quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Hora da Faxina - Kerb de Harmonia



Kerb de Harmonia

   Antigamente na colônia alemã o Kerb era um dos mais importantes eventos para a família devido à intensidade deste acontecimento. Mas o que é Kerb? Traduzindo literalmente para o português significa "cestos". Ou seja, é uma forma figurada de significar fartura, pois antigamente os colonos juntavam sua colheita em cestos para transportar até a carroça ou até o paiol onde armazenavam esta produção.
   Juntamente com o padroeiro, em sua comemoração, se fazia o Kerb, ou seja, uma festa com todos os parentes que vinham de longe para comemorar com a família em Kerb a fartura da colheita daquele ano. E era uma loucura a fartura de comidas e as comilanças que duravam três dias, de sábado até segunda, quando então na terça os parentes iam embora.
   Na vizinha cidade de Harmonia, onde nasci e vivi minha infância não era diferente. Apesar de o pai ser o contador da Cooperativa, ele respeitava a data e fazia a festa do Kerb mesmo não sendo colono, pois vinham parentes até da Argentina para comemorar conosco. Haviam enormes dificuldades para armazenar a comida pois não se tinha geladeira, e alimentar um monte de gente com três refeições diárias durante três dias era uma tarefa gigante. A carne era conservada no meio da banha em latões de 20 quilos. Assim, na hora de fazer ela ainda estava em perfeitas condições de uso. Fora as galinhas que eram sacrificadas antes de cada almoço ou jantar para completar o cardápio. Batata inglesa e aipim era enterrado dentro de uma caixa de areia seca, abrigada, também para se conservarem. Assim se viravam.
   No evento também eram consumidos cerveja e refrigerantes, que eram resfriados dentro do tanque que ficava na área nos fundos de casa, do lado da cozinha, pois a água que saía da fonte que jorrava eternamente ali, era fresquinha deixando a temperatura da bebida mais agradável. 
   De noite para dormir era um sufoco: juntavam todas as mulheres em um ambiente, os homens em outro as meninas em um terceiro, e os meninos em um quarto ambiente. Tudo funcionava assim, simples e prático. Mas, meus irmãos e eu sempre tínhamos receio daquele primo da Argentina que tinha incontinência urinária e mijava toda noite na cama. E tínhamos que dormir com ele.
   O Kerb em Harmonia sempre é no segundo fim de semana de Maio. E, com o passar dos anos a festa da família no Kerb começou a decair pois muitos deixaram de trabalhar a terra. Então o evento ficou marcado com bailes nas três noites. E tradicionalmente a Sociedade de Harmonia faz seu baile de Kerb regado a chopp na segunda de noite. 
   Há muitos anos nós íamos, eu e Bere. Num destes bailes, ao sairmos para vir embora lá pelas três da manhã, estava uma garoa leve, meio fresquinho. Nós havíamos deixado o Passat 74 estacionado longe do salão, logo depois de um arroio que atravessa o centro de Harmonia. Vínhamos voltando de mãos dadas, e quando chegamos perto do arroio, no outro lado tinha um rapaz parado, cambaleando, fazendo pipi dentro do arroio. Bem ali tinha uma luminária. Bere ainda comentou comigo: "Homem é bicho mesmo, faz pipi em qualquer lugar!" Nisto ouvimos um grito e o rapaz caiu para dentro do arroio. 
   O que fazer? Claro, não íamos deixar ele se afogar, o arroio estava alto e com correnteza. Dali onde ele havia caído dava mais de dois metros de altura. E já o rapaz gritou por socorro. 
   Bere disse para eu ir lá ajudar o cara a sair do arroio enquanto ela iria chamar a brigada.
   Eu fui, desci o barranco íngreme e alto e fui atrás do rapaz que aquela altura já tinha sido levado uns dez metros arroio abaixo. Quando cheguei perto, estiquei o braço e ele agarrou firme. Eu disse para me dar o outro também e ele disse chorando que estava com muita dor, que havia quebrado o braço na queda. Viemos caminhando contra a correnteza até perto da pontezinha e antes de subir, vi que ele ainda não havia recolhido o pinto. Disse a ele para fazê-lo enquanto eu o segurei pelos ombros. Depois, escalei aquele barranco barrento me segurando nas poucas coisas que tinha para segurar e puxei ele para cima. Quando já estávamos quase saindo do arroio chegou a brigada e eles ajudaram a sairmos dali.
   Colocaram-no na viatura e o trouxeram para o hospital do Caí. E eu fui até o carro onde Bere me esperava. Eu estava irreconhecível, parecendo ter tomado um banho de lama. Mas salvei o cara.
   Quando cheguei em casa, um banho demorado enquanto Bere preparou um lanchinho para nós e enquanto comíamos rimos tanto deste fato inusitado que chegou a doer a barriga.

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