser muito agradável. Por exemplo, de manhã cedo quando acordo e ouço o burburinho da imensidade de passarinhos dando boas-vindas à natureza, ao dia, ao sol, é algo que soa bem aos ouvidos. Alegra o começo do dia e faz pensar o quanto estes bichinhos irão lutar durante o dia para terem seu alimento, sua água, enfim, sobreviver, para no dia seguinte iniciarem com a mesma cantoria e o ciclo recomeçar.
Também o burburinho de crianças na hora do recreio numa creche, como tem uma aqui perto, desperta dentro de mim aquela sensação da continuidade da vida, da sequência de gerações, afinal, ali estão vidas que chegaram há pouco no meio de nós e já estão manifestando sua energia, sua intensidade no relacionamento com outros serzinhos de sua idade, formando um rumor muito agradável de ouvir. Burburinho de crianças é elixir de longevidade. Eu me sinto remoçado ouvindo elas e sentindo o quanto de vida e caminhar tem pela frente, assim como eu um dia fui criança e caminhei até onde hoje cheguei.
Mas, eu estava falando de ruídos antes. Voltando ao tema, você já pensou sobre ruídos prazerosos? Têm muitos. Alguns não vou citar porque certamente há menores lendo este texto, mas os adultos que me acompanham já sacaram sobre o que estou falando e que dentre estes ruídos muitos intensificam todo o acontecimento em si. Que este acontecimento no silêncio não teria a menor graça. A natureza nos privilegiou com muitos ruídos gostosos. E para mim o mais aconchegante é o ruído do mar. Não existe remédio mais calmante do que ouvir o mar. Claro, se puder vê-lo e ouví-lo ao mesmo tempo, melhor ainda. O mar tem um ruído específico. E a ciência explica: o ruído do mar vem daquelas milhares de bolhinhas que se formam nas brumas das ondas, aquele branco que fica por cima delas. estourando enquanto a onda caminha. É impossível recriar este efeito porque ele precisa de imensidão para gerar o ruído final que se ouve. Então é uma mistura de fervilhar com movimento e finalizar de uma situação que este ruído do mar proporciona. Até hoje não ouvi ninguém dizer que odeia o ruído, o barulho do mar.
E há o ruído da chuva caindo. Mais um calmante especial que convida ao descanso. Nada é mais gostoso do que ir dormir ou acordar com aquela chuva calma caindo lá fora formando seus caminhos de gotas, depois corredeirinhas, seguindo até as partes mais baixas do terreno e indo embora. A chuva tem um efeito sedativo, calmante, zen. Quem já não teve vontade de voltar a cochilar quando, ao acordar de manhã ouviu aquela chuvinha gostosa tamborilando pelas quebradas do pátio?
Ruído, sinfonia dissonante que tanto bem faz aos ouvidos.