Caí 140 Anos
Minha cidade está de aniversário. Gostaria muito mais que a grafia continuasse do jeito como é na língua indígena, Caahy, que tem o idílico significado de "rio da mata." Pois, muitas vezes somos motivos de piadinhas onde perguntam: "Caiu onde?" Então eu sempre respondo: "Caiu no Caí, não sai mais, fica lá."
Não nasci aqui. Vim morar aqui um mês antes de casar, pois Bere era filha do Caí. Antes de conhecê-la, nos idos dos anos setenta, eu morava em São Leopoldo. Amava aquela cidade e me considerava um privilegiado por ser morador da cidade que é o berço da colonização alemã no Brasil, e que na minha época detinha o título de ter a melhor faculdade particular do nosso país. Aquele orgulho desvairado de fazer parte de uma sociedade de pessoas cultas, onde as garotas de berço abastado frequentavam os bailes da Sociedade Orfeu e lá conheciam seus futuros esposos.
Para ir de Harmonia, onde meus pais moravam, a São Leopoldo, o ônibus atravessava o Caí. E eu olhava janela pra fora e pensava: "Como pode ter alguém que goste desta cidade?" Pois comparativamente com São Leopoldo, tinha sujeira nas ruas, na época as casas eram antigas, muitas não conservadas como deveriam ser e as novas moradias eram simples, sem vista. Construções de no máximo dois andares, sem graça. Diferente de São Leopoldo onde estavam galgando o céu edifícios de muitos andares, oferecendo apartamentos para jovens do Brasil inteiro, e até do exterior, alugarem e cursarem a tão conceituada Faculdade Unisinos. além disto, as casas antigas tinham uma conservação primordial, mantendo a estética e a memória dos antepassados alemães que haviam desbravado aquelas plagas.
Eu pensava: "Jamais morarei no Caí." E eis que o destino colocou em meu caminho uma filha do Caí. Bere amava esta cidade. E já no primeiro dia em que desci do ônibus na rodoviária, onde ela estava me esperando para me levar até sua casa, vi que de fora do ônibus, a cidade tinha outra vista. E descobri mais uma coisa maravilhosa que não havia conhecido em São Leopoldo nos oito anos que lá morei: as pessoas desconhecidas sorriam para mim. Nossa! Eu pensava: "Como pode uma pessoa desconhecida sorrir para mim? Nem me conhece e faz esta gentileza?" E, enquanto caminhávamos pelas oito quadras que separavam a rodoviária da casa dela, vi que tinha jardins floridos, cuidados com carinho, e gente sentada à sombra de alguma árvore tocando. Sim, tocando violino. Fiquei maravilhado. Nunca havia visto em São Leopoldo este lado tão 'família' que Caí me apresentava. E Bere orgulhosa, segurando minha mão enquanto caminhávamos disse:
- Está vendo? As pessoas nos conhecem sem nunca terem visto a gente. São gentis e hospitaleiras. Por isto que amo o Caí e não trocaria por nada deste mundo.
Em meu interior, uma vergonha sem tamanho atravessou todo meu ser por ter imaginado que a aparência e as glórias de uma cidade faziam a gente viver orgulhosamente lá. Mas, descobri que o valor de uma cidade é seu povo.
Já moro há trinta e dois anos no Caí e não troco meu cantinho de chão nem pela melhor vista de um por-do-sol no mar. Amo o Caí!
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