Afetado.
Tinha chovido muito. E quando dá estas chuvas intensas e contínuas sempre alaga a rua na frente de minha casa, cobrindo inclusive a calçada. Ainda bem que é algo passageiro, em questão de uma hora ou duas tudo volta ao normal, a água baixa. Quer dizer, o que volta ao normal é a água não estar mais presente. Mas o caminho de lodo e sujeira que ela deixa para trás fica para a gente tirar com lava jato ou esfregando com vassoura e passando água limpa.
Não sei por que isto sempre acontece quando volto das férias. Este ano foi a terceira vez que voltamos das férias e me deparei com este lodo nojento sobre a calçada, fedendo a uma mistura química inexplicável, mas que é muito desagradável. Quando cheguei na esquina que dá para minha rua, já vi o estrago. Então, descarregamos todas as tralhas, roupas e demais panos para lavar que deu quatro máquinas, e ainda este inconveniente inesperado de ter que fazer uma geral na calçada na frente de casa.
Deixei para o outro dia de manhã. Montei todo o lava jato que por si só já é chato de montar, e eis que o danado não ligou. Pensei: "Putz, não faltava mais nada!" - Fiquei lidando quase meia hora nas instalações, esperando que o problema não fosse o do aparelho. Mas foi! O bichinho resolveu morrer quietinho na despensa, sem avisar, me deixando na mão. E lá estava eu, no meio da manhã, de mangueira numa mão aguando o lodo para soltar e na outra mão a vassoura de piaçava para poder pressionar melhor aquele lodo e empurrar para frente.
Até que eu estava gostando da atividade. Coisa diferente, algo de puxar de volta para os tempos dos banhos de mangueira, das brincadeiras com água. Então, propositalmente fiz a água respingar em mim, me molhando aos poucos. Claro, em pleno Fevereiro, um calorão, aquela água apetecia ser borrifada de um jeito que me atingisse. Fiquei lembrando do tempo em que a água não era encanada, não existiam mangueiras de onde se distribuísse água. Somente tinham as vertentes naturais e as bombas manuais, onde era puxada a água manualmente do poço num vai-e-vem e ela jorrava de seu cano. E nós, crianças, no verão fazíamos rodízio para ficarmos embaixo daquele jorro de água geladinha que saía da bomba, enquanto outro ficava bombando. Era nossa diversão. Mas, meu momento digamos criança, não durou muito. Estava eu lavando, me molhando, pensando na infância, quando passaram duas mulheres por mim. Me mediram de alto a baixo enquanto caminhavam.
Quando estavam um pouco mais adiantadas, uma cochichou para a outra:
- Será que o Rambo está ficando senil? Tá brincando feito criança com aquela mangueira em vez de faxinar a calçada.
A outra respondeu:
- Não dá bola. Ele está afetado.
Comecei a rir em altas gargalhadas pensando: "Afetado como?"
As duas ouvindo as gargalhadas, olharam para trás, já estavam distantes. Só fizeram que não com a cabeça. Pensei: "Agora elas têm a certeza de que estou afetado.
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