sábado, 23 de novembro de 2013

60 Dias sem Bere, Viúvo




 60 dias sem Bere, viúvo. 

   Hoje ando me sentindo sensível. Amanhã completarão dois meses em que fiquei viúvo, e quanto mais o tempo passa, mais eu sinto a ausência dela, nas coisinhas dela no seu dia a dia. Não queria que fosse assim. A saudade da ausência da Bere deveria estar diminuindo. Mas não está. Quando vou fazer alguma coisa na casa, ouço a voz da Bere conversando comigo, dando suas dicas, fazendo estas mesmas coisas que eu faço, que ela faria com tanto amor e alegria. Com dedicação. Como é sábado, juntei as toalhas de banho e de rosto de todos os banheiros para lavar, como ela sempre fazia. Toalhas de três banheiros, só elas na máquina. Adotei a rotina dela. E cada toalha, ao pegar ela analisava. Via se não estava muito encardida para aplicar algum produto antes de por na máquina de lavar. E novamente ensinava: "Deixar no sol até estarem quase secas, depois dez minutos na secadora, para afofar."
   Ontem foi o dia de lavar nossas roupas de cama. Tudo. Até o travesseiro dela eu venho cobrindo com uma fronha, e mesmo sem usar, troco e lavo toda a semana. E quando a saudade aperta durmo abraçado nele. E enquanto arrumo a cama, relembro a dica que sua experiência me ensinou: "Coloca o lençol, encaixa os elásticos nos quatro cantos do colchão, estica. Depois pega o travesseiro e puxa ele do meio da cama para as bordas para tirar todas as dobrinhas." Refaço seu gesto. Bere não gostava de fronhas,lençol e colcha mal colocados. Dizia que se dormia melhor com tudo liso, ajeitadinho, e que colcha desalinhada mostrava o relaxamento de uma dona de casa. E amanhã, lavar nossa roupa. E, como Bere me ensinou: "Roupa que solta tinta lava a mão. E extende ao avesso no sol para não desbotar. Já a roupa branca, seca à sombra para não amarelar." Isto tudo ouço no meu interior, como se ela estivesse do meu lado me orientando.
   Minha sensibilidade está diferente. Já não tenho mais tantos momentos de emoção, de choro. Mas eles ainda acontecem. Mesmo nem tantos, ainda frequentes. E quando acontecem, choro muito. A dor da ausência das coisinhas da rotina de Bere estão me abalando, e como já disse, é como um tufão que assola, passa, faz seus estragos e vai embora. Ainda ando acordando diversas vezes na semana, exatamente às 6:15, quando o despertador dela a acordava. E ele está desligado. E no despertar, no inconsciente ouço o chuveiro como se ela estivesse lá, tomando seu banho, se preparando para mais um dia de mil atividades. Seu uniforme do trabalho dobradinho na borda da banheira: embaixo, a calça azul marinho e em cima a camisa branca, com o bordado azul do nome do escritório, de uma alvura sem igual. Em cima da camisa, combinando, a lingerie, que vestiria primeiro. Tudo esperando ela no amanhecer, ao lado de cremes para as pernas, o corpo e a face. E mil coisas espalhadas sobre o mármore ao redor da pia, na ordem certinha da sequência em que ia se arrumar: desodorante, perfume suave - todo dia um diferente - brincos, correntinha, relógio, bracelete e anéis. Anéis com pedras grandes. Adorava. Um pouco mais para trás, uma tiara e um pote com prendedores de cabelo, caso não lavasse o cabelo e ele se mostrasse rebelde.  No outro lado da pia, escova de dentes já com o creme dental colocado,lápis para os olhos, rímel e batom. Ainda o óculos velho para conferir o final da produção. O óculos novo já estava na bolsa, preparada para levar ao trabalho. Não podia esquecê-lo de jeito nenhum. Tantas e tantas vezes vi esta cena, pois Bere já deixava tudo preparado de noite, antes de ir dormir. Assim de manhã ganharia tempo. Uma dedicação de estima para consigo, um sagrado tempo para si, para depois apresentar o melhor de si primeiro a mim, ao me acordar, às 7:30. Depois ia ao seu trabalho, linda, poderosa. E ao me chamar, aquele doce aroma de pureza no ar, com a mistura de tantas pitadas de cheiros gostosos e de cuidados para se deixar deslumbrante e agradável, deixa pairando até hoje no quarto a impressão de sua presença. 
   Queria tanto ver ela novamente, ao meu acordar, desistindo de toda a roupa que escolhera na véspera, para num rompante, em frente ao grande espelho do quarto, trocar o soutien que apertou ou que não combinou, ou o uniforme, por outro mais leve, para combinar melhor com o clima. Coisa só de mulher, que homem não compreende. E no fim, a troca. Um espetáculo somente para mim, seu único espectador. Ela sorrir e dizer: "Só troquei pra te provocar!" Vinha, me dava um beijo na testa e cochichava: "Vidinha, à noite vai ter o troco!" Estes fetiches, estas nuances do dia a dia que acendiam e ligavam tanto nossa vida. Nuances por demais especiais, que aconteciam. Ninguém protagonizava. Nossa química fazia acontecer. 
   Assim como foi o caso do sábado passado. Eu, fazendo nossas compras normais no supermercado, instintivamente peguei uma penca de bananas caturra e coloquei no carrinho. Mas logo me lembrei que só Bere gostava de banana caturra. E sempre esmagadinha com açúcar. Eu e os meninos só gostamos de banana catarina. Na hora troquei. Mas ao efetuar a troca, me bateu aquela saudade da ausência da nossa telepatia, onde ela não tinha anotado bananas na lista do mercado, e onde eu via as bananas e comprava pensando nela. E ao chegar em casa, ela, ao vê-las comentar: "Nossa, lembrou das bananas! Eu havia esquecido de anotar. Foi transmissão de pensamento." Esses detalhes dão um vazio saudoso que intensifica na medida que o tempo passa. Tudo eu sinto e refaço em nossa vivência. Como com tantos ensinamentos que ela deixou. Tipo: ontem fui abrir um vidro de pepinos em conserva. Claro, a tendência é girar a tampa e abrir na marra. Mas não consegui. Então me lembrei do seu jeitinho de dominar facilmente este processo. Ela dizia: "Calce com uma faca entre a tampa e o vidro e puxe levemente a tampa pra fora. O ar vai entrar e compensar a pressão. Tsssc! Pronto, agora é só girar a tampa." Nossa! Eu havia lutado mais de dez minutos com o vácuo daquela conserva, e foi tão fácil abrir o vidro depois de lembrar do seu ensinamento.
   Eu amo demais ter amado Bere. No todo. Intensamente. Não existem palavras para descrever este sublime relacionamento. Bere era o tipo de pessoa que entra na vida da gente, se instala, não pede licença, mas que depois de instalada, faz bem. Somente engrandece. Eu cresci muito com sua sabedoria, sua paz, seus encantos e seu modo de ser. Cresci aprendendo a deixar fluir meus sentimentos, que antes, talvez, estivessem travados, ou até, soltos demais. Mas agora, minhas lágrimas rolam soltas, não freio. São lágrimas de uma mistura entre muito de tudo e muito de falta. Eu sinto sua falta. Bere está me faltando. E muito, demais! Não sou egoísta, mas ela me faz falta. Muito, muito. Sua integridade me faz falta. E a falta se intensifica mais e mais quando lembro aquele acontecimento lá em Itacaré na Bahia, onde ela se mostrou o ser mais sublime que se possa amar. Lembro e choro muito. Choro ouvindo nitidamente sua voz me dizendo: "Não quero te ver triste. Arruma outra, tô no fim mesmo!" Nunca ouvi dizer que uma pessoa, em sua sã consciência, tentou abrir mão de quem mais amava por amor, para não ver sofrer. E Bere o fêz. Sabe o que é entregar teu tudo para não ver sofrer? Bere o fêz. Melhor, tentou fazer, mas eu não deixei, a chamei de boba. E prometi lutar ao seu lado até o fim. E o fiz. Não consigo esquecer isto. Gente! Seu amor incondicional passou da conta! E mesmo eu chateado por ela ter feito isto, hoje choro ao relembrar. Porque amar é doar. E ela doou completo. Não pensou. Se doou. Parece que amor incondicional não existe. Mas ela provou que sim, que existe, porque quem ama, liberta seu amor, seja para o que for. Mesmo que seja a sua dor maior. Amor incondicional.
   Já me sinto mais sereno após dois meses sem Bere. Muito longe de estar alegre como eu era antes. Mas feliz. A diferença está na ferida que já cicatrizou. Mas é só uma casquinha. A ferida está aberta embaixo, e basta um escorregãozinho pra abrir tudo de novo.
   Se amor tem nome, com certeza é a soma de Bere e nossa vivência. Porque ela era a soma de um amor infinito, carregado com a luz de sua sobriedade. Como eu fui feliz por ter tido a chance e o privilégio de poder amá-la! E principalmente ter sido amado por ela! Isto me gratifica. Porque poder amá-la me fez fazê-la se completar, se realizar e encher seu mundo de vida, alegria e amor. Mesmo que não durasse uma eternidade, foi muito bom enquanto durou. 33 anos. Bere, obrigado por ter acontecido em minha vida!!! Teu amor incondicional estará sempre em meu coração. Sempre!








"FAMÍLIA É TUDO!"


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