quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Quarto Dia: O Diário de Bere - 11 de Março de 2013




   Quarto dia do diário de Bere.

   Leio emocionado. Muito! Ela escreveu:

  11/03/2013
  Dia lindo de sol.
  Coloquei roupas na máquina.
  Olhei o Facebook, mas não curti, nem escrevi nada, minha vontade é sumir, evaporar seria uma ótima solução.
  Pio, Wagner, Guilherme (os três homens da minha vida) amo vocês, todas as noites na minha oração agradeço a Deus por vcs, por ter sido merecedora de ter filhos tão queridos, só orgulho, cada um do seu jeitinho, como é bom ouvir vcs, contando suas conquistas. O Pio, marido, amigo, irmão, amante, áh como te amo como se fosse no 1° encontro, como falávamos em ficar velhinhos juntos, é acho q/isso não vai acontecer.
   Mas meus queridos, quero q/saibam q/aqui ou em outro plano qualquer, continuarei a me orgulhar de cada conquista de vcs. Pio (meu locutor preferido) não vai demorar p/estar no topo. Internacional já estás.

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   Mais uma vez um filme inteiro passou em minha mente. Lembrando do quanto de orgulho ela sempre teve em ver meu desempenho diante do microfone, diante de tudo, em todas as ações. Quantas e quantas vezes ela passou na porta do estúdio, e vendo que eu estava gravando fazia positivo com o polegar e depois me dizia pelo seu olhar e o seu gesto das mãos cruzadas sobre o coração: "Faz com teu coração, teu carinho!" Muito de tudo que consegui na vida materialmente e profissionalmente devo à Bere. Ela que sempre disse, me encarando com seus olhos negros de um suave e firme olhar, apaixonante, olhando em meus olhos: "Vai, faz! Eu sei que tu consegues! Tua competência vai te fazer acertar!" E eu ia, fazia e acertava. 
   Isto me faz lembrar que quando em início do ano de 1982 tínhamos acabado de distribuir os convites de nosso casamento, levei uma rasteira sem tamanho do destino. Tive que escolher entre casar ou mudar de endereço profissional, ou até de profissão, ou não casar, me acomodando. Na época eu era fotógrafo e músico e tinha um estúdio fotográfico conceituado no centro de São Leopoldo. 8 anos no mesmo endereço, com ponto já marcado. Em janeiro de 1982, quando o endereço estava consolidado, 15 dias antes de nosso casamento, simplesmente a imobiliária me pediu a sala porque seria construído um prédio no lugar. Então, cheguei à Bere, contei sobre o ocorrido, do meu temor diante do quadro, íamos casar, e já que fazer novo ponto em outro lugar seria começar tudo de novo, e teria muitos gastos, o que fazer. Ela, doce como sempre, me disse firme e decidida: "Vamos casar, manter nosso propósito. Porque com meu emprego, o que ganho, dá para nos alimentar. Tu tens a banda, continua tocando, vai dar certo!" E mantivemos o casamento. Casamos em final de Janeiro, no dia em que ela completou 20 anos. Quinze dias depois eu deveria entregar o ponto comercial. Ninguém dos convidados ficou sabendo do meu drama pessoal. Aliás, nosso drama. Porque sentia em Bere, no seu jeitinho ainda meio pós-adolescente de ser, um tanto de preocupação. 
   A sala foi entregue em julho daquele ano à imobiliária. Consegui levar mais este tempo porque descobri por direito que tinha este prazo. Como morava no Caí e já estava cansado de viajar todo dia de ônibus a São Leopoldo, vim montar uma humilde oficina eletrônica aqui, já que tinha me formado na escola como técnico em eletrônica. Tudo sempre apoiado incondicionalmente por ela. Aliás Bere me apoiava em tudo mesmo e isto me deu firmeza. Continuei sendo músico, mas de Agosto até Dezembro daquele ano praticamente ela nos sustentou bancando nossas despezas. Eu só ajudei com os poucos recursos que entravam tocando bailes. Depois, em 1983 começou a melhorar, a oficina começou a ser conhecida e eu comecei a ter clientes. E Bere sempre do meu lado apoiando, dizendo que ficava feliz se primeiro eu me realizasse. Depois, vinha o lucro. Enquanto isto, ela trabalhou incansavelmente em contabilidade, em escritórios de nossa cidade. Primeiro no Laurinho, em seguida no Rücker, depois no Eza, depois na Neiva Dahmer. Lágrimas rolam discretas ao relembrar tudo isto. Mas é de uma alegre emoção ao relembrar todo este trajeto que fizemos sempre juntos, somando. Também, porque ela primeiro se entregou de corpo e alma ao nosso casamento, nunca questionou o fato de eu estar tentando levantar a vida em nova etapa trabalhando no que eu gostava em vez de batalhar um emprego. Sempre entrou de cara, sem medir esforços porque sempre acreditou em mim. E eu também sempre a apoiei nas trocas de emprego em escritórios porque sabia que ela, perfeccionista como era, estava à procura do emprego ideal em contabilidade, onde tivesse sempre o poder de escolher como trabalhar melhor. E esta realização ela encontrou no escritório Neiva Dahmer, onde ela pôde desempenhar e desenvolver plenamente sua capacidade organizacional e influenciar todos em sua volta a entrarem neste ritmo. Ela se sentia muito realizada com isto. Bere simplesmente estava amando seu último emprego. Quando falava nele, enchia os olhos com uma luz de realização. 
   Então veio a doença. O câncer. Infelizmente. Mesmo assim, Bere incansável, deu um jeito para que durante o tratamento de quimioterapia conseguisse trabalhar remotamente a partir de casa, já que sua imunidade baixa exigia um certo isolamento. E ela, corpinho doendo, ela se contorcendo de vez em quando na cadeira atrás do notebook, mas incansável procurando manter em dia as empresas para quem fazia contabilidade. "As minhas empresas!" como ela gostava de dizer. Eu via ela sentindo dor, pedia para dar uma parada, relaxar, ela respondia: "Concentrada doi menos!"
   Relembrando tudo isto, sinto que nossa história realmente foi muito marcante. Não é a toa que sinto tanto a falta dela, porque ela sempre foi e será a pessoa mais importante da minha vida. Em todos os sentidos. Como ela mesmo disse: marido, amigo, irmão, amante. Tudo, tudo sempre foi só soma. Talvez, não tivesse sido o seu modo 'Bere' de ser, nosso primeiro ano de casados teria ruído, pois passamos por sérios problemas financeiros devido à troca de meu trabalho. E muitos casamentos justamente terminam por causa do fator dinheiro. Mas não! Estas necessidades nos uniram ainda mais. Nossa vida fechou em todos os detalhes, porque quando um estava mais por baixo, não faltou a mão do outro pra puxar pra cima. E quando tudo se realizava, nosso amor mostrava toda sua plenitude. Tenho orgulho, muito orgulho de poder ter estado tão plenamente envolvido na vida de Bere. É indescritível, porque poder realizá-la mesmo ela tendo partido tão jovem, apenas 51 anos, me faz ter orgulho. Eu fui muito feliz ao lado dela e eu consegui fazê-la muito feliz ao meu lado. E é nisto que me sustento para estar levando minha vida o mais normal possível.
   Lembro tanto aqueles primeiros meses depois de casados, o estúdio fotográfico lentamente sendo desativado, eu com dó sem tamanho por ter que sair de lá, e ela me mantendo animado com sua força e fé. E de vez em quando, de manhã cedo, quando saía para pegar o ônibus e ir para o trabalho, nos beijávamos apaixonadamente e então ela dizia: "Vidinha, se hoje ganhar um pouco mais, compra um queijinho do Nacional pra mim?" Bere era assim. Simples, sem luxo, tudo servia. Desde que limpinho e pago. Como não chorar a ausência dela e de todos estes detalhes?



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