segunda-feira, 30 de junho de 2014

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - Carlos Berger e Seu Genro



   CARLOS BERGER E SEU GENRO

Existem homens e mulheres em todos os lugares que se projetam pela sua personalidade e seu modo-de-ser no trato com tudo que os cerca.
Em cada comunidade existe alguém em quem as pessoas se espelham, e muitas vezes até seguem também seus pensamentos errados. Isto termina então às vezes em grandes problemas.
Existem homens tão astutos no meio, que às vezes vão para frente por causa de sua perspicácia porque sabem lograr as pessoas simples.
Um que eu conheci foi o João Bratsch, o qual começou do nada e em vinte anos estava podre de rico. Ele usou sua inteligência para enriquecer e nos negócios ele sempre fazia de tudo para tirar a maior vantagem e assim progredir.
Uma vez aconteceu que o prefeito do município visitaria a sua vila para inaugurar uma escola e então toda a comunidade escolheu o João Bratsch para representar a população.
Ele aceitou a tarefa. Só que disse:
- Para eu representar um evento tão importante, preciso de uma beca nova!
A comunidade juntou algum dinheiro para lhe comprar terno, gravata, camisa, sapatos. E isto aconteceu. Mas, o dinheiro que arrecadaram era muito além de uma roupa nova incluindo uma corrente nova de ouro para o relógio.
Quando João havia recebido aquele punhado de dinheiro da coleta da comunidade, ainda veio correndo atrás o negociante de casemira e tecidos com mais um pouco de dinheiro e disse para o João Bratsch:
- Leva este dinheiro para custear tua viagem até a cidade, para que lá possas comer algo quando for comprar a nova beca.
- Muito obrigado, Inácio! Isto realmente será útil para mim na cidade.
João Bratsch aceitou a grana, enfiou-a no bolso e foi para casa para se preparar para ir até a cidade grande para comprar a beca nova.
O que vocês acham? Ele usou todo o dinheiro para se vestir, ou não? Claro que não! Ele comprou uma fatiota de segunda mão em um brechó baratinho e fuleiro e foi de carona ida e volta à cidade. E não comeu nada lá! Levou enrolado no bolso dua coxas de frango enfarofadas que sua mulher havia lhe preparado. Resultado: lucrou um bom naco de dinheiro. De quase mil Reais sobraram mais de novecentos.
Mas com o Carlos Berger era bem diferente: ele sempre fazia tudo para que tudo corresse em ordem. Tudo tinha que fechar no cálculo e se alguém o queria trair, ele ficava possesso e lhe dava um sermão.
Carlos Berger era o homem em quem por certo todos deveriam se espelhar. Não existia ninguém que não o respeitasse e todos tomavam seu exemplo pelo seu modo de ser.
Alguns anos atrás, Carlos Berger tinha uma linda filha adolescente que se chamava Francesca. Era um belíssima garota lá com seus dezesseis anos e nunca havia namorado.
Um belo dia, no baile de Kerbb em Harmonia, ela conheceu um rapaz que era da cidade. Ele era possante, cinco anos mais velho que ela e tinha seu próprio carro, um flamante corcel setenta e dois.
        Uma semana depois que haviam se conhecido, no fim de semana, ele já foi passear na casa dela para conhecer seus pais.
        Como Carlos Berger era seu pai, quando estava junto do pretenso genro, observava meticulosamente todo o movimento do rapaz a fim de estudá-lo.
        No dia seguinte, domingo de manhã, eles estavam sentados juntos para conversarem enquanto sorviam um gostoso chimarrão, e como estava mais fresquinho, estavam com o fogão à lenha aceso. Claro, Francesca e sua mãe estavam lá fora lavando roupa.
        Carlos estava com um palheiro na boca e toda a vez em que queria reacendê-lo, abria o fogão e segurava uma acha de lenha acesa no palheiro. No mesmo tempo o rapaz também tinha um palheiro na boca mas usava seus fósforos para acender este seu palheiro. De repente, a caixinha estava vazia, acabaram os fósforos. Então ele perguntou se Carlos não tinha uma caixa de fósforos para emprestar. Carlos, no seu jeito observador então falou:
    - Rapaz, não tenho, tenho só o fogão. Outra coisa: tu não serves para ser meu genro! Tu não és econômico e não te preocupas com todos os detalhes. Olha: olha, olha direitinho para tuas mãos! Desperdiçaste toda a manhã o fogo que tinhas à mão dentro do fogão.
    O rapaz arregalou os olhos e perguntou:
    - Sim, mas o que o fogo tem a ver com Francesca?
    - He, he, he, rapaz: Francesca é o fogo grande como o do fogão na tua frente. E tu, haverás de te preocupar com chaminhas ocasionais como as dos palitos de fósforo assim como as garotas ocasionais como estas que existem por aí. Isto não me serve como genro!

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Hora da Faxina - (Risos)




 (Risos)
   
   Eu fiz uma constatação interessante. Descobri muitas coisas no jeito de como risadas são postadas nas redes sociais. É verdade! Até um tempo atrás, claro, me chamavam a atenção as diferentes maneiras que as pessoas usam para descrever sua risada nos 'posts', mas eu não tinha caído em mim que fazia sentido escrever o riso de diferentes maneiras.
   Então, vi que a primeira constatação que se tem é saber a faixa etária da pessoa que posta sua risada. Pode até ter um gatinho ou uma flor como foto de perfil, a risada endeda a faixa etária do autor ou autora. Adolescentes riem ashuashuashuashuash infinitamente. Nota-se que é uma gargalhada meio debochada de quem está aí pra zoar mesmo.
   A risada das pessoas depois dos vinte é kkkkkkkkkk. Algo como quem diz que tudo é engraçado, tudo mexe com o hilário e tudo faz a graça durar. Um kkkkkkkk sempre puxa um monte de outros que completam o quadro do riso com vários kkkkkk. A gente já ri só ao ver aquele monte de letrinhas "k" perfiladas. Também é a risada de quem tá no celular pois é fácil de replicar no meio do tecladinho apertado.
   Depois dos trinta geralmente as pessoas riem hahahahahaha. É uma forma larga, aberta de rir, de quem está empregado, muitas vezes já arranjado na vida financeiramente e nas questões do amor, e que pode se soltar completamente ao rir. É tão bom ver um hahaha escrito que a gente já sente vontade de entrar em sintonia com a risada pois sabe que é uma risada estabilizada hahaha.
   As pessoas maduras, depois dos quarenta riem de forma contida, num singelo rsrsrsrs. Mas nota-se que é uma risada profunda, só que não escancarada. É uma risada madura, de quem já deu muitos ashuashua na vida, depois também já kkkkkk de monte, passou pelos hahaha e agora está tranquilamente rindo disso tudo rsrsrsrs.
   Depois dos cinquenta então, a coisa é a mais engraçada de todas. Porque em vez de empregarem estas fórmulas iconográficas de esboçar risadas escrevem entre parênteses risos. Assim: (risos). Ou então, assim: (risos, muitos risos). Hahaha, não guentei agora estou morto a rir. Mas é a verdade!
   Fora estas formas de risos pelas idades, também existem risadas que denunciam o perfil psicológico da pessoa ao dar risada. Assim, rir huáhuáhuá, significa: te ferrou, bem feito. Rir huehuehue significa: desta vez me vinguei. Rir hehehe significa: quero parecer tímido mas sou um bebe-quieto. Rir hihihi significa: apesar de estar com vergonha da situação, achei graça. Uma variante é rir kikiki: significa alguém mais velho tentando ser mais jovem do que na realidade é. Rir rarara significa: eu sabia que irias te ferrar. Demorou mas tua vez chegou e eu estou saboreando hahaha.
   Ainda tem uma risada que demonstra ser a pessoa de língua espanhola, quando vemos estampado um jajaja. O que vem a ser a mesma coisa qeu hahaha.
   Mas a melhor risada de todas é a que está escrita assim: pfffffffffffaaahhahahaha. Significa que você acabou de tomar um gole de café e quando ele estava na boca, antes de engulir você  teve que rir e guspiu todo o café pra não se engasgar. Não tem preço uma risada dessas pfffffffffffaaaahahaha.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - Os Torresminhos



Os Torresminhos

Os armazéns na colônia sempre eram lugares onde era vendido de tudo e onde de tudo acontecia. Existiam diversos armazéns nos lugares, cantões, vales, que fica difícil recordar todos. Eles negociavam de tudo: de panelas de ferro até ratoeiras. De tecido casemira até anzóis. Do vinho até o fumo e da linguiça até os torresminhos.
Ter torresmo antigamente em casa era sempre algo festivo. Acontecia que quando alguém na vizinhança matava um porco, extraía a banha através dos torresminhos e eles sobravam para serem distribuídos entre os vizinhos. Me lembro quando eu era pequeno, a super refeição que sempre acontecia de noite quando tínhamos torresmo para fazer um mexido com ovos e então espalhar por sobre o pão e comer. Era sempre um autêntico banquete. A mãe então sempre aproveitava e pegava o pão mofado, cortando-o em pequenos quadradinhos e o misturava na banha quente do torresmo enquanto fritava para queimar todo o zinabre dos fungos e assim deixar novamente o pão comestível. E assim a panela do torresmo ficava bem mais volumosa.
Hoje em dia os médicos dizem que o torresmo e tudo o mais que vem da banha faz mal e que com o tempo entope as veias com sua gordura. Mas, que é saboroso, isto é verdade. Eu sempre penso que o que não se consome demais não pode prejudicar a gente.
Mas, sobre torresmo, aconteceu uma vez uma história.
Tinha uma vez um negociante que tinha um grande armazém na colônia, perto aqui do Caí, onde ele vendia de tudo. Seu nome era Grotschoss. Este era um comerciante astudo, que cada vez mais prosperava devido ao seu talento em negociar. Ele também tinha em seu armazém de tudo para vender..
Um dia, eu estava caiando o muro defronte a minha casa, então faltou cal. Porque era sábado de tarde, todas as madeireiras estavam fechadas. Então me lembrei da venda do Grotschoss. Peguei minha bicicleta e fui. Logo estava no armazém dele. A conversa correu assim:
Ele disse:
- Então, filho de Deus, o que está lhe faltando hoje?
- Quero ver se você tem cal para vender. - Respondi.
- Sim, com certeza! - Respondeu ele. - Tantos saquinhos quantos quiser.
- Então me vê dois saquinhos.
Ele os providenciou tendo que pegar numa obra que ele estava construindo, pois no armazém ele não vendia cal. Ajudou a levar até o carro e me trouxe de volta para o armazém.
Então, enquanto estava pagando a conta ele ainda me ofereceu uma montoeira de artigos dos que ele tinha à venda e eu sempre agradeci, dizendo que não estava precisando. Ele foi até o fim do balcão, onde estava uma grande bacia de alumínio coberta com um pano de prato. Então, enquanto ele caminhava até lá disse:
- Talvez você queira comprar torresmo! Vem e olha, eles vieram agora, fresquinhos e tem um sabor inigualável. Você não pode ficar esta noite sem torresminhos.
Eu disse:
- Sim mas...
Quando ele chegou na bacia, levantou o pano, então num grito de susto voou para fora um filhote de gatinho, e assustado, logo sumiu. Até parecia um grande rato.
Ele, meio sem jeito, mas sem perder a pose disse:
- Sem problemas! Este gatinho justamente ganhou um banho demorado hoje de manhã.

Nove Meses sem Bere. Viúvo.



 9 meses sem Bere. Viúvo.

   Meus dias andam sendo bordados por lembranças das boas que agora não machucam mais. Já foi muito diferente no começo, onde as lembranças que deveria cultivar eram trocadas pela saudade da ausência de tantas coisas que Bere envolveu em nossas vidas. De onde éramos uma simbiose, uma soma. E talvez foi este o motivo principal da dificuldade que tive em sair da saudade, amarga saudade, para entrar na doce lembrança. Claro, sinto muitas saudades ainda dela. Constantemente. Um ser especial como ela foi, não esquecerei jamais, jamais. Mas é uma saudade diferente, algo que toca a alma e a sensibiliza, fazendo logo imaginar o lado lindo de nossa vida que soubemos compartilhar com tanta intensidade. Não há mais motivo para chorar fácil. Choro raras vezes, e geralmente é por algo de bom que acontece ou que vivo, onde sinto que Bere não mais vai usufruir estes momentos e estes acontecimentos comigo. Me dá uma dó dela, de ter partido tão cedo! Então eu choro. Bere amava viver, amava a alegria, amava dias de sol, amava as pessoas, amava trabalho, amava novidades, amava o mar e a praia. Ah, como amava a praia! E este seu sentimento fez dela alguém que cultivava em toda a sua plenitude a vida, as pessoas e os acontecimentos. Ontem ao ver os filhos olhando o jogo do Brasil na sala foi um dos momentos em que senti tanta dó de Bere não ter alcançado isso, que me retirei e não pude evitar de chorar. Doeu ver a sala em plena copa do mundo sem Bere. Sim, porque ela estaria sentada no meio deles, camiseta da seleção, munhequeiras amarelhas com a bandeira do Brasil bordada em cima, brincos amarelos com pedras verdes e azuis, chimarrão, pote de pipocas e falando como se fosse a treinadora da seleção. Ela amava olhar jogos da copa do mundo. Depois de chorar, até revirei aquele monte de porta-trecos dela mas não localizei este par de brincos que ela sempre usava durante os jogos do Brasil na copa. São todas essas coisas marcantes que aos poucos vão se diluindo, mas que ainda marcam, mas não machucam. E sei também que chegará o momento em que isso tudo vai deixar de marcar, ou marcará raras vezes. Posso dizer que estou voltando a ser completamente feliz, a ser o que sempre fui, graças ao tempo, que é o melhor conselheiro. Mas me deixem reverenciar por alguns momentos de vez em quando com meus sentimentos mais profundos Bere, minha Vidinha, que tão cedo partiu.

domingo, 22 de junho de 2014

Culinária - Receita de Bife Mestiço



Bife Mestiço

Ingredientes: 
700 g de bifes de cochão mole sem passar no batedor do assougue
700 g de peito de frango desossado
1 cebola pequena
Sal a gosto
gril (magi)
16 grãos de pimenta branca

Para empanar:
2 ovos
200 g de farinha de mandioca


Preparo:

Corte os bifes  em pedaços (em torno de 8 peças). Bata eles com martelo de bife e faça dois cortes a 1/3 e 2/3 no sentido comprido. Espalhe sobre uma superfície limpa. Corte tiras estreitas do peito de frango, bata de leve com martelo de bifes e espalhe também. Pique a cebola bem miúdo e reserve. Esprema os grãos de pimenta com a lateral da faca sobre a tábua de corte de carne, depois diminua eles picando com a faca.  Espalhe sobre as carnes.


 Salgue as carnes, borrife Gril por cima e espalhe a cebola picada. Aperte as carnes com a palma da mão para a cebola e os temperos aderirem aos bifes. Note que o  tempero vai só no lado de cima dos bifes.


Com cuidado enfie os bifes de frango pelos cortes feitos nos bifes do cochão, fazendo um sanduíche.



Com cuidado retire da superfície e reserve em algum recipiente. 


 Coloque os ovos e a farinha em recipientes separados. Bata os ovos e acrescente água até o ponto de levantar com o garfo dar somente mais um fiozinho curto. Algo em torno 5 colheres de água.


Com as mãos segure juntas as peças preparadas e passe primeiro no ovo....


....e depois na farinha, segurando sempre com as duas mãos para manter os dois tipos de carne unidas.


Coloque o lado que não recebeu tempero embaixo em frigideira com óleo quente, temperatura média-alta e deixe fritar. O segredo de colocar a carne sem a parte temperada primeiro para fritar é para manter a carne mais macia.



Quando começarem a dourar as bordas dos bifes na fritura, vire eles para fritarem do outro lado.



 Retire e coloque em bacia com papel toalha. Repita com os outros bifes.



 Aparência interna dos bifes mestiços. 




 Sirva com maionese, arroz com molho de espinafre e saladas diversas.



sábado, 21 de junho de 2014

Hora da Faxina - Arroios



 Arroios

   Beber da água de um arroio. Diretamente. Eis algo que as crianças de hoje não mais podem fazer. Por várias razões, mas a mais importante é porque as águas não são mais próprias para o consumo sem tratamento. Esse é um direito que nossa geração e as anteriores a ela tiraram de nossos netos. Se penso para trás como foi bom viver este tempo, fico com pena pelos garotos e garotas que não podem mais usufruir deste detalhe tão gostoso da vida.
   Quando eu era criança, vivíamos brincando nos meses de verão nas margens dos arroios de Harmonia, que é cortada por vários. Todos eles de águas límpidas, onde se via os peixes nadando em seus pontos mais profundos. Mesmo em altos verões, a água era friazinha fazendo a gente arrepiar quando entrava neles. Passamos muitas tardes de caniço na mão pescando lambaris, carás e cabeçudos. Tudo para na noite, depois de limparmos as escamas e tirarmos suas entranhas, a mãe fazer um gostoso frito deles, temperadinhos e servidos com pão e café.
   Mas durante as pescarias, quando batia a sede, a gente não tinha dúvida: ia até um pouco mais abaixo da pescaria para não movimentar a água e assustar os peixes, e com a mão em concha tirava água do próprio arroio e tomava para saciar a sede. O gosto é único. Doce, límpido, de natureza. Algo que a garotada de hoje em dia nem imagina ser possível de fazer. E que nós fazíamos com a maior naturalidade.
   Muitas vezes a gente aventurava fazer mesmo os peixes que pescava à sombra de algum bambuzal. As toiceiras de bambu sempre têm um descampado ao seu redor, enchendo o chão de folhas de seus brotos. Então, juntar ali neste descampado algumas pedras, encher de gravetos e acender. Deixar virar fogo e ir acrescentando galhos mais grossos até o fogo criar consistência, aquele cheiro de natureza. Depois de tudo bem aceso e quente, colocar meio torto sobre o fogo uma frigideira preta e surrada, com banha de porco para depois fritar os peixes que haviam sido limpos na água do próprio arroio, tem um sabor tão único que não dá pra descrever.
   A gente trazia junto a frigideira, alguma faca um pouco maior, um punhado de sal, um vidro de banha, uma caixa de fósforos e um saquinho de pães amanhecidos e murchos do armazém. E se fazia o banquete. Era uma época em que ter um radinho portátil era um sonho de consumo inatingível.
   Hoje os adultos estão muitas vezes reféns de todos estes avanços tecnológicos que cercam os filhos. Mas o que falta não é convencer os filhos de que existe um mundo diferente lá fora. O que falta é os adultos tirarem a bunda do sofá, deixar a novela de lado, e levar os filhos a viverem esta aventura. A maioria das crianças espera viver isso, e não irá nem se lembrar de seu celular ou tablet. Mas, precisam que o adulto tome a iniciativa.

Larguei o Cigarro



 Larguei o Cigarro

   Hoje estou feliz por dois motivos. Primeiro porque é o último dia do ano em que os dias encolhem. A partir de amanhã começam a crescer cada dia um pouco mais até o gostoso verão voltar. Já é um motivo para comemorar.
   Mas o motivo que mais comemoro, é que hoje fazem 26 anos que parei de fumar. Quem já fumou ou é fumante sabe da dificuldade que é largar este vício. Eu já vinha há tempo querendo me livrar do cigarro mas não conseguia. Até que segui a sugestão de um amigo, a qual começou a fazer efeito: Toda segunda-feira quando comprava um novo maço de cigarros, descartava um cigarro a mais e repetia o gesto com todos os maços da semana. É uma forma lenta de reduzir a quantidade diária fumada, o que já por si só educa o organismo a se acostumar com menos nicotina.
   Naquele ano de 1988 eu estava construindo o prédio que viria viria a ser minha oficina. Todos os dias depois do meio dia eu pegava meu filho no colo, ele tinha quase um ano, acendia um cigarro e ia inspecionar a obra. E naquele dia de fevereiro repeti o gesto e fui com meu filho no colo e cigarro aceso na boca olhar a obra. Quando estava distraidamente inspecionando o trabalho dos pedreiros, obra quase pronta, cigarro na boca, o Wagner com sua mãozinha fechou a brasa do cigarro, queria pegar e teve uma queimadura feia na palma da mão por causa disso. 
   Passei a me punir por ter causado este sofrimento tão evitável no serzinho que por curiosidade queria tocar aquela luz, o braseiro da ponta do cigarro. Resolvi seguir a sugestão do amigo e comecei a descartar um cigarro por semana de cada maço que fumava. Então ao cabo de 12 semanas eu estava somente mais fumando oito cigarros por dia, ao invés dos 20 que necessitava antes. E os outros 12 passaram na não me fazerem mais falta. Mais duas semanas passaram e eu estava somente mais em seis cigarros por dia. Já queria parar, mas o organismo relutava em largar totalmente este vício.
   No dia 21 de junho, oficina já pronta, levantei, tomei café, escovei os dentes e fui para o trabalho. Depois do estabelecimento aberto fui comprar cigarros. Tinha um buteco aqui na frente de casa. Quando voltei, descartei 14 cigarros, peguei o isqueiro e fui acender o primeiro cigarro do dia. Desgraçadamente a pedrinha que dá a faísca voou longe. Lembrei que tinha na gaveta um isqueiro sem gás mas com pedrinha. Então, cigarro na boca, abri o gás do isqueiro sem pedrinha e fui riscando o a pedrinha do isqueiro sem gás para dos dois conseguir uma chama para acender o famigerado cigarro. 
   Depois de muitas tentativas, cansado, consegui a chama. Mas não acendi o cigarro. Olhei para os dois isqueiros e pensei: "Que ridículo isso! Tudo para acender um cigarro! Não vou fumar mais." - Guardei o cigarro de volta para a carteira, a amassei e coloquei no lixo junto com o isqueiro sem pedrinha. O outro guardei de recordação. Nunca mais botei um cigarro na boca.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - Histórias do Padre Feltz Número Um



Histórias do Padre Feltz Número Um
O padre Feltz era uma das mais interessantes figuras que existiram antigamente. Era um homem gordo e baixo. Acho que ele pesava mais de cem quilos. Sua desgastada batina preta por sobre aquele corpo gordo dava a impressão de que ele era um sino vivo e suas pernas, o badalo.
Seu rosto de aparência de lua cheia tinha um par de olhinhos castanhos que necessitavam a ajuda de óculos de pequeno grau. Então, para ler, ele precisava tirar os óculos. Mas, para ele caminhar e andar por aí com seu burro ele necessitava dos óculos.
Ele não possuía mais nenhum fio de cabelo sobre a cabeça e sua careca branca reluzia como se fosse um chão encerado. O lenço que ele carregava em seu bolso tinha por finalidade ser passado sobre sua careca. Dali sempre brotava com facilidade o suor.
Conhecido em todos os cantos, todos sabiam que ele gostava muito de galinhada, então preparar a panela com uma galinha só para ele era muito pouco para um almoço.
Ele era um padre santo e comilão. Também ninguém pode ser cem por cento perfeito. Pequenos defeitos sempre podem aparecer. Então a vida do padre Feltz era dividida entre rezar e comer. E estes dois caminhos de alinhavam.
E porque nas manhãs de domingo ele tinha que ir longe com seu velho burro, ele sempre se arrumava o almoço na viagem. Entre as trinta famílias pelas casas das quais ele sempre passava defronte nas manhãs de domingo, uma família sempre tinha que preparar uma boa galinhada.
Todos conheciam o seu sistema e isto andava assim. Mas, como era época de colheita as pessoas trabalhavam de segunda a segunda e não queriam saber se estavam na vez de alimentar o padre. Assim, um domingo de manhã chegou o padre na casa do Erwin para almoçar, mas ele só viu uma garota adolescente correndo por ali. Ele atraiu a garota até ele, então perguntou:
- Garota, vem cá!
- Sim, o que você quer?
- Escuta... o papai não está por aí?
Então ela olhou ao redor de si e respondeu sapeca:
- Não! Por que?
- Deixa assim! ...Mas, eu gostaria de tomar algo ...poderia eu te pedir isto?
- Sim! - Respondeu ela.
Dez minutos depois a garota voltou com uma panela cheia guarapa.
Alcançou-a para o padre e perguntou:
- Eu trouxe guarapa porque achei que iria agradar mais ao senhor do que água. Isto te serve?
- Óh, sim! Me agrada mais do que água.
- Pode tranquilamente tomar tanto quanto quiser, padre. Ainda tem um tanque cheio. - Disse a garota. O padre, enquanto bebia disse:
- É bonito que você seja tão espontânea!
- Não faz mal que tu bebas quanto desejares. Nós do mesmo não vamos mais tomar esta guarapa porque ontem de noite morreu afogado dentro dela um gambá.
O padre ficou brabo com a resposta, dizendo:
- Sua malandrinha! Me apronta essa! Teria vontade de atirar esta panela na sua cara e ainda surrá-la com uma vara!
- Não, não! - Respondeu ela. - Não faça isso, pois isto aí é o pinico da vovó e eu não gostaria de amassá-lo. Isto deixaria ela muito chateada!
Padre Felz atirou a panela no chão, montou o cavalo e saiu resmungando até a distância que se enxergava ele.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Hora da Faxina - O Pior Goleiro



O Pior Goleiro

   É muito interessante quando olhamos as diferenças de gostos das pessoas. Alguns são entusiastas com tamanha intensidade por alguma atividade ou assunto, que tentam impor seu gosto a todos por acharem que quem não compactua com este gosto pessoal é alienado.
   Vejamos o assunto futebol que está sempre na moda: em toda a minha vivência, por diversas vezes, tive dificuldades em manter minha posição de ser de outro planeta por não ter nem um pouco de emoção pelo jogo em si. Desde criança, sempre fui neutro em relação ao futebol e só tenho meu time gaúcho favorito por impingência dos meios que me tiraram de cima do muro, e por gostar mais da cor azul que do vermelho. Só isso! Pois se for falar de títulos, jogadores, fases boas ou ruins, não sei absolutamente nada. Nada mesmo! Talvez lembre vagamente algum jogador deste time que se destacou na seleção, mas mesmo assim, não tenho certeza. Simplesmente não sinto nada pelo futebol. Mas, do mesmo jeito como eu me emociono com uma melodia ou uma canção apresentada com dedicação e esmero, e outras pessoas não curtem, entendo que é a diferença dos gostos por atividades humanas. E que bom que seja assim, pois só deste jeito conseguimos ter à disposição esta infinidade de grandes maravilhas criadas pelos seres humanos que nos entretém, ensinam, divertem, educam, alegram e emocionam.
   Muito do gosto pelo futebol tem a ver com o meio onde a gente nasce e se cria e o interesse dos pais por este entretenimento. Eu me criei numa família, digamos 'alienada' do futebol e só fui conhecer que existia copa do mundo quando eu tinha 13 anos. Naquela época, na escola onde eu estudava, éramos obrigados a jogar futebol. Eu detestava, achava algo sem graça correr atrás de uma bola para tentar enfiá-la numa trave estreita no fim do campo. Na época, na escola tínhamos onze times completos. Do primeiro time que era composto dos melhores jogadores, até o décimo primeiro, onde se escalava a pior formação de pernas de pau para jogar futebol. E um detalhe: eu era tão ruim jogando, pois não gostava, que me puseram a ser o goleiro do time. 
   Era lindo de se ver: em vez de eu me empenhar em defender a formação, me atirando nas bolas que eram arremessadas no meu gol, eu me esquivava para não botar a mão nelas. Meus colegas mesmo sendo os piores jogadores da escola, ficavam de mal comigo por eu ser tão péssimo goleiro, e não raras vezes eles pediam para o juíz me expulsar a fim de a formação ficar sem o goleiro e um jogador entrar em meu lugar. E mesmo defendendo sem por as mãos, era menos vazado do que eu. Meu record foi levar quinze a zero num jogo contra as meninas do turno da tarde. Quanto mais linda era a jogadora, mais eu favorecia o gol, só para ver o sorriso de realização estampando no rosto delas. Numa cobrança de pênalti lá pelo décimo gol, mostrei para a menina chutar pelo meio de minhas pernas. Ela acatou, chutou uma bola molinha, fácil de segurar, ela demorou chegar até mim. Mas quando veio perto, fiz que escorreguei, abri as pernas e deixei a bola entrar. 
   Aquele lance valeu a pena, pois durante mais de meio ano a paquera rolou solta e só terminou porque seguimos caminhos diferentes.
   Mas, voltando aos gostos, penso que é muito bom cada um  ter os seus. Sejam quais forem, os cultive e vibre com eles. Mas que não tente impor isso aos outros porque as escolhas sempre serão melhores quando forem livres e profundas. Nenhuma opinião vai mudar isso. 
   A copa do mundo está aí. Talvez eu olhe o último jogo. Talvez! Tudo depende da dupla que irá sobrar.
   

terça-feira, 10 de junho de 2014

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - O Ruivo



O Ruivo

Desde que o mundo gira existem pessoas infiéis. Os seres humanos ainda viviam pelas cavernas, e já as mulheres traíam os maridos e os homens já bobeavam as mulheres.
Ouve-se histórias sobre pessoas infiéis todos os dias. Muitas vezes resulta até em mortes. Sempre é difícil para quem é enganado. O ser humano, no casamento, não quer se repartir.
Na colônia ainda é mais difícil que na cidade porque lá as pessoas se conhecem e assim que isto aconteceu, toda a comunidade já fica sabendo.
Quando na traição uma criança é gerada, então o mundo está perdido. Quantos casamentos se desfizeram por causa de uma criança que foi gerada pela traição da mulher! Isto sempre está acontecendo por aí. Então as crianças sempre são parecidas com o pai ou com a mãe, ou misturadas. Mas sempre têm semelhanças com um dos dois.
Quando então a criança não se parece com os dois, então a desconfiança está aí. E assim aconteceu uma vez em Arroio Verde, perto de Feliz.
Era uma família, o homem o Pedro, a mulher, a Cecília e  cinco filhos. Quatro morenos e um ruivo. Todos eram parecidos entre si.  Mas o rúivo era bem difente dos outros.
O Pedro já desconfiava desde que o garoto nasceu de que ele não era seu filho, então ele perguntou:
- Cecília, me diz a verdade: o pequeno ruivo com certeza é meu?
Ela respondeu:
- Sim, Pedro, por Deus do Céu! O ruivo com certeza é teu. Tu o deves amar como verdadeiro filho teu.
Mas o Pedro não tinha tanta certeza sobre o garotinho. Onde já se havia visto isto: os quatro primeiros filhos todos de cabelo preto, sem sardas no rosto e todos com um comportamento parecido. O pequeno ruivo, completamente diferente, não se deixa mandar direito e ainda por cima, tem o rosto cheio de sardas, algo que ninguém na família tem.
O tempo passou, as crianças cresceram e Pedro nunca aceitou plenamente que o ruivo fosse seu filho. Um dia, ele acabou no hospital e os médicos descobriram que ele era doente terminal. Então ele mandou vir a família. Quando a esposa estava com ele, ele disse:
- Cecília, pela última vez. Me diz a verdade porque estou morrendo e não gostaria de levar comigo uma dúvida. O ruivo é realmente meu filho?
- Então, Pedro, como não pode ser diferente, vou te dar a real: o ruivo com certeza é teu filho!
- Mas como, então? Como pode ele ser diferente dos meus outros filhos?
- Falando sinceramente, o ruivo é teu filho de verdade. Ocorre que os outros quatro são filhos do vizinho!

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Hora da Faxina - Estéreo



Estéreo
   
   Muitas pessoas não fazem ideia do que representa este termo. Vêem impresso nos aparelhos de som, dvd, rádio, e agora também nos televisores, mas não sabem o que é. A definição mais perto do real seria: "Estéreo é ouvir o som em forma tridimensional." Explicando melhor, o estéreo é a forma de sinal sonoro que nos mostra onde o som se originou dentro de um ambiente. Um sinônimo de estéreo seria ambiência sonora. Não é a toa que temos dois ouvidos. Eles captam o som em diferenças de origem, pois o som que se origina no nosso lado esquerdo vem antes ao ouvido esquerdo que do direito e vice-versa. E esta sensação é quem faz nós sabermos exatamente onde o som foi originado. 
   Isto tudo na natureza é fácil, pois não existe um meio que nos presta a informação. Simplesmente o sinal é gerado e nós o ouvimos. Mas quando existe um meio como o rádio entre o sinal original e nosso ouvido, foi trilhado um caminho muito grande até chegarem ao efeito original da natureza. 
   Primeiro foi criada a faixa de frequência que chamamos de AM (Amplitude modulada) que tem as bandas separadas de uma forma que não comporta o estéreo porque precisaria o dobro da distância entre cada emissora para isso ser implantado. Então foi criado o FM (Frequência modulada), que pela faixa onde foi implantado permitia uma distância suficiente entre as emissoras para transmitirem em estéreo. Não falo em dados numéricos para meu texto não ficar chato.
   Agora, com espaço suficiente para gerar estéreo, foi a vez de criá-lo para implantar nas FMs. Após várias tentativas, o que concluiam foi de que se enviassem o sinal com uma portadora (que seria a estrada por onde o sinal caminha, que aqui no caso é uma frequência pre-estabelecida, em termos populares, um piiiiiii), e montado nesta estrada fizessem cada canal, o direito na onda certa e o esquerdo na onda inversa, e no receptor tivesse um circuito que interpretasse esta informação, teriam a geração do estéreo inserida na programação. E foi o que aconteceu. Até hoje, os canais de FM e TV trabalham com este sistema de envio de informação, para que se receba o sinal em forma estereofônica. Ele é codificado na emissora e decodificado no receptor. E eis que o milagre do estéreo aconteceu.
   Antigamente quando só existia o AM, para o sinal ter uma forma mais digamos... amigável de se ouvir, já que o sinal mono (que é a ausência de estéreo) é enfadonho, cansa, e não mantém a atenção de quem o ouve por muito tempo, as pessoas descobriram que se colocassem o rádio num canto da sala e ouvissem ele no lado oposto, seu sinal era muito mais gostoso de ouvir. Como as cozinhas eram muito grandes para comportar famílias grandes, com vários filhos, o rádio era colocado lá, num canto. E o ambiente grande gerava a 'ambiência' do sinal a um ponto que desse a impressão de estéreo, pois o sinal caminhava dentro do ambiente, sendo refletido pelos objetos e móveis e nesta mistura ele não tinha mais uma única direção, que era o alto-falante do rádio.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Pequenas Mentiras, Meias Verdades - Só o Morto não Riu



Só o Morto não Riu.

   Nos idos da década de 1980 eu fazia parte de um conjunto musical que animava os bailes da região. O mesmo chegou a fazer fama pelo vasto repertório que apresentava e pela afinação de seus músicos. Integravam a banda 9 músicos, dentre eles, um trombonista. Tradição de pai para filho, seu pai também tocara trombone e a música corria em suas veias. Sempre que surgia a oportunidade de tocarmos no salão onde o pai do trombonista era proprietário, a festa era em dose dupla porque o velhinho, na altura dos seus 90 anos era muito enérgico, alegre e ágil, saracoteando por entre as mesas servindo bebidas e batatas fritas, rindo alto, fazendo caretas, deixando todos a vontade. E não se furtava de tocar lá pela metade do baile pelo menos uma ou duas melodias em seu velho trombone de latão desbotado juntamente com nossa banda.
   Quando isto acontecia, ele virava o centro das atenções e todos comentavam sobre a força que ele ainda conseguia imprimir soprando aquele instrumento. Depois de sua apresentação, o baile corria solto e animado e ele retomava seu posto de garçom.
   Após o baile, quando nós descansávamos e comíamos pão caseiro com lingüiça regado a cerveja, o velhinho sentava na nossa frente, entregava o cachê a cada músico e intimava:
   - Quando eu morrer, você está convocado a animar o meu velório! - E enquanto entregava o dinheiro que cabia a cada um, ria com vontade deixando aflorar seus dentes com coroas de ouro reluzindo no fundo da boca.
   Quando o velhinho completou 95 anos, foi realizada uma festa muito especial pela passagem das bodas de brilhante, que ele, apesar de viúvo, fez questão de realizar. Ele já era viúvo há mais de 10 anos, mas esta data ele não quiz deixar em branco, pois assim, teria mais um motivo para reunir toda a família, netos, bisnetos e tataranetos, parentes que somados enchiam seu salão de baile. E é claro, nossa banda da qual seu filho era trombonista, iria abrilhantar esta festa. 
   Chegou o dia e a fartura correu solta no dia do evento. Carnearam uma terneira, um porco e algumas galinhas. Dias antes o velhinho recebeu de presente dois cabritos que também foram carneados. Fora as galinhas, o resto da carne toda foi assada em forma de churrasco. As galinhas foram transformadas na mais suculenta galinhada de toda a Linha Babilônia onde eles moravam. No alto do morro se via a fumaça sainda pela chaminé da churrasqueira, inebriando o paladar dos presentes com aquele aroma típico de carne assando. As crianças, famintas, já rodeavam os assadores querendo lasquinhas de carne, mesmo que ainda estivesse sangrosa. E alguns dos adultos, já sentindo o chopp nas veias, iam na carona das crianças querendo também lasquinhas da carne assada.
   Acompanhando o banquete serviram massa, aipim cozido, batata doce assada em forno de barro, pão de milho, farinha de mandioca, queijo ralado, salada de batatas em maionese, alface, couve e salada de tomates com cebolas. E para completar, na mais tradicional herança germânica, serviram curtidos de rabanetes, repolho, pepinos e beterraba. 
   A animação corria solta entre os gritos das crianças, risadas dos adultos e das polcas e valsas tocadas pela nossa banda. Foi um evento inesquecível, pois no meio da tarde o velhinho subiu no palco e acompanhou a banda com seu trombone velho, tocando várias melodias saudosas dos seus tempos de músico. A cada final de melodia ele era ovacionado pelos seus descendentes. E isto lhe causou muita satisfação e orgulho em ter uma prole tão grande. Antes de descer do palco, muito animado, pegou o microfone e pediu silêncio. Quando o burburinho aquietou ele, falando em alemão, disse:
   - Quero dizer a todos que a felicidade que sinto hoje nesta festa é indescritível. Jamais me senti assim! Obrigado por vocês todos fazerem parte desta família! ...e agora, convido a todos para comermos a sobremesa! - Uma grande salma de palmas ecoou pelo salão acompanhado de assobios aprovadores. O velhinho levantou a mão pedindo silêncio e continuou:
   - Mandei preparar sagu de laranja, de bergamota e de vinho. Também tem creme de leite, pêssegos em calda, ameixas e figo em calda. Sirvam-se! Mas antes, quero dizer mais uma coisa: no dia em que eu morrer, esta maravilhosa banda vai animar o meu cortejo fúnebre e tocar uma música de despedida para mim no cemitério.
   Entre diversos adjetivos de admiração e surpresa, no mais restava um silêncio total. Até que o filho dele, nosso trombonista se posicionou ao lado do pai, tomou-lhe o microfone e disse:
   - Só que isto vai demorar muito tempo ainda!!! Sendo assim, vamos tocar uma melodia juntos para animar esta linda festa.
   E a banda entoou mais uma canção animada, tendo o solo do dobrado feito pelos dois, pai e filho, com muito esmero.
   Mais três anos se passaram e o velhinho trombonista veio a falecer com 98 anos de idade. É lógico que no primeiro instante a consternação tomou conta do momento. Mas, aos poucos, relembrando tudo o ele vivenciara e levando em conta a sua alegria de viver e seu último desejo, foi decidido que nossa banda tocaria durante as suas exéquias e seu cortejo fúnebre.
   Toda a Linha Babilônia parou para o evento. Era numa quinta feira, manhã de maio, com garoa na madrugada e coberta de cerração na manhã. Mas, a capelinha, furtivamente construída do lado do salão, foi aberta para o velório. No amanhecer, aos poucos os moradores e vizinhos foram chegando e fazendo companhia aos parentes que já haviam varrido a madrugada naquele velório. Nossa banda chegou às 9 horas da manhã, uma hora antes de sua encomendação. Preparamos os instrumentos e adentramos a capela. O ambiente não era consternador, e sim, de uma paz que convidava a todos a se sentirem bem e de certa forma conformados. O velhinho jazia em seu esquife cheio de flores, deixando a mostra somente suas mãos em forma de oração e seu rosto de expressão plácida e tranqüila.
   Entoamos a primeira melodia: uma valsa lenta, melancólica e marcante. Algumas senhoras começaram a chorar enquanto as outras pessoas murmuravam palavras de consolo aos freqüentadores. Enquanto as melodias iam se sucedendo, o ambiente de pesado, ficou leve, tranqüilo, límpido e transparente. Parecia que as pessoas ficaram menos pesarosas com a partida do ente querido e que ali jazia alguém que realmente vivera sua vida em toda a sua plenitude.
   O padre chegou. Fez a encomendação do corpo, e, em seguida o cortejo saiu da igreja para o cemitério precedido pela nossa banda. Quem tomou a frente de todos era o gaiteiro, maestro da banda, que esmeradamente estava a tocar um fox tristonho.
   Quando ele desceu a rampa de gramado defronte à capela, coberta de orvalho, escorregou naquela grama úmida, tropeçando, e caiu rolando até a estrada. O declive de uns 4 metros, enquanto ele rolava abraçado à gaita, fez ele manter as mãos nas teclas e tocar notas das mais estranhas possíveis: Nhéee, Nhuuu, Nhiiii, nhóoooo. Tudo soava estranho. Pararam todos. O cortejo parou. Depois de alguns segundos de silêncio sepulcral algumas pessoas começaram a rir. O cortejo se transformou numa gargalhada só. Os portadores do esquife do velhinho o puseram no chão e começaram a rir. Todos riram. Era uma risada uníssona e marcante, da qual jamais se esqueceria.
   E o maestro, abraçado à gaita no chão, permaneceu alguns segundos acompanhando as gargalhadas. Quando se deu conta, levantou e disse para todos os presentes:
   - Bom, acho que o velhinho não vai dar tanta importância a este pequeno acidente. Vamos adiante!
   E ele continuou a puxar a frente do cortejo tocando notas  melódicas de um fox tristonho. Todos tentaram se compenetrar mas era impossível. Agora as gargalhadas ecoavam por entre os montes. Nosso maestro continuou caminhando e tocando. Todos riam. Enquanto ele tocava, a cada puxada de fole onde ele o abria, caía um chumaço de grama para baixo saindo das dobras do fole. 
   O enterro do velhinho não foi alegre, mas foi animado, inesquecível.