quinta-feira, 17 de abril de 2014

Hora da Faxina - Alfred


 Alfred

   Alfred era o nome do nosso sapo de estimação. Era um sapo enorme. Não cabia nas mãos, de tão grande que ele era. Sapo do tipo comum, malhado entre listras cor de areia sobre o corpo preto. Seu papo era tão grande, que quando ficava parado, encostava no chão.
   Pois este sapo, num dia de chuva, de bastante chuva, apareceu inusitadamente em nosso pátio e lá se alojou. Nunca mais saiu. Meus filhos, quando o viram, acharam que ele tinha a cara do mordomo Alfredo do papel higiênico Neve, pois tinha uma boca fininha que rasgava sua face, como o mordomo. E também tinha os olhos debochados, como o Alfredo tinha. E logo o chamaram de Alfred.
   Era lindo de se ver. Todas as noites ele aparecia na frente da cozinha, na luz da rua, onde diversos insetos caíam e onde ele fazia com isto seu banquete. Alfred era  comilão. Ficava muito tempo ali, se alimentando, puxando os insetos para dentro de seu enorme papo com sua língua gosmenta. As duas glândulas atrás de sua cabeça, onde os sapos fabricam um leite venenoso, eram tão grandes que pareciam um par de olhos adicionais.
   A maioria das pessoas diz ter nojo de sapos. Muitas vezes tentei encontrar a razão de tal interpretação. Afinal, o sapo é como qualquer outro bichinho, e quando se acostuma a um pátio, fica de estimação, não sai mais. E se é posto para fora, sempre volta. Os sapos fazem companhia para a gente de noite. De dia desaparecem. Mas de noite, na calmaria ou na solidão, eis que um sapo vem saltitando alegre ao nosso encontro, atrás de alimento. Sempre tive para mim a importância de ter um ser vivo que ficasse em nosso meio para dar movimento aos nossos dias. E sempre acreditei que sapos ou pererecas não eram diferentes. São seres vivos que de uma forma ou outra, fazem nossa vida ter movimento. 
   É interessante ver este seu bailado ao redor de alguma presa para  abocanhá-la. Melhor, para puxar pra dentro com sua grande língua. Quando eu estava sem o que fazer, ficava um bom tempo observando o Alfred no seu gingado meio sem jeito, pela sua gordura, a tentar garantir seu jantar, e quem sabe, com isso pulava todas as alimentações do dia, até o próximo jantar. A Natureza é muito sábia: ela nos oferece todos os tipos de seres vivos para que, entre eles, estabeleçam um equilíbrio de vidas a habitarem aquele ambiente. Porque um desequilíbrio geraria o caos. Já imaginou se a barata, além do veneno que a gente põe, não tivesse um predador natural, que é além daquelas lagartixas domésticas, o próprio sapo? Nossa! A vida seria um caos, pois elas iriam tomar conta com seu jeito nojento de ser e com seu fedor.
   Alfred viveu em nosso meio mais de ano, quando de repente, um dia o encontramos esmagado no meio da rua, atropelado por algum automóvel. Os filhos sentiram bastante o ocorrido, pois haviam se afeiçoado ao sapo.
   Minha infância foi toda vivida sem ter medo ou nojo de sapos, pererecas e afins. A gente se acostumou a conviver com os bichinhos, e nossos pais nos instruiam da importância deles em nossa vida. Ficamos sabendo que eles realmente soltam um jato de urina em sua defesa quando são provocados, mas de que esta urina não cega como muitos dizem. Já o leite de suas glândulas pode cegar. Por isso que devemos ter um certo respeito por eles. Mas, eles não soltam aquele leite tão facilmente. Lembro que a gente, quando criança, pegava uma varinha e começava a esfregar a glândula. O sapo ficava desconfortável com aquilo, se irritiva, ficava de 'quatro' o que não é normal no sapo e depois de muito provocar, eles deixavam sair o líquido de sua defesa da glãndula.
   Quem sabe, um dia outro sapo vem e se instale no meu pátio. Mas quero que seja grande, gordo, de cara debochada que nem era o Alfred.


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