Estrelismo
Em todas as profissões existe aquela aura mística envolvendo pessoas de mais tempo no cargo, ou, por serem admiradas por sua competência. A história está cheia de exemplos deste tipo de comportamento, e em contrapartida, o vil aproveitamento dos menos experientes para dali se promoverem ainda mais.
Pessoas famosas em muitos setores se promoveram às custas de seus pupilos. Centros de invenções que eram criadas por assistentes sempre atribuíam a patente ao seu mestre, lhe conferindo o título de inventor. E, neste sentido, a invenção da lâmpada elétrica foi uma das muitas discrepâncias existentes nos livros de história.
Mas, não quero me ater a dados, nomes e datas nesta crônica. Quero falar do mundo atual e o quanto vejo estrelismos brilhando aqui e acolá, de uma forma às vezes tão explícita que chega ficar constrangedor. Em muitos setores. Basta prestar um pouco de atenção e a gente descobre topetes se sobressaindo no meio profissional em que se encontram.
Muito disto se vê no meio das vozes privilegiadas a quem Deus deu o dom de trazerem através da comunicação os mais diversos tipos de trabalhos, desde anunciar até comunicar ou instruir. A voz é para o locutor como são as pernas para o jogador de futebol: sem treino, técnica, e discernimento, nada de prodigioso acontece. Simplesmente são vozes e jogadores de várzea de fim-de-semana. Mas, depois de muita ralação, estudo, dedicação e aprendizado, todo o quadro muda porque as pessoas, tanto no campo da voz como do jogo, aprendem onde e quanto tempo devem exercitar para chegarem a um resultado de atletas. Atletas sim, pois quem não tem treino vocal não consegue falar em voz alta um dia inteiro sem ficar rouco, assim como o jogador de futebol não consegue correr noventa minutos sem ter câimbras.
E então o estrelismo se faz presente. Vou falar do mundo da voz que conheço razoavelmente bem já que venho embrenhado neste meio há anos. Muitos colegas de voz, por terem um emprego numa emissora comercial em alguma cidade um pouco maior já espezinham locutores de rádios comunitárias da mesma cidade simplesmente por atuarem em rádio comunitária. Eu venho de uma emissora comercial e justamente troquei para uma comunitária porque não me submeti à escolha torpe de seu dono me dizendo o que eu tinha que tocar no meu programa dedicado aos apreciadores de música alemã da qual ele não conhecia bulhufas.
Outro exemplo gira em torno de comentários nas redes sociais, onde muitos locutores acabam virando amigos virtuais. Pois, basta alguém colocar uma oferta de gravações a um preço lá embaixo, que o pau come e muitos topetudos caem em cima da pobre alma dizendo que está desmerecendo a classe. Pergunto: alguém se dignou a perguntar para o locutor o motivo de ele estar quase se prostituíndo? Não! Ninguém pensa que o cara tem a prestação da casa ou aluguel vencendo e falta alguma grana para completar o valor, ou que tem um filho hospitalizado e a conta está correndo. Gente!!!!! Cada um sabe o valor de seu trabalho, mas tem momentos em que há necessidade de fazer uma liquidação para garantir um extra por enésimos motivos.
Não fosse só isso, ainda tem aqueles que vêm no chat chamar a atenção por estar abrindo de bandeja o caminho a concorrentes e com isso eu estou indo contra a classe. Que classe? De locutores? Não!!!! Estou indo contra a classe de estrelas que acham que só aqueles cinco minutos de fama que lhes deu algum progama de TV os deixa endeusados e que vão morrer abraçados a esta causa, nem que não trabalhem mais por ter um cachê muito alto. Está na hora de repensarmos valores. Não só no meio da locução. Em todos. A ver as pessoas com as mesmas possibilidades que nós porque nossa voz não será sempre a preferida de quem contrata. Ele quer variedades. Assim como o técnico de futebol não vai querer sempre um destro. Talvez um canhoto faça a diferença.
O estrelismo entre o meio dos locutores chega a tal ponto, que nos idos dos anos dois mil, eu fazia um programa de três horas nesta rádio comercial que falei acima, e logo depois, às vinte horas era substituído por um topete. Ele sempre entrava no estúdio escovando os dentes. Ia direto para o banheiro lavar a boca e voltava com aquele sorriso creme dental. Aquilo me intrigava, pois, ele podia vir já com a higiene feita de casa. Um dia, minha curiosidade falou mais alto e perguntei:
- Fulano, por que você entra sempre no estúdio escovando os dentes?
Ele arregalou os olhos e respondeu:
- Ué, você não sabia? Boca asseada e hálito limpo fazem a voz ficar perfeita.
Áh, tá! Deixa eu entender: quer dizer que exercício de aquecimento de voz não precisa, nada precisa. Basta escovar os dentes? ...Bora escovar os dentes!
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