domingo, 3 de novembro de 2013

A Maionese



A Maionese.

   Hoje não fiz maionese. Apesar de ser Domingo, e este ser um prato tradicional em Domingos aqui em casa, não fiz. Até cozinhei as batatas, 4, estão prontas, cozidas, junto também, um ovo cozido. Aliás, o ovo foi tirado 15 minutos depois de começar a ferver "para a clara não ficar borrachuda" como Bere sempre me ensinou. Quando tinha descascado a primeira batata com a colherinha de chá como ela sempre fazia, travei. Do mesmo jeito como no domingo passado também não fiz, travei na hora da colherinha. Batatas cozidas, sem maionese. Olhei para aquele prato e me lembrei de tantas vezes em que aos domingos, a maionese era uma simbiose nossa. Muito além de ser um simples prato culinário, ele nos ligava, ele nos fazia ser a essência de nós dois. Cada um fazendo uma parte deste prato, que acabava virando o prato sempre elogiado, muito elogiado por tantas pessoas a nós queridas que passaram conosco no almoço em tantos domingos especiais. Sempre era assim: eu batia a maionese em si, no mixer e temperava as batatas e demais picados com sal e vinagre. Ela tinha medo de "errar a mão" como dizia. E sempre ficava com sabor sem igual, especial, indescritível. Ela, preparava as batatas e picava os demais ingredientes. No fim, ela misturava a maionese, uma medida crítica para deixar o prato no ponto.
   Mas para Bere não era só preparar as batatas em si. Para ela era como um ritual. De concentração e entrega focada nesta ação. Ela fazia aquele prato com tanto carinho, acrescentando muitas coisas para deixá-la colorida, como ela gostava: temperinho verde, pimentão verde,vermelho e amarelo, tomate, pepino, palmito. Uma maionese com conteúdo, assim como foi toda a nossa vida em comum, com conteúdo. Tinha domingos onde a maionese pra mim era mais gostosa que o churrasco em si. Sabor perfeito! Pleno! Sabe, aquele sabor de tudo presente, tudo sentido, tudo no gosto? Era assim.
   O jeito da Bere em perder muito tempo picando aqueles ingredientes em pedacinhos microscópicos "para agregar sabor" como dizia, deixavam aquele prato tão bem preparado, único. Até nisto ela botava amor. O carinho em fazer um prato muito especial, só para nós dois, somente, já que os filhos não comem. Mas era o nosso prato. Nosso coroar de domingo, para uma semana que havia passado cheio de muitos altos, alguns baixos, mas que tirávamos de letra porque ela era de atitude. Bere tinha sempre serenidade para encarar, e depois de ver o que fazer, tomar a atitude certa. E nosso brinde acontecia no almoço especial de domingo, com maionese, preparada por nós dois.
    Olho para estas batatas mas não enxergo vida nelas. E alimento é vida. Alimento é energia, mas a energia que tinha dentro deste alimento, a maionese, se foi há 30 e poucos dias. Se fosse preparar a maionese, com certeza não teria gosto de nada, porque faltaria a liga, a vida, a energia que tantas vezes ela acrescentou no preparo deste prato. Difícil explicar. Mas tem coisas que me amarram nela com tanta intensidade, que não é fácil desapegar. Um simples prato de maionese. Um complicado emaranhado de lembranças. Como desapegar, se na hora do almoço de domingo, a primeira garfada da Bere era sempre a maionese para "sentir seu sabor" e o elogio em seguida, dando parabéns à equipe, nós dois, já que fora feito desta forma? Como? Não tenho como. Olho para aquele pote de vidro com tampa de plástico, comprado especialmente para fazer a maionese, tapar e deixá-la livre do ar, mas não tenho vontade em preencher aquele pote. Penso: "Só 4 batatinhas mais um ovo não vão preencher nem o fundo deste pote!" E antes ele ficava ricamente colorido com tantas coisas nele acrescentadas.
   Um dia vou voltar a fazer maionese. Tenho que superar esta barreira, eu sei. Mas são etapas difíceis de serem vencidas. Porque uma batata cozida e uma colherinha me trazem de volta tantos momentos especiais, em casa, na praia, nos encontros da família, onde ela orgulhosamente desempenhava a tarefa porque sabia do belo resultado que isto traria. E mais uma vez as lágrimas me traem. Juro, não queria chorar, não queria mesmo, mas não tem como. Puxar isto tudo de dentro de nossa existência é muito forte, é muito real, é muito vivo. Puxar detalhes lindos, puros, de significado fugaz para tantos, mas que para mim têm dentro uma história inteira, uma vida inteira, um amor inteiro, não tem como não chorar.                 Péraí.... vou lavar a cara.
    Mas prometo: vou voltar a fazer maionese. Talvez no próximo domingo, quem sabe.
 


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