Arroios
Beber da água de um arroio. Diretamente. Eis algo que as crianças de hoje não mais podem fazer. Por várias razões, mas a mais importante é porque as águas não são mais próprias para o consumo sem tratamento. Esse é um direito que nossa geração e as anteriores a ela tiraram de nossos netos. Se penso para trás como foi bom viver este tempo, fico com pena pelos garotos e garotas que não podem mais usufruir deste detalhe tão gostoso da vida.
Quando eu era criança, vivíamos brincando nos meses de verão nas margens dos arroios de Harmonia, que é cortada por vários. Todos eles de águas límpidas, onde se via os peixes nadando em seus pontos mais profundos. Mesmo em altos verões, a água era friazinha fazendo a gente arrepiar quando entrava neles. Passamos muitas tardes de caniço na mão pescando lambaris, carás e cabeçudos. Tudo para na noite, depois de limparmos as escamas e tirarmos suas entranhas, a mãe fazer um gostoso frito deles, temperadinhos e servidos com pão e café.
Mas durante as pescarias, quando batia a sede, a gente não tinha dúvida: ia até um pouco mais abaixo da pescaria para não movimentar a água e assustar os peixes, e com a mão em concha tirava água do próprio arroio e tomava para saciar a sede. O gosto é único. Doce, límpido, de natureza. Algo que a garotada de hoje em dia nem imagina ser possível de fazer. E que nós fazíamos com a maior naturalidade.
Muitas vezes a gente aventurava fazer mesmo os peixes que pescava à sombra de algum bambuzal. As toiceiras de bambu sempre têm um descampado ao seu redor, enchendo o chão de folhas de seus brotos. Então, juntar ali neste descampado algumas pedras, encher de gravetos e acender. Deixar virar fogo e ir acrescentando galhos mais grossos até o fogo criar consistência, aquele cheiro de natureza. Depois de tudo bem aceso e quente, colocar meio torto sobre o fogo uma frigideira preta e surrada, com banha de porco para depois fritar os peixes que haviam sido limpos na água do próprio arroio, tem um sabor tão único que não dá pra descrever.
A gente trazia junto a frigideira, alguma faca um pouco maior, um punhado de sal, um vidro de banha, uma caixa de fósforos e um saquinho de pães amanhecidos e murchos do armazém. E se fazia o banquete. Era uma época em que ter um radinho portátil era um sonho de consumo inatingível.
Hoje os adultos estão muitas vezes reféns de todos estes avanços tecnológicos que cercam os filhos. Mas o que falta não é convencer os filhos de que existe um mundo diferente lá fora. O que falta é os adultos tirarem a bunda do sofá, deixar a novela de lado, e levar os filhos a viverem esta aventura. A maioria das crianças espera viver isso, e não irá nem se lembrar de seu celular ou tablet. Mas, precisam que o adulto tome a iniciativa.
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