domingo, 15 de dezembro de 2013

Sétimo Dia: O Diário de Bere - 17 de Março de 2013



 Sétimo dia do Diário de Bere


   17/03/2013 - Domingo
   Ontem a Silvana me ligou novamente, e então contei, ficou chocada, mas ao mesmo tempo aliviada porque eu estava aceitando bem (minha doença).
   Minha irmã Neusa e cunhado Jorge me ligaram, disseram q/eu terei a vitória e acredito firmemente nisso, falei pra eles q/minha linha é direta com Deus, ficaram contentes.
   Visitas, Lena, Francisco, André, pela manhã, Jéhh, Clair, Neiva a tarde. Clair me encheu de "coisas boas"  p/comer e ficar forte. Amo esta cunhada, sempre tentando ajudar a todos. A Neiva, me deixou mais tranquila em relação ao meu emprego, pelo menos pareceu bem compreensiva.
   O almoço hj estava maravilhoso na cia dos filhos amados e Pio (meu tudo).
   Ontem a noite tive muita dor nas costas, o Pio cuidou de mim e disse q/estaria comigo pra tudo. Nem sei se mereço o marido e filhos q/ tenho.
   A campaínha tocou, era o Matheus (da Flávia) me trazendo um bolo (prima querida). Nossa, quando eu obter a vitória (em nome de meu Deus), vou ter tanta gente a agradecer. Foi preciso ficar doente p/saber o qto tem gente q/me ama. Obrigada meu Deus por tudo!

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   Eu ainda estou tentando por no papel o que é realmente o sentimento da perda de uma pessoa que era metade minha, metade de meu todo e que o destino tirou. Implacável, me tirou sem ao menos eu ter chance de clamar por sobrevida. Não consigo. Penso, repenso, não consigo! Não existem palavras que descrevam o quanto é o sentimento da ausência desta minha parte que falta. Não existem. Por mais que tenha procurado, tentado descrever, pondo no papel, depois relendo, vejo que é muito branda a descrição se comparada com o que eu senti de fato e ainda sinto em toda sua plenitude. Mas, que com as palavras existentes, vou tentar por no papel. Fico agoniado. Tem muitas pessoas que me pediram para descrever este sentimento. E eu gostaria que ele ficasse o mais próximo do que realmente a gente sente ao perder seu grande amor, sua cara metade. Eu consigo deixar o mais próximo da realidade o seguinte texto, mas confesso que mesmo assim, nem se compara ao sentimento: "Quando falece sua esposa, seu marido, sua cara metade, é a vida que simplesmente, de uma hora para outra, somente mais vale a metade. E a gente sente esta metade que sobrou tão miserável que não faz a dimensão exata do que sobrou. Melhor: não sobrou nada! Esta é a sensação. E a dimensão de quem partiu é tão grande, que parece que levou a minha vida inteira junto. Levou tudo. Meus sonhos, nossos sonhos, minhas alegrias, nossos desejos, minhas conquistas, nossos ideais." É mais ou menos esta a sensação. Não quero morrer, nem desejo partir para ficar com Bere. Não é isso. Mas a forma do sentimento que se instala dentro do coração é esta. De desligamento. De letargia, de impotência. O coração perde sua identidade, ele perde o nome, fica somente mais batendo. Sabe o que é seu coração não ter mais nome, ficar perdido? Nem queira ter esta sensação porque coração anônimo é igual a abandono. E é isto que a gente sente. As compensações, as conquistas, o dinheiro, tudo perde a graça. Que são mil reais? Um troquinho miserável que não trás ela de volta. Uma conquista, o que é? Algo efêmero, pois com quem eu compartilhava as conquistas não está mais ao meu lado para vibrar e comemorar comigo. E as compensações? Que adianta se a vida se esvaiu e meu grande amor, minha Bere, não me acalenta mais com seu doce e negro olhar. Sinto isso. Exatamente. Somente isso. Sei que estes três fatores aos poucos irão voltar ao seu devido lugar no sentimento de cada dia. Mas, nos últimos dois meses, foi assim que me senti. Nada valeu mais.
   Já não choro mais com tanta frequência. Sinto que o tempo, aos poucos está abrandando a falta da rotina de Bere. Mas, vez ou outra, quando me dou por mim, do nada brota uma lágrima. Elas vem sem eu me dar conta. E quando brota, aí sim, todo este mundo de ausência chacoalha meu ser. Pode ser o simples ato de lavar a louça. E a cena de Bere fazendo isso tantas e tantas vezes, dedicada, com carinho, me trás de volta todo o mundo dela que nunca mais vai existir. O que pega fundo mesmo, é esta expressão: "que nunca mais vai existir." Nossa. Nossa! ...Deixa eu respirar fundo, porque pegou pesado. Mas é a realidade. Queria tanto que esse mundo dela pudesse ter se prolongado mais. Muito mais. Ou pouco mais. Nem que fosse só um dia. Nem que fosse só para ouvir sua voz chamando meu nome ao menos mais uma única vez: "Pio, vem cá!" Ao menos mais uma única vez! Seria uma sinfonia de arrepiar em meus ouvidos. Uma sinfonia que nenhuma orquestra, por mais talentosa que fosse, saberia sobrepujar esta simples chamada de Bere falando meu nome, como tantas vezes falou. ...Ou ouvir a melodia de seu sussurro me chamando de Vidinha: "Vidinha, não troquei a roupa de cama porque precisa virar o colchão e estou sem forças para fazer isso. Faz por mim?" ...Nossa, choro ao lembrar isto. Ela sempre foi tão intensa, independente, ativa. Tudo ela fazia, se virava, não dependia de mim. E nestes últimos meses, nem a roupa de cama trocava porque não tinha forças para virar o colchão. Ela mesma chorou um dia, impotente pela sua falta de forças, sentada sobre o sapateiro na guarda da cama. A surpreendi neste ato. Perguntei o motivo de seu choro. E ela respondeu: "Pressinto que vai chegar o dia em que precisarei de ti até para abotoar minhas roupas. Não quero isso pra mim, nem pra nós! Me ajuda a ser forte?" E eu, sentindo de verdade esta sua impotência, seu decaimento, cada dia indo um pouquinho mais para trás, respondi com a voz embargada: "Vidinha: se for preciso eu tirar meu dia inteiro para estar só para ti, mesmo que for só para abotoar tuas roupas, pode contar comigo, ficarei. As gravações posso fazer de madrugada, quando tu estiveres dormindo e não precisares de mim. Sabes que posso fazer isso, pois meus clientes nem se darão conta que estarei trabalhando de madrugada. Neste momento, o que mais quero é te ver bem. Muito bem! Quem sabe teu organismo não responde positivamente a isso?" ...E ela respondeu com um sorriso amarelo: "Sempre querendo me agradar! Vai por mim, estás ruindo por dentro e tentando ser forte pra mim. Te conheço!" - Meu queixo começou a tremer, e o dela também. E nós nos encarando, olho no olho, queixos tremendo. Aí ela disse: "Vou aceitar tu abotoares minha roupa, desde que nosso amor não diminua. Estou um caco! Tenho medo que percas o interesse por mim porque meu físico está arruinado. Olha só no que virei!" - E tirou o lenço da cabeça, mostrando um semblante completamente sem cabelos, sem sobrancelhas e sem cílios. Eu, tremendo mais ainda o queixo, só consegui engrolar: "Vidinha, já ligamos nossas almas e estamos ligados espiritualmente. O que importa o físico?" - Ela, num rompante, me abraçou, e chorou muito. Muito, muito, dizendo: "Eu queria tanto meu cabelo de volta!"- Eu, consegui me conter, dando força a ela e dizendo:"Chora que faz bem, chora que faz bem!" - Depois de muito chorar, ela me encarou, seus olhos negros pelos quais sempre fui apaixonado, ainda tomados pelas lágrimas, marejados, disse: "Querido, tu não existes!" - E eu respondi: "Tu também não existes, acho que não somos deste planeta!" Para quebrar o clima, virei o colchão e coloquei o lençol. As fronhas ela já havia trocado.
   Saí do lado dela e chorei escondido. Muito, muito, muito. Porque eu sabia que estava somente jogando confetes na água. Que não era por aí, que ela estava decaindo a olhos vistos e nada, nem a melhor medicina do mundo a levantaria novamente. Acho que naquele dia, chorei o choro mais amargo de toda a minha vida, pela impotência em poder fazer algo concreto por ela, por sentir Bere, nossa linda história de amor, se esvaindo no meio de minhas mãos impotentes, sem ter solução para o caso dela.

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   Mas, meu sentimento se aquieta pela convivência. Pois, quando eu olho ao redor, vendo tantas vibrações de pessoas especiais, preocupadas comigo e com a continuidade de meus passos, volto a sentir o chão sob meus pés e volto a saber que minha vida ainda está aí e que precisa e que vale a pena ser continuada. Talvez tudo isto seja porque nós éramos a soma total de uma energia indescritível, que muitos chamam de amor, e que talvez fosse, mas que para nós era nossa vida. Nossa plenitude. Uma vida só. Uma vida somada. E quando nesta soma sempre se ganha, tudo é recompensado desde um simples "eu te amo" até um ingênuo sorriso por ver o retorno das andorinhas na primavera. ....Então, quando recebo estas palavras que sei, são sinceras de pessoas em quem a gente nem era tão ligado, sinto o verdadeiro sentido de continuar, afinal, pessoas querem que eu continue e que vá em frente. Como Bere mesma disse no seu primeiro dia do diário onde escreveu: "quero que continuem firmes, alegres  e toquem suas vidas, como sempre fomos!" Como posso fazer diferente, se ela mesma pediu? Vamos tocar em frente sim, com alegria, mesmo que tenha momentos em que precise chorar para abrandar esta saudade sem tamanho que me toca todos os dias, principalmente de tardezinha na hora do chimarrão quando conversávamos e botávamos os assuntos em dia. Ou domingos quando volto da rádio e não ouço mais suas críticas construtivas.



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