quinta-feira, 29 de maio de 2014

Hora da Faxina - Comida




 Comida

   A natureza foi pródiga conosco ao fazer com que tenhamos prazer em nos alimentar. Pois, sendo necessário ingerirmos diariamente esta mistura de elementos para mantermos nosso vigor físico e nossa saúde, nada melhor do que poder saborear e sentir o gosto dos mais variados alimentos.
   Muitas culturas diferentes criaram arranjos diferentes de comidas e comem coisas que para outras culturas possa parecer absurdo. Provavelmente, do mesmo jeito como nós nos impressionamos com os tipos de insetos que os chineses consomem, eles devem se impressionar com os tipos de raízes que consumimos, principalmente a mandioca, ou para os gaúchos, aipim.
   Fazer comida é um ato muito prazeroso para muitas pessoas. Outras já não gostam de cozinhar, exercendo a atividade unicamente para suprir as necessidades da família, já que de outro jeito, não comeriam. E comida feita só pela necessidade de fazer não é boa. Parece que falta algo em seu sabor, ou que não fecha no paladar. Geralmente o arroz é pegado, a carne é dura e o feijão é aguado e salgado. São as consequências de mãos lidando com as panelas com a obrigação diária de realizar esta tarefa. 
   Já comida feita com prazer tem sabor, tem alma, tem buquê. De uma simples cozedura de aipim se tira sua essência e parece que ele é mais gostoso. E explico por que: O aipim dá para cozinhar simplesmente atirando as raízes cortadas em pedaços em uma panela, encher a panela de água quente, jogar um punhado de sal e esperar amolecer em sua cozedura sem cuidar, afinal tem água suficiente para não secar. Este é o jeito prático de fazer esta raíz, que a deixará com falta de sabor. Outro jeito de fazer, quando se tem prazer em cozinhar, é jogar as raízes cortadas em uma panela, colocar água fria até cobrir, deixar em fogo médio até levantar fervura. Descartar esta água, colocar novamente água fria até cobrir, colocar uma colher de margarina, sal na medida e cozinhar em fogo médio, sempre acrescentando água quando as raízes começam a sair do líquido da panela. O sabor será bem outro porque desse jeito vai apurar o sabor do aipim, já que a quantidade de água é só o suficiente para cozinhar o aipim.
   Eu sou um desses cozinheiros que fazem comida por prazer. E além dos pratos tradicionais, tantos que faço, sempre ando inventando novos tipos e arranjos. Uma comida bem arranjada num prato já a faz ficar mais saborosa, afinal, se come primeiro com os olhos. Esta história de servir maionese em bacia plástica ou arroz em panela encardida já tira o gosto da essência do que estes recipientes contêm. As cores na combinação de comidas também sabem trazer um efeito especial na finalização de um prato. E na natureza é muito difícil existir alguma combinação de alimentos que seja prejudicial ao organismo. Tem vezes somente em que o sabor não dá uma boa mistura. Mas isto também é inerente ao paladar de quem vai comer. Coisas que eu gosto de misturar nem sempre serão coisas que você gostaria de misturar.
   Mas falando em pratos diferenciados, tem um que faço que é muito apreciado por todos que já o experimentaram, que é um molho especial que foi inventado por minha mãe. Por isto o apelidamos de molho da vovó Érica. Ela criou este prato devido à necessidade dos tempos bicudos da familia, onde a grana escasseava e tinha que fazer malabarismos para chegar até o fim do mês com o salário que meu pai ganhava. Como a turma era grande, e aumentava nos domingos já que levávamos namoradas para casa, o almoço tinha que render com algum tipo de carne barata. A eleita foi o cochão duro. E dali acabou saindo uma receita única, que leva quatro horas para preparar, e que a mãe iniciava nos domingos às 8 da manhã para servir ao meio-dia. Não tem segredo. O jeito de fazer é que faz a diferença. Eu aprendi a fazer este molho com a mãe, e sempre sou solicitado pelos irmãos e sobrinhos para o fazer em encontros nossos. Aliás, aprendi a fazer tão bem, que um dia meu pai deixou a mãe muito chateada pois disse que eu fazia o molho dela melhor do que ela. E eu também, em vez de me orgulhar do que ele disse fiquei chateado pela mãe, por meu pai ter sido tão indelicado com ela. Eu tinha na época doze anos.
   Sempre fiz este molho. Prato garantido pelo menos uma vez por mês. Bere adorava e sempre pedia para fazer. Então, num domingo desses eu fiz este molho. Ainda não tínhamos filhos. Fiz a mais para sobrar para segunda feira.  Ocorre que na segunda, veio um velhinho limpar meu pátio. Eu o havia contratado para fazer este serviço, por pena dele, já que era aposentado, ganhava pouco e tinha uma família enorme pendurada em seus proventos. Assim ele tirava um extra. Zé era o nome dele. Como ele não havia concluído o serviço de manhã, o convidei para almoçar conosco. Comida simples: o molho da vovó Érica, arroz e salada de repolho e alface.
   Zé prontamente aceitou meu convite. Sentou conosco à mesa, eu e Bere de um lado e ele do outro lado. De cara pediu uma colher para comer, que ele não sabia comer com garfo. Bere alcançou uma colher para ele, e o velhinho serviu um monte de arroz e cobriu aquilo de molho. Se deliciou tanto, que repôs seu prato agora só com o molho. e ele, comendo de colher repetia a toda hora:
   - Mas que gostoso este feijão. Dá pra comer puro! Eu nunca em minha vida comi um feijão tão gostoso.

Preparando o famoso molho para a família. Na companhia, a sobrinha Francine.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Pequena Mentiras, Meias Verdades - Com Cento E Seis Anos





        Com cento e seis anos

Do jeito como os anos passam, cada vez se vê que as pessoas envelhecem mais.
É impressionante como as pessoas vivem a mais hoje em dia em comparação com antigamente. Quando eu era um garoto, diziam que com cinquenta anos se era velho. Quando uma pessoa falecia com mais de cinquenta anos a conversa entre as pessoas soava assim:
- Ora, ele já era tão velho! Ele morreu de velhice!
Então, a pessoa que estava ao seu lado respondia:
- Que Deus nos ajude chegarmos também tão longe!
Mas hoje em dia, já passamos dos cinquenta e sentimos que a vida ainda está no começo e que ainda poderemos viver mais cinquenta anos.
Tudo mudou. Através da medicina e da comida balanceada chegamos no ponto onde facilmente passamos dos oitenta anos. Então quando alguém morre com cinquenta anos, nós dizemos: 
        - Ora, ele morreu tão jovem! 
E assim, com os tempos e através dos dias, a vida corre e trás sempre mais pessoas que passam dos oitenta anos de idade, cheias de saúde, cheias de entusiasmo e vida. Conheço vários.
Um amigo meu um dia me disse que as pessoas que envelhecem com saúde são as que não têm medo de acompanhar a tecnologia e que não se angustiam em acompanhar as novidades.
E isto é uma verdade. As pessoas que lidam com computador, que tem seu celular e sabem tirar dele mais do que só telefonar, estão tão engajadas com a tecnologia a ponto de levarem a vida com mais qualidade e viverem mais. O interesse em aprender as novidades faz a atividade cerebral dos longevos ser mais intensa, esquecendo com isto suas dores e diminuindo sua ociosidade.
E ainda, juntam-se a eles aqueles que passam de cem anos e não cuidam o que comem e de sua vida. Então, doutores se impressionam das velhinhas e velhinhos que chegam tão longe sem se preocuparem com o que fizeram ou o que comeram.
Para mostrar como isto acontece, tem a história daquela velhinha que se chamava Leonilla. Era uma senhora simpática e alegre, que já chegara aos cento e seis anos. Ela ainda estava com a mente em sã consciência e tinha uma família que estimava muito.
Leonilla, na realidade era um exemplo da mulher que construiu sua vida em torno da família, na comunidade e pelo orgulho da amizade de sua família.
E porque a família também se preocupava com a saúde da velhinha centenária, faziam com que ela fosse, assim como aconteceu já no ano anterior, se consultar com um médico e fazer um checkup.
Ela aceitou e foi ao médico, aliás bem mais jovem que ela, pudesse até ser seu neto pela idade. Ele então lhe prescreveu uma bateria de exames a fim de fazer um retrato de sua saúde.
Ela fez todos os exames, e quando estava tudo pronto, retornou ao médico e lhe mostrou estes exames. O doutor os examinou e após ver todos os resultados, disse:
- Talvez você esteja usando banha demais.
- Sim! - Respondeu ela. - Faço feijão, arroz, carne e batatas, tudo com banha.
- Talvez você também esteja usando açúcar demais.
- Sim! - Respondeu ela. - Faço doce de coco, doce de abóbora, doce de leite, doce de figo e salada de frutas, tudo com açúcar.
- Sabia que o açúcar e a banha fazem mal? - Perguntou o doutor.
- Certamente! - Disse ela.
O médico continuou falando:
- Também vi que você usa muita farinha de trigo. É verdade?
- Sim! - Respondeu a centenária. - Asso pão com farinha de trigo, banha, sal e açúcar, junto ainda com fermento e os vizinhos todos querem uma provinha deste pão.
- Então ainda acrescenta sal! - Disse o doutor.
- Sim! - Disse a velhinha. - Pão sem açúcar e sem sal é como carne sem banha: não tem gosto. ...Mas, como você viu tudo isto?
- Através de seus exames. Eu vi que você tem muita banha, açúcar e farinha acumulado em seu corpo. Todos os índices estão muito altos. E recomendo com firmeza que você abandone a banha, o açúcar e a farinha para viver mais alguns anos.
- Ah é? - Disse a velhinha. - Devo então realmente deixar de lado a banha, a açúcar e a farinha de trigo para viver mais alguns anos?
- Certamente! - Disse o doutor.
- Engraçado! - Disse a velhinha. - Você já é o quinto médico que me diz a mesma coisa. Os outros quatro que me falaram isto, participei do seu enterro há muitos anos atrás.

sábado, 24 de maio de 2014

Oito meses sem Bere. Viúvo.



 Oito meses sem Bere, viúvo.

   Hoje, dia 24, fazem oito meses que Bere partiu. Já não ando mais encurvado. Consigo ficar em pé e olhar para o horizonte. Consigo fazer tantas coisas do mundo de Bere que antes me emocionavam intensamente e que agora me fazem lembrá-la com doçura e saudade. Mas não é mais a saudade que machuca. O que machuca é olhar para frente e ver tantas coisas que Bere não vai mais alcançar. Então ainda, por vezes, choro lembrando o quanto ela teria gostado de participar de um evento que fui sozinho, encontros, família, estas atividades que ela tanto prezava, amava realizar. A saudade em si, agora está se transformando num pensar do lado bom do que vivemos. Não do lado ruim de sua partida. Custei a entender esta diferença, porque quando de mim Bere foi arrancada, que foi meu tudo e meu todo, senti uma injustiça tamanha em minha alma, que não houve luz para enxergar o lado mágico que vivemos. Senti tanto a perda dela, que sua falta apagou qualquer outro tipo de pensamentos. Tanto é que relendo o que escrevi meses atrás, vi que estava ferido, acuado e sem esperança de cura. Mas o tempo cura tudo. O tempo é sábio, ele sabe em sua paciência fazer a todos crer nos motivos que a vida apresenta e da necessidade de nos readaptarmos a novas realidades. 
   Refletindo hoje serenamente sobre o que aconteceu, chego à conclusão de que todas as pessoas, num determinado momento de suas vidas, deveriam ter uma grande perda. Sei que mexi com você ao dizer isto, mas é fato. Então, talvez, a humanidade seria muito mais afeita a valores do coração do que valores de bens. A saída de nossas vidas de alguém tão importante como a esposa, quando o amor foi sublime e inteiro durante todos os anos de relacionamento como foi o nosso, faz com que se olhe o mundo de uma maneira imaterial. Se olha o mundo unicamente pelo lado sentimental. E se descobre que as pessoas realmente não se dão o tempo para este lado. Na dor da perda, quando se entra dentro de si para tentar sair lentamente, mas fortalecido, enquanto se está neste processo, vê-se o mundo terrível que nos cerca. O mundo de valores na busca de mais e mais, deixando completamente de lado os valores que são tão importantes quando se perde alguém: a afetividade, o companheirismo, o tempo de ouvir alguém e de aconselhar, o tempo para pensar sobre o verdadeiro valor de um relacionamento e de sua importância na química do nosso dia-a-dia. O tempo de olhar serenamente para as pessoas e delas somente esperar uma troca de olhar sereno, nada mais. A avidez da corrida diária pelo crescimento material apagou este processo no olhar da maioria das pessoas enquanto correm atrás da máquina. Nosso custo de vida ficou muito caro e cada vez mais precisamos fazer ginásticas arriscadas para suprir todas as necessidades que o meio impõe. E o mais importante fica de lado, de fora, que é o sentimento de bem e de carinho para com as pessoas. Mas no dia em que tiver uma perda importante em sua vida, verá que nada vai lhe fazer bem a não ser o seu sentimento pela situação em si. E vai procurar resgatar tudo isto de dentro de você como pílulas de força para se manter vivo. Nada irá distrair você porque ininterruptamente o sentimento vai estar gritando em seu interior querendo aflorar e tomar conta de você, cobrando o tempo que você não tirou para parar com seu lado material e cultivar carinho, interesse de bem querer, atenção e amor para com todas as pessoas. Mas principalmente para com a pessoa que partiu.
   Dê-se o tempo de ouvir. Não existe forma mais profunda de compartilhar sentimentos. Pois enquanto estiver ouvindo alguém falando de si, de suas coisas, que para você podem parecer bobabens, mas que no momento estão sendo tão importantes para a pessoa que está lhe falando, que ela tem a necessidade de partilhar isto com você. Aqueles mil reais que você está precisando, serão seus, acredite. Mas no momento em que for o certo e não o momento em que você quer ou precisa. Não vai acelerar recebê-los deixando de ouvir alguém que lhe ama ou confia em você, ou até somente tem simpatia por você. Talvez até atraze. Porém marque isto: sentimentos bons atraem somente coisas boas, até valores materiais. E ouvir alguém que lhe ama é um dos sentimentos mais sublimes para ambos. Solidifica o amor e faz um bem químico indescritível. Pare. Dê-se o tempo de ouvir. Vai lhe fazer muito bem.

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   Para completar meu discernimento, conto um fato que aconteceu comigo para verem como muitas pessoas perderam completamente os sentimentos
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   Eu estava num daqueles momentos de muita saudade, bateu o choro e chorei. Durante o expediente de trabalho. Fui no banheiro me lavar, e enquanto estava me lavando chegou um cliente. Fui atendê-lo, olhos vermelhos, e o cliente antes de dizer bom dia falou:
   - Que cara de sono ou de manguaça é esta?
   Eu respondi: 
   - Bom dia! É cara de choro mesmo. Fazem três meses que perdi minha esposa.
   Ele me encarou com vontade e disse:
   - Bobagem! Partiu, partiu! Agora é vida nova. Corre atrás da máquina que não vais pensar estas besteiras.
   Pronto. Voltei a chorar. Agora de sentimento pela falta de sensibilidade, pela dureza de quem está de fora de uma situação destas e não faz nem ideia do que passa na alma da gente.
   Enquanto eu chorava disse para ele:
   - Não foi um bicho que morreu. Foi minha esposa.
   Ele se virou, foi indo embora dizendo:
   - Volto outro dia quando estiver mais calmo. Vi que hoje não tens clima para me atender.
   

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Culinária: Torta de Frango com Biscoito Integral




TORTA DE BISCOITO INTEGRAL

INGREDIENTES:
Para o frango:
2 peitos de frango (700g desossado e sem pele)
1 cebola média
4 dentes de alho
1 colher de molho shoyo
1/4 de xícara de óleo
sal e pimenta a gosto.

PREPARO NA VÉSPERA:
Pique o frango em cubinhos e coloque em panela com o óleo em fogo alto. Deixe ele sozinho cozinhando até secar e  começar a fritar. Acrescente a cebola e coloque água até cobrir. Deixe cozinhar até secar, a cebola e pegar cor. Coloque mais uma vez água até cobrir. Acrescente o molho shoyo, sal, pimenta e o alho. Deixe secar. Retire do fogo e com martelo de bife triture na própria panela batendo o frango até virar desfiado. 

PARA A TORTA:
1 pacote 500 g de biscoito salgado integral (eu uso Isabela)
2 potes de maionese (total 1 kg) (eu uso Primor)

PREPARO:
Primeiro dilua um cubo de caldo de galinha em meio litro de água quente. Deixe esfriar.
Misturar um pote e meio de maionese ao frango, fazendo uma massa homogênea. Ela não deve ficar pastosa, deve ficar da textura da maionese. Reserve o outro meio pote para a cobertura. Numa fôrma faça uma camada fina do frango. Passe cada biscoito no caldo de galinha e vá colocando lado a lado até cobrir a camada de frango. Coloque outra camada da massa de frango, outra de biscoitos e vá montando a torta. Geralmente sobram de 3 a cinco biscoitos do pacote inteiro. A última camada deve ser de biscoitos.
DICA: Se caso seu molho ficou mais salgado do que esperava, não passe os biscoitos em caldo de galinha. Monte a torta com eles secos mesmo. Fica mais crocante, mas o sabor não é o mesmo.

PARA A COBERTURA:
120 g de apresuntado fantasia
120 g de queijo lanche fatiado
4 pepinos curtidos
1 pimentão vermelho pequeno.

PREPARO: 
Pique todos os ingredientes bem miúdo e misture. Cubra a torta com o meio pote de maionese que reservou e polvilhe este picles por cima. Uma variante é cobrir com frutas cristalizadas misturadas com uva passa. Também fica uma delícia.





Hora da Faxina - 'Menas'



 'Menas'

   Um bom motivo para se ficar quieto é quando se tem razão e ela é contestada. Há pessoas que têm o dom para este tipo de comportamento. E geralmente a sua lógica é tão ilógica, que ficamos envergonhados com o modo como tentam impor seu pensamento. Digo isto porque aconteceu recentemente comigo uma situação muito engraçada por justamente Maria (nome fictício) tentar impor sua forma de pensar num contrassenso até certo ponto estúpido.
   Ela, gerente de uma loja de calçados em São Leopoldo, conhecida minha de anos, colocou na vitrine tênis em promoção. Na folha acima dos tênis, desenhado um balão picado, aquela forma que usam muito para dar a impressão de grito, bomba, em vermelho e sombreado de amarelo. Dentro do balão estava escrito: "TÊNIS MASCULINO POR APENAS R$ 69,90" - Abaixo, escrito em letras menores: "Menos no cartão e menas marcas famosas."
   Sempre quando vou a São Leopoldo dou uma passadinha lá, afinal conheço Maria já há mais de 35 anos e somos amigos. E na última terça-feira quando cheguei lá, vendo aquele cartaz errado, me sofri por ela, resolvendo corrigir aquele 'menas' horrível que estava no cartaz. 
   Entrei na loja, tinha duas clientes e Maria corria freneticamente para uma e outra, no intuito de atender plenamente as duas ao mesmo tempo. Ao me ver entrar, já abriu um sorrisão largo mostrando todos os dentes, inclusive a falta de alguns molares. E já gritou:
   - Pio, bom  te ver amado! Chega mais. Já és da casa. Vai, tem água quente na térmica, aproveita, te mexe e faz um chimarrão para nós enquanto atendo estas duas amadas. Automaticamente as clientes me olharam da cabeça aos pés medindo o grau de intimidade minha para com Maria para já entrar, ir fazendo o chimarrão e ser chamado de amado. Mas Maria sempre chamou todo mundo de 'amado'. É seu jeito de carinho para com as pessoas.
   Fiz o chimarrão. Saiu meio entupido, passei um trabalhão para deixá-lo solto. Mas ficou gostoso. Cheguei para junto das três, ofereci para as clientes, mas elas não quiseram. Maria logo aceitou enquanto equilibrava com uma mão só três caixas de sapatos que estava tirando da prateleira. A função com as clientes durou mais uns 15 minutos, até que finalmente ficamos a sós. Nos abraçamos, conversamos banalidades, depois coisas importantes sobre nossas vidas, filhos, negócios, e por fim minha pergunta:
   - Não notaste nenhum erro no cartaz dos tênis na vitrine?
   Maria arregalou os olhos e respondeu:
   - Que erro? O cartaz está perfeito!
   Eu ri e falei:
   - 'Menas' não te diz nada? 
   E ela:'
   - 'Menas'diz tudo: 'menas' fome, 'menas' doença, 'menas' maldade, 'menas' separações, 'menas' ignorância... Nossa, o mundo seria bem melhor.
   Eu estava rindo tanto, que não conseguia segurar ouvindo este monte de erros em uma única frase. Mas o que me fez rir pra valer foi o 'menas' ignorância. Ela ficou me encarando interrogativa, sem saber o motivo de tanta risada, então perguntou:
   - Tá com a macaca? Por que tá rindo tanto?
   E eu, ainda rindo sem conseguir conter, respondi:
   - Maria, 'menas' não existe!
   E ela me encarando séria, retrucou:
   - Como 'menas' não existe??? Vai querer dizer que agora tudo é mais??? Pelo jeito não andas acompanhando os noticiários.
   Tive que rir mais ainda. Notei que ela estava ficando incomodada com minha atitude. Então, respirei fundo e disse:
   - Maria, a palavra 'menas' não existe. Menos não tem feminino. Só se fala no masculino: menos! Menos fome, menos ignorância, menos doença. ...Assim! ...Entendeu?
   Ela ficou pensativa... Depois de um tempo desatou a rir e respondeu:
   - Tá me atochando né?
   Na hora mudei de humor e fiquei sério porque vi que ela tinha a convicção da existência da palavra. Então eu disse:
   - Bom Maria, dá uma pesquisada. Hoje a internet tem de tudo, até se 'menas' existe.
   Tomei mais um chimarrão e fui embora.
   De noite, uma mensagem no meu whatsapp: "Por que não me exigiu trocar aquele cartaz? Me fez pagar o maior mico."
   Pronto! agora eu fui o culpado. Só rindo! 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Receita: Rambonoff (Molho de Pinhão com Torresmo)



Rambonoff

INGREDIENTES: (4 porções)

12 pinhões cozidos e descascados
1 copo 200 ml do caldo do cozimento do pinhão
100 gramas de torresmo seco
1 tomate grande
2 colheres de azeite de oliva
2 colheres de cachaça
2 colheres de farinha de trigo

PREPARO:

Na véspera lave bem os pinhões e ponha a cozinhar. Quando estiverem abrindo, acrescente sal ao ponto do gosto da água estar no tempero certo de sal, deixando cozinhar por mais 15 minutos.

No dia, separe 200ml do caldo de cozimento do pinhão. Descasque 12 pinhões, picando em rodelas. Reserve.
Coloque o azeite em frigideira antiaderente, misturando o torresmo, mexendo sempre até ele começar a 'pegar' no fundo. Pegue o tomate, separe a casca do fruto tirando em camadas, picando em forma de picles. Pique o fruto e acrescente ao torresmo mexendo de vez em quando, até o tomate desmanchar. Acrescente o caldo do pinhão e 2 colheres de cachaça (preferência de alambique). Quando levantar fervura acrescente o pinhão picado. Acrescente o picles da casca do tomate. Dilua as colheres de farinha em água e acrescente devagar ao cozimento, até o caldo virar um creme mole. Deixe levantar fervura. 
Sirva com massa fettuccine.


Pequenas Mentiras, Meias Verdades - O Homem que Ha, Ha, Ha




O Homem que Há, Há, Há

Existem muitos momentos na vida onde devemos nos resguardar e não devemos rir para tudo.
Assim, em certos momentos quando se ri, muitas vezes se estraga um negócio ou uma amizade, ou algo que se esperava há tempo.
Aquele que não consegue reter uma rizadinha, muitas vezes faz a família inteira passar vergonha com seu jeito de rir inadvertidamente. 
Assim eu conheci uma vez um homem, que sempre junto com sua conversa, finalizava com um ha, ha, ha. Em todas as situações.  Era o Pedro e e ele se meteu em situaçõe engraçadas.
Certo dia ele comprou carne no supermercado, e quando chegou em casa notou que a carne não estava mais com um cheiro bom. Então ele levou a carne de volta e quando estava junto do gerente disse:
- Ha, ha, ha, a carne já está cheirando. Ha, Ha, ha, acho que você deve me trocá-la, ha, ha ha.
O gerente respondeu:
- Claro, com certeza vou trocar. Mas você precisa esperar até vir carne fresca novamente.
- Ha, ha, ha, mas isto não está certo. Eu já paguei!
Então ele simplesmente teve que esperar por carne fresca no mercado.
Uma outra vez aconteceu que ele foi num velório de um amigo e isto era um velório dramático porque  seu amigo morreu na maior, com cinquenta anos. Então, quando ele chegou lá, deu a mão para a viúva e disse:
- Ha, ha, ha, era um homem bom. Ha, ha, ha, certamente ele faltará.
Ela começou a chorar mais alto ainda, então ele disse:
- ha, ha, ha, chora, chora!
Mas, dizem as más línguas que uma vez aconteceu com ele, quando foi à zona e arranjou para ele a melhor mulher de lá.
Quando eles estavam no quarto, começou o movimento entre os dois, ela bulinando nele, ele também nela, e isso andou entre beijos, carinhos, lambidas...
ela se pelou para ele, e de repente ele disse:
- ha, ha, ha, existe um problema aqui! ...ha, ha, ha, acho que devemos deixar para outra oportunidade.
- Ué, mas por que? - Perguntou a mulher. Ele respondeu:
- Ha, ha, ha, meu trem não está funcionando hoje, ha, ha, ha.



quinta-feira, 15 de maio de 2014

Hora da Faxina - Amália



   Conheci uma pessoa diferente. Sabe aquele tipo de pessoa que fala pelos cotovelos? Bem esta pessoa. Seu nome é Amália. Estávamos na fila do banco. Melhor, lado a lado nos assentos de espera para atendimento no banco. Fila era antigamente. Agora se espera sentado. 
   Sempre vou ao banco, ou ao supermercado com o espírito preparado para tirar um tempo. Sei como são as coisas e fatalmente haverá um espaço de tempo de espera. Então para não bufar e ficar ruminando o já esperado tempo perdido, o melhor é levar na boa, conhecer novas pessoas e rir do inusitado tempo que nos é subtraído na espera.    Nestes vinte e poucos minutos de nossa espera, conheci uma pessoa especial. Amália tinha a ficha quinhentos e quarenta e nove e eu, a ficha quinhentos e cinquenta. Ela me falou do marido, dos filhos, da sua vida, de dinheiro, nossa! Cheguei a ter vergonha da intimidade que ela desovou ao meu lado contando tudo sem pudor. 
   Eu cheguei no banco com ela. Entramos juntos na agência. Por gentileza, disse para ela imprimir primeiro sua ficha. Ela sorriu, dentes mostrando que estava em tratamento odontológico, mas um sorriso de uma franqueza familiar. Ela passou a porta giratória, eu fui em seguida e sentei do lado dela. E ela já fulminou:
   - O tempo dos cavalheiros já foi pro buraco, não é? Me admiro você ter cedido para eu tirar a ficha antes, já que você havia chegado primeiro.
   Eu, gentilmente respondi:
   - Trago de berço o respeito aos mais velhos, a gentileza às mulheres e o carinho às crianças.
   Ela riu solta. Vi em sua boca aquele monte de elásticos puxando seus dentes para posições ortodônticas. Ainda pensei no quanto difícil deve ser uma higiene bucal com tamanha estrutura de coisas na boca para endireitar os dentes. E enquanto eu pensava, ela disse:
   - Não repara! Minha boca está com a sobra do salário do meu marido comprometido para os próximos dois anos.
   Mais uma risada. Daquelas boas que contagiam, onde a gente ri junto. E eu ri, achei tão inusitada a forma de ela falar. Até pensei: "Nossa, será que o marido dela ganha pouco ou será que este alinhamento dentário é caro?" - Até hoje não tive a resposta. Mas, voltando à Amália, nos apresentamos, falei meu nome, ela o dela e já disse que seu nome foi dado pela sua avó materna. Logo imaginei que uma trintona não podia ter um nome octogenário escolhido pela mãe. Só podia ter partido de alguém mais velho. Se bem que modismos de novelas também geram nomes esquisitos. 
   Amália continuou puxando assunto:
   - Sabe por que eu vim ao banco? - Eu respondi:
   - Não faço ideia.
   E ela, despudoradamente me abriu uma agendinha daquelas de bolsa, tirando um extrato de poupança. Fiquei corado por ela me apresentar um papel tão íntimo. Mas ela insistiu: 
   - Dá uma olhada! Vejo que você tem cara de inteligente. Preciso de uma luz: quem você acha que sacou estes cinco mil reais desta poupança se ela é conjunta com meu marido?
   Olhei de soslaio, vi a retirada feita uma semana atrás, e me senti fora da casinha porque não queria ver o total do valor do extrato mas ela rolou a folha até o fim, tinha em torno de um metro e escancarou mais de vinte mil reais ainda sobrando.  Enguli seco me sentindo deslocado, mas afinal, ela estava escancarando o extrato. Então eu respondi:
   - Pode ser obra de um hacker. Não conheço seu marido, mas acho que se a conta é conjunta ele não faria isso, afinal seria tão fácil desmascará-lo.
   Ela riu, guardou o papel, tirou outra folha da agenda e me esfregou no nariz dizendo:
   - Cheira! ...É ou não é perfume de mulher? - Apurei meu olfato, cheirei e... Nossa! Um perfume barato, daqueles doces de farmácia, de alguns trocados, me corroeu até os pulmões. Horrível, algo intragável. Respondi:
   - É, acho que é perfume de mulher. Mas onde encontrou esta folhinha?
   - Dentro da carteira dele. Não sou xereta. Descobri por acaso quando precisei pegar vinte reais para comprar carne para o almoço e ele mandou pegar da carteira. - Respondeu ela. Eu perguntei:
   - E o que diz neste bilhete?
   - Só uma sequência de seis letras do alfabeto. Começa com dois I. Você é inteligente, já deve ter sacado! - Eu não havia entendido nada. O que as letras simbolizavam? E ela inteligentemente respondeu:
   - É um número de telefone! As letras são o número. O I é nove. Deixou de fora os dois últimos números, para que caso eu sacasse, não ligasse para o número. Por isso vim ao banco. Se o dinheiro foi sacado pelo meu marido, hoje vai ter divórcio.
   Senti uma pena sem tamanho dela. Nossa, uma mulher linda, apesar das borrachinhas nos dentes, com duas filhas maravilhosas - ela havia me mostrado as fotos - sendo traída pelo marido, e ainda ele sacando dinheiro da poupança conjunta para premiar uma outra mulher! Senti vergonha de ser homem, sinceramente!
   Chamaram a ficha dela e ela foi.
   Cinco minutos depois ela saiu do caixa sorridente dizendo que teria que pegar outra ficha porque não era caso do caixa e sim da administração. Sua conta havia sido hackeada. Não fora seu marido quem havia tirado aquele dinheiro da poupança     
   - E o bilhete perfumado? - perguntei. Ela continuando a mostrar as borrachinhas respondeu:
   - Sabe aquele momento em que você se compromete e não se dá conta? Eu dei este papel para meu marido há três anos atrás dizendo que quando fosse me dar perfume, jamais comprasse este tipo da amostra. E ele guardou. Me dei conta disto quando estava sendo atendida, lembrei.
   - E quanto às seis letras? - Perguntei. - Ela deu uma gargalhada maior ainda e disse:
   - São as letrinhas secretas de nossa poupança. Ele nunca decora, precisa colinha.
   

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - O Fiscal do Ar



O Fiscal do Ar

Pois, os tempos passam e sempre temos histórias que acontecem na colônia. As pessoas são muito mais traiçoeiras do que imaginamos e muitas vezes tem acontecimentos que nos mostram fatos inusitados dos lugarejos.
Geralmente as pessoas vivem pelas suas famílias, se matam trabalhando para dar estudo para os filhos e construir uma casa melhor. Então, para chegar a comprar um automóvel deve-se trabalhar o dobro e não olhar se é domingo ou feriado.
As mulheres se esforçam para que a casa, a comida, a roupa, a horta, as crianças e o pátio, fique tudo em ordem para que a família tenha uma vida boa. Muitas vezes a vó está junto e auxilia. 
Mas, aconteceu certa vez algo inusitado numa família que só tinha um filho. O nome do garoto era Libbo. Seu pai, o Abraão sempre juntava sua colheita e seus animais e ia uma vez por semana para a cidade para vender estas mercadorias.
Porque o pequeno Libbo enchia o saco por demais para acompanhá-lo, certo dia o Abraão levou o garoto consigo para a cidade.
Quando eles chegaram lá, logo o homem parou num estabelecimento e começou a descarregar galinhas, um porquinho, repolho, alface e salsa.
O garoto desembarcou do carro e começou a observar as pessoas. Cada pessoa que enxergava, perguntava ao pai o seu nome, quem era e assim por diante.
Abraão sempre respondia que não adiantava dizer quem estas pessoas eram, porque do mesmo o garoto não as conhecia.
De repente, o garoto olhou para o lado, viu um homem, então disse para o pai:
- Pai, aquele homem eu conheço!
- Qual, Libbo?
- Pois aquele que está caminhando ali adiante!
- Ora, quem então é este homem? Acho que tu não o conheces!
- Sim pai! Este é o fiscal do ar!
- Como assim? Como tu conheces este homem? De onde conheces ele como fiscal do ar?
- Pois sempre quando tu não estás em casa vem  este homem lá na nossa casa e pergunta para a mamãe:
- Catarina, o ar está limpo?

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Uma Mãe Especial


Uma mãe especial.

  Ontem revi a maleta guardada no armário do quarto de visitas onde Bere guardou algumas lembranças de nossos filhos quando eram crianças. Sempre dizia: "Vou dar para minhas noras quando estiverem esperando meus netos!" - São cueiros, bonés, bicos, mordedores, babadores, chales e o primeiro trajinho que cada um vestiu. Do Wagner verde-água e do Guilherme amarelinho claro. Quando ela soube que estava grávida do primeiro filho ela foi na loja e comprou o traje verde-água. Chegou em casa e me mostrou toda boba a aquisição, a primeira do enxoval do bebê, dizendo que comprara uma cor neutra porque não queria saber o sexo do bebê antes de nascer. Que durante a gravidez preferia falar com menino e menina para se criar doce como ser humano, sem distinção de sexo, pois homem e mulher antes de mais nada, tinha que ter sentimentos, não prioridades ou vantagens. Na gravidez do Guilherme aconteceu a mesma coisa. Só que ela já tinha comprado seu trajinho amarelo clarinho antes de engravidar de fato.
   O zelo de Bere ter guardado essas coisas é o reflexo de como ela era. Bere não tinha o costume de guardar, sempre reciclava. Mas o que para ela era realmente importante, ah, isso ela guardava com cuidado e carinho. 
   Vendo aquelas coisinhas guardadas, embaladas com cuidado para as traças não pegarem, com sabonetinho em sachê no fundo da mala, aquele aroma que levantou quando a abri, me bateu uma saudade sem tamanho. Chorei. Vi naquele pequeno espaço uma vida inteira que pulsou em toda a sua existência por aqueles dois seres frágeis que haviam se gerado em seu ventre e que ela levou em frente como leoa, para que chegassem na maturidade íntegros, verdadeiros e sinceros. Me passou na memória o filme do imenso caminho que ela trilhou para fazer de nossos filhos o que são, não poupando esforços para que isso acontecesse. Bere desligou diversas vezes de tudo, somente para ver nossos filhos bem. Quantas vezes ela sofreu mais do que eles no sentimento pelo que estavam passando? Perdi a conta. Ela sofreu junto com as doenças deles, com as dificuldades deles, com os desacertos deles, com as limitações deles. E queria abraçar o mundo para num aperto nele, tirar a essência do que fosse necessário para vê-los novamente bem. Bere foi uma mãe especial. Não foi melhor que qualquer outra mãe, mas foi especial. Pelo menos para mim, que estive ao seu lado em toda esta bela estrada que trilhou. Pena que chegou muito rápido ao fim, e mesmo que tenhamos feito pontes para atravessar o rio turbulento que se atravessou neste caminho, a fragilidade dela não a deixou passar. Ela ficou. Eu segui.
   Ontem levei flores para ela no cemitério. Rosas vermelhas, sua paixão. Trinta e uma no total. Mais duas amarelas e uma cor-de-rosa. Limpei seu túmulo como ela limparia a casa para o seu dia das mães e desejei a ela que no plano em que se encontra, que continue me inspirando a continuar firme e certo no conduzir de nossa família. Ah como eu amei... ...e ainda amo!

Bere e Wagner

Bere e Guilherme

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Hora da Faxina - O Homem da Varinha



O Homem da Varinha

   Toda a cidade tem a sua figura folclórica. Sempre existe uma pessoa diferente que perambula pelas ruas e mostra seu lado exótico de ser. Eu penso que todos temos um lado exótico dentro de nós, que só não aflora porque nosso mundo exige muito de nosso lado natural de ser, que impede que este lado aflore. Porém, existem momentos em que extravasamos este lado, mesmo que seja por alguns momentos, em festinhas, em brincadeiras, em viagens, enfim, quando nosso ser está leve, solto, tudo aflora. 
   Conheço diversas pessoas que têm um lado exótico bem destacado, quando o demonstram, que me fazem imaginá-las perambulando como figuras folclóricas pelas ruas de minha cidade, espalhando uma sensação de 'maluco beleza' a todos, descontraindo ao menos alguns momentos das tensas vidas que muitos vivem. Imagino as pessoas rindo soltas das maluquices que de cada pessoa são diferentes. Então tenho a impressão de que o folclorismo de certas pessoas, que andam por aí, é necessário. Algo como um sentimento de escape de tantos compromissos e afazeres, que encobrem e escondem o lado criança que cada um carrega dentro de si, e que é tão importante para o desenvolvimento de cada um.
   Em nossa cidade já tivemos diversas pessoas folclóricas perambulando pelas nossas ruas. Dentre elas, as que lembro, foram o Capricho, pessoa inteligentíssima e incompreendida. Andava pelas ruas com todos os seus pertences num saco e falava e gesticulava o tempo todo. Toda sua conversa era em forma de discurso. Sotaque alemão carregado, óculos dos anos 50 e sem um dente na boca. Mas a inteligência tão avançada, que transcendia seu raciocinar normal, o deixando desta forma: um andarilho incompreendido. 
   Depois veio  a tia do saco. Não lembro o nome, algo como Íria ou Irene, uma mulher de meia-idade que andava também com todos os seus pertences num saco pelas ruas de nossa cidade, xingando a todos sem pudor, com os palavrões mais impróprios. Isto que foi numa época em que usualmente não se pronunciava nenhum palavrão, nem em rodinha de amigos.
   Veio o Samuca. Figura muito peculiar, que tinha orgulho em ganhar a vida sem trabalhar. Tinha um papo muito convincente. Mas quem acha que ele nunca trabalhou, se engana. O meu estúdio de gravações, tem massa de cimento amassada por ele. Sim, pelo Samuca. Quando meu sogro construiu aquele prédio, pegou um vizinho pedreiro para fazer a obra e o vizinho pediu um servente de pedreiro. Como o sogra era de um coração sem tamanho, quando soube que Samuca estava procurando trabalho, lhe ofereceu a vaga. Todos haviam dito para ele não fazer isso, que se arrependeria, mas mesmo assim, o sogro lhe deu a chance. Pois, Samuca veio trabalhar, fez massa para a obra durante uma semana, e, na sexta, pagamento. Na segunda-feira, ele voltou ao trabalho. Fez massa durante a manhã. Depois do meio-dia fez a primeira massada e desapareceu. O pedreiro chamava por ele e ele estava sumido. Eu vendo a aflição do pedreiro também fui atrás, e eis que Samuca estava dorminho na sombra de um arbusto do lado da construção, usando a espuma de alisar reboco como travesseiro. É óbvio que perdeu a vaga.
   Agora, não faz muito tempo, apareceu o homem da varinha. Ele é diferente de todos os outros porque é quieto. Não fala. Somente perambula pelas ruas de nossa cidade com uma varinha na mão e um olhar amedrontador. Parece ser uma pessoa muito braba, mas não. É só o seu olhar, pois é doce no trato e gentil. Mas ele gosta de caminhar passando a sua varinha nas vitrines, apontando os produtos que têm exposto lá, escrevendo coisas incompreensíveis com sua varinha e olhando para os produtos como se conversasse com eles. Acho que é a pessoa que mais olha vitrines em nossa cidade. E com atenção. Muita atenção. Quando cansa, senta em algum ponto onde tenha um banco e fica olhando para o nada. Mas a varinha fica firme em sua mão, como se fosse ela a ligação entre o mundo real e seu mundo fantasioso. 
   Um dia, estava ele sentado na rampa que dá acesso para passar com os carrinhos do supermercado do lado de minha casa. Era sábado. Fiz minhas compras, e como é perto tenho o costume de trazer as compras no carrinho mesmo até em casa. Comecei a descer a rampa com o carrinho carregado e quando cheguei nele pedi licença para passar, já que a rampa é estreita e seu corpo fechava um pedaço da passagem. Então ele virou seu rosto que estava fixando o nada para mim, e como que acordando de um sonho disse: "Desculpe! Mas a vara fica!" - Ele levantou mantendo a vara segura no ponto onde a havia mantido e me deixou passar. Sem mexer a vara, quando eu passei, voltou a sentar e olhar para o nada.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - O Negociante




O Negociante

Dillo era um negociante como poucos haviam antigamente. Ele tinha uma loja cheia de novidades e modernidades, diferente das outras, como televisores, rádios e aparelhos que funcionavam com pilhas e assim por diante. Mas, como o seu negócio se situava em uma cidade pequena como o Caí, ele tinha que ir até o interior para incrementar suas vendas. Então ele levava tevês com ele e ia até as casas no interior, instalava, e assim podia fazer um teste para ver se as pessoas gostavam e por fim adquiriam seus aparelhos.
E estes eram dos mais modernos, televisores com válvulas econômicas, que não gastavam tanta energia quanto aos modelos que andavam funcionando por aí.
Ele parou na frente de uma casa, um pouco mais requintada, bateu na porta e aguardou. O dono da casa não se encontrava. Ele estava na roça, só a esposa dele se encontrava. Ela atendeu, e Dillo já foi entrando na residência, falando das vantagens daquele modelo de aparelho. Só que a esposa não estava afim de deixar instalar o aparelho. Então ela disse:
- Dillo, meu marido é um dos antiquados. Ele não fica atraído pelas modernidades, principalmente algo como uma televisão.
- Não! Eu deixo a televisão com vocês instalada por três semanas. Vocês podem usá-la e ver se querem ficar com ela ou não. Se não ficarem, não vai ter nenhum custo. - Respondeu Dillo.
Assim aconteceu. Mesmo a mulher não querendo que o aparelho fosse instalado, o Dillo o deixou lá.
Quando ele estava embarcando no carro, a mulher veio correndo até ele e ainda tentou:
- Dillo, meu marido não vai ficar satisfeito em ver esta televisão instalada lá em casa. Por favor, desinstale-a e leve-a embora.
- Bobagem! - Disse o Dillo. - Quando seu marido enxergar as belas imagens que este aparelho mostra, com certeza irá pensar diferente.
No outro dia, Dillo já na sua loja na cidade, viu parar bem na frente dela um trator, onde desceu um homem com um porquinho no colo, e entrou loja a dentro. Era o marido da mulher onde Dillo havia instalado uma tv para experimentarem durante um mês. Então disse:
- Dillo, você tinha razão! Eu vi as belas fotos na televisão e aí, o que disseram me fez mudar de ideia. Eles disseram que a gente sempre deve pagar as contas, retribuindo com a mesma moeda. Assim, eu te trouxe este porquinho para deixar três semanas contigo, e se te servir, te vendo ele, do mesmo jeito que quer me vender o televisor.
Ele deixou o porquinho lá no meio da loja e foi embora.
Depois de uma semana, o Dillo foi para a colônia para pegar a tv de volta e devolver o porquinho para o  seu dono.
Mas, a experiência não foi de graça: muitos vizinhos do Dillo compraram televisores. Valeu a pena ficar com um porquinho por uma semana, cuidando dele.
Algum tempo depois, o Dillo recebeu um tipo de aspirador de pó mais potente para vender. De novo a mesma coisa: Ele foi até o interior para incrementar suas vendas. E em algumas casas ele então parava para demonstrar seu aparelho.
De fronte a uma casa de alvenaria, ele desembarcou com um dos seus possantes aspiradores, com a certeza de que venderia seu produto numa casa tão chique. Trazia consigo milho, arroz e um punhado de terra, os quais espalhava no meio da sala. Ainda junto, muito pó e arreia. Então, depois de espalhar este monte de coisas no tapete da sala daquela casa ele disse:
- Madame, se o aspirador não sugar tudo do tapete, o que sobrar, eu como. Com certeza comerei tudo!
A mulher começou a rir e foi saindo.
Dillo então perguntou:
- Ué, madame, onde a senhora vai?
Ela respondeu:
- He, he, vou pegar uma colher para você e uma vassoura para mim. Desde ontem estamos sem energia elétrica em casa. Com certeza o aspirador não irá funcionar. E como prometeu, vai ter que comer tudo.

domingo, 4 de maio de 2014

Culinária: Receita de Arroz Colorido



   Muitas vezes passamos trabalho para fazer nossos filhos comerem legumes ou verduras porque simplesmente não gostam. E nós, como pais preocupados, sabemos o quanto é importante para um filho ingerir verduras diariamente. Eu tenho um filho que não é chegado em verduras, já está grande agora, mas ainda não se tocou que verduras são essenciais para uma alimentação sadia. Aprendi com o passar dos anos a esconder estas verduras nos pratos que ele gosta de comer e assim proporcionar ao menos um pouco dos ingredientes tão necessários a sua dieta diária. Foi dali que surgiu o arroz colorido. Com verduras, e que fazem tanto bem à saúde. 
   Se você quer incrementar o seu arroz, ou tiver filhos que não são chegados em verduras, está aqui um prato que vem a ser quase uma 'sopa sólida': arroz colorido.

   Arroz Colorido: rende 4 porções.

   INGREDIENTES:
- 2 colheres de óleo (eu uso milho)
- 1 xícara de arroz
- 1 sachê de sazon amarelo
- 1 colher de sopa cheia (não muito) de colorau 
- 1 pitada de sal
- 1 colher bem cheia de picado de pimentão vermelho
- 1 colher bem cheia de picado de salsa.
- 1 dente de alho médio 

   PREPARO:

   Coloque o óleo e o arroz em fogo brando mexendo volta e meia até ele ficar branco (O arroz não é branco, ele tem cor de gelo quando cru).
Acrescente duas xícaras de água fria, o alho picado bem miudinho, a pitada de sal.
Quando levantar fervura misture lentamente o colorau para desmanchar na água.
Depois de desmanchado, acrescente o sazon.
Deixe fervendo em fogo baixo até começar ele estar virado uma papa (molhado ainda, começando a secar).
Misture bem o pimentão e a salsa.
Deixe secar com a panela semi tapada. Pronto! Está aí um arroz colorido irresistível, gostinho de sopa.

   Dica: faça com que o arroz fique pronto uns dez minutos antes de servir a refeição. Ele fica mais soltinho.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Hora da Faxina - A Competição



 A Competição.

   Imagina uma rua onde seu início era no alto de uma ladeira. Daquelas boas de se descer com carrinho de lomba e se estrebuchar em alguma cerca-viva das casas lá embaixo. Uma aventura perigosa, que acendia a adrenalina em nossos anos de pré-adolescentes. Vi muitos amigos voarem para dentro daquele emaranhado de verde que fazia a divisa com o passeio da rua, feitos bonecos de palha. Na época não tinha calçamento, nem calçada. Somente a ladeira arenosa e as cercas de arbustos. Um caminho perfeito para uma aventura de tirar o fôlego. Também de tirar uma unha, tirar um dente, enfim, pagas cobradas pela audácia em completar aquela aventura.
   A forma de mostrar coragem, audácia e destreza estava justamente nesta encarada que dávamos para descermos aquela ladeira com nossos frágeis carrinhos de lomba construídos com nossos próprios métodos. Os modelos variavam de acordo com a concepção do irmão ou amigo mais velho, que os construía. Mas a mecânica era sempre a mesma: tinham a parte da frente com reentrâncias para aparecer a barra das rodas da frente que era presa com um único parafuso no meio da tábua onde sentávamos, para colocar os pés e então através do movimento deles podermos dirigir a geringonça. E do lado direito da tábua, uma barra com uma corda até outra barra perto de uma roda traseira, que tinha borracha envolto e que quando se puxava freiava uma das rodas de trás e assim o carrinho perdia velocidade. O problema é que o carrinho sempre puxava para aquele lado devido ao freio unilateral, causando um problema para se dirigir corretamente. 
   Nas tardes de Domingo era esse o nosso passatempo. Se formavam as duplas e a corrida lomba abaixo iniciava para ver quem dos dois chegava primeiro. Eu adorava participar. Sim, porque tinha uma menina que morava ali perto e sempre vinha olhar nossa brincadeira. Eu queria que ela visse como eu sabia manobrar aquele carrinho. Eu tinha a impressão de que ela sofria com minhas dificuldades nas manobras e que só se importava com minha perfórmance. Então, o desempenho era dobradamente cuidadoso, afinal, tinha que fazer bonito aos olhos dela. Quem sabe no fim da corrida arrancaria um abraço dela, ou até um beijo na bochecha, me deixando completamente ruborizado com tamanha audácia. Só de pensar já ficava corado. Apesar de ter apenas dez anos, e eu apenas treze, aquela menina mexia comigo. Gostava de ver ela com seu sorriso de caninos desalinhados devido à sua boca pequena para tantos dentes. E as covinhas nas bochechas. Nossa, as covinhas me cativavam porque pareciam realçar seu sorriso ainda mais, como se elas emoldurassem a sua boca durante seu sorriso como um quadro e assim, a cena ficava mais graciosa. Talvez por isso eu ache até hoje gracioso, doce, ver covinhas nas bochechas de crianças e me fascina este detalhe em mulheres. 
   Num domingo desses, mais uma competição. Éramos uns vinte garotos da vila, com nossos carrinhos prontos para iniciar a competição. Meus irmãos e eu também estávamos lá. Havíamos pintado o nosso carrinho de laranja-carmin, uma tinta que tinha sobrado da pintura das rodas de carroça de uma ferraria que ficava na frente de casa. Laranja-fogo, cor destacante no meio dos outros carrinhos. Duplas formadas, e a corrida iniciou. Para minha glória, havia caído para mim no sorteio, o garoto mais ágil da turma, o qual exibia com orgulho as cicatrizes nas pernas dos tantos tombos que já havia levado, e o dedinho menor do pé esquerdo, de onde perdera a unha e ela nunca mais nasceu. Garoto debochado e senhor de si, intimidava a nós todos. Mas eu queria passar por isso, justamente para mostrar minha destreza na condução do carrinho de lomba para a menina das covinhas.
   E ela não apareceu. As descidas iniciaram, eu era o quinto a correr. Estava agoniado pensando na frustração em realizar tudo aquilo sem ter minha espectadora preferida. Pois, quando eu e o campeão estávamos alinhados no topo da ladeira, eis que a menina apareceu lá embaixo, juntamente com uma amiga. Abanou envergonhada para mim, como sinalizando: "Olha, estou aqui!" - Descemos. O garoto que competia comigo saiu em disparada, e quando meu carrinho criou movimento, ele já estava no meio da ladeira. larguei o meu carrinho num desespero sem tamanho para tentar ao menos não ser tão vergonhoso o resultado final desta corrida. Meu concorrente gritava feito possuído como se só ele dominasse aquela ladeira.
   Eis que um cachorro grande passou correndo na frente do carrinho do garoto que estava competindo comigo. Ele se assustou, puxando o freio com toda a força. Seu carrinho deu um cavalo de pau, e ele, se equilibrando em cima conseguiu ficar sem cair. Mas, o seu carrinho começou a descer o resto da ladeira de costas. Ele, apavorado, vendo eu me aproximando dele, só gritava: "Não vale! Não vale!" - Mas a galera que estava assistindo continuou me incitando a manter a corrida, enquanto meu concorrente, humilhado estava todo sem norte, cuidando para não sair da pista.
   Quando me perfilei com ele, aproximei meu carrinho do dele, deixando uma roda encaixar no eixo trazeiro do carrinho dele e fui freiando devagarzinho, diminuindo nossa velocidade. Ele me xingava gritando palavras de ordem, me chamando de covarde, por que não o eliminava de uma vez vencendo a corrida. Eu continuei, centrado no processo de chegar com os dois carrinhos no fim da ladeira devagarinho para ninguém se machucar.
   Nunca havia recebido tantas vaias em minha vida. Todos me gritavam para eu parar de ser frouxo e dar uma lição naquele colega topete que desdenhava a todos, que havia chegado o momento de fazer ele sentir na pele o que era tratar os outros com desdém. Mas, meu coração dizia para ajudar o garoto em apuros, pois se fosse se machucar eu não me perdoaria por não ter ajudado.
   Por fim, paramos de encontro a uma cerca-viva, me lanhei todas as pernas , saí todo arranhado. E meu colega rasgou as costas em vários lugares naqueles galhinhos da cerca viva. Fomos vaiados numa gritaria animal, que chegou a amedrontar. Principalmente eu, por não ter deixado ele se danar, e eu ter terminado a corrida, ganhando. Ele levantou bufando de raiva, me chamando de idiota, de maricas. Juntou seu carrinho e foi para casa gritando de dor e ódio. Eu fiquei sentado em cima do carrinho de lomba chorando pela dor de tantos arranhões nas pernas misturados ao suor, era verão, e também por estar sendo tão injustamente vaiado. 
   Eis que no meio do meu sentimento vejo uma mãozinha esticada para mim. Agarro ela sem olhar para cima, ainda secando as lágrimas. E eis que vejo a menina de covinhas me ajudando a levantar de cima do carrinho de lomba com seu tradicional sorriso, mostrando os caninos desalinhados. Tentei sorrir também, mas só saiu aquela carinha amarela de perdido. Quando estava de pé, ela me abraçou, deu um beijo em minha bochecha suada e disse: "Meu herói!"