segunda-feira, 17 de março de 2014

Cartas de Amor 5 - Bere Contando sua História



   Cartas de Amor 5 - Bere Contando sua História.

   Chego a me emocionar muito ao ler esta carta. Muito. Até choro de emoção, pois aqui ela pega fundo! Bere era assim como se descreve. Doce e exigente. Doce de se derreter com tudo, de um amor exagerado, de uma ternura comovente, tão agradável que era impossível não se encantar com ela. E, por outro lado, exigente com o que tinha que ser levado a sério. Não tolerava ações ou acontecimentos meio-terminadas. Tudo tinha que ter começo, meio e fim. Aqui a autenticidade de Bere, e seu jeito humilde em fazer uma autoavaliação de si, com todos os defeitos que tinha, os quais muitos trouxe ao nosso relacionamento, onde com carinho e conversas, também exemplos, conseguimos denominadores que fossem nossos ideais. Eu também tinha meus defeitos e cedi muito em meus conceitos. Ela também. Nós nos moldamos cedendo em uma grande parte de nossas divergências. Bere tinha um gênio perfeccionista tão forte, tão enraizado, que mesmo em todos os nossos anos de feliz relacionamento, tive que agir diversas vezes para amainar este seu, digamos, dom, para abrandar situações que ela encampava de corpo e alma, mas que não mereciam tamanho empenho e desgaste. Tanto, que meu sogro me falou, durante a festinha, um churrasco para comemorarmos os 25 anos de casados: "Pio, quero te agradecer por ter casado com Berenice. Pois se fosse outro, já teria deixado dela há muito tempo! ...Não sei por quem puxou! Pra ela é tudo sempre no máximo, não tem meio termo. Eu não aguentaria uma mulher assim!" - Eu respondi: "Seu Zé, por isso mesmo que amo sua filha. Ela não entra em nada pela metade. Entra pra valer ou não entra. E esta justamente é a virtude que eu admiro nela porque eu sou muito relaxado." - Ele sorriu, deu tapinhas nas minhas costas e disse: "Que bom! Temia que minha filha fosse ficar pra titia. Ainda bem que te encontrou."

   Nesta carta, Bere, fazendo uma sincera autoavaliação, escreveu:

   São Seb. do Caí, 28 de Abril de 1980

   Resolvi classificar minha vida assim como o Sérgio (Juca) classificou a sua: "Antes de conhecer o Pio, após conhecer o Pio."

   "Antes"

   "Eu vivia, é claro, quem não vive? Mas ainda não havia atingido meu objetivo.
   Vivia só, apesar de estar rodeada de amigos, colegas, de pessoas que se diziam amigos mas na verdade não o eram, pois não viviam todos os meus momentos. Ninguém sabia me compreender. Era difícil eu fazer me compreender. ...As vezes pensava melhor e dizia a mim mesma: - Ou será que não sou eu que não sei fazer-me compreender? ...Uma outra pergunta que eu sempre fazia: - Por que eu vivo a reclamar alguma coisa?
   Sim, porque eu vivia reclamando, não conseguia fazer nada que me desse uma realização, realização espiritual e não material.
   Minhas irmãs me diziam:
   - Berenice, sabe o que tu pareces?
   - Pareces uma solteirona, porque estás sempre reclamando, nunca estás satisfeita com o que tens, com as pessoas que te querem bem.
   Eu me sentia o Patinho Feio. Nada fechava nem combinava com meu jeito. Meu pai sempre dizia:
   - Feliz de ti, se um dia algum bobo cair nos teus encantos porque tu és muito diferente, difícil um homem te aguentar. Tu és certinha demais, tu queres tudo como é do teu jeito, tu és determinada demais. Nenhum homem aguenta uma mulher que sempre trás tudo na ponta do lápis. Te ajeita ou vais ficar solteirona!
   Mesmo assim, haviam pessoas que tinham afeição por mim, principalmente minha família. ...Eu entendia o pai, ele no seu modo simples de ser me enxergava como uma menina extravagante, exigente demais para o mundo machão dentro do qual ele foi criado.
   Eu compreendia isso e não gostava, pois mesmo assim me faltava algo. E os familiares são pessoas que nunca poderiam dizer: "Eu não gosto de você!" - Por mais defeitos que eu tivesse. E eu os tinha. 
   Eu queria receber. Não, não me julgue egoísta, porque eu também queria doar..
   Encontrei em meu trabalho alguma coisa a mais que desconhecia: responsabilidade. Isto fez com que eu amadurecesse um pouco mais, ganhei a confiança de meus patrões, pois me dediquei com afinco ao que me propus.
   Poxa! Que falha! Quase esqueci de falar da Joana.
   A Joana era e é minha melhor amiga, alguém em quem eu podia confiar. Participava de todos os meus pensamentos, ouvia as minhas queixas e eu as dela. Foi aí que encontrei um tipo de doação mútua. Nós sabíamos os detalhes de cada uma. Conselhos, conversas, diálogos abertos, assim era nossa amizade. Essa valeu a pena, por ela eu seria a garota mais feliz do mundo! Uma coisa que eu sempre dizia para a Joana era:
   - Joana, a vida é curta e passageira, logo vou morrer, e eu sinto que tenho que fazer alguma coisa para eu me sentir mais eu, e será que eu não vou encontrar meu grande amor?
   Ela me respondia:
   - Bere, seja mais otimista! Você é nova ainda, não pensa em morte! Sobre o teu grande amor, não te preocupa, tu vais encontrar a tua alma gêmea, aquele que se encaixe direitinho ao teu modo de ser, ao teu coração, ao teu espírito.
   Isso me confortava, fazia eu gostar mais ainda desta pessoa maravilhosa. Ela sempre tinha os conselhos na ponta da língua para me dar.
   E o tempo passava. Apareceram novidades no dia-a-dia, nada de grandioso, a vida foi correndo, eu fui conhecendo rapazes diversos, mas nenhum correspondia ao amor que eu tinha para doar. Ou, como meu pai me dissera, nenhum se encaixava em minhas exigências. Sim, eu era exigente, certinha, limpinha, detalhista, mas em compensação tinha também um amor infinito para doar, que jamais alguém havia recebido ou experimentado de mim para saber o quanto este meu amor era intenso.
   Sexta-feira, 08/02/1980, a Joana esteve na loja, nós combinamos o baile de sábado.
   Sábado, dia 09/02, o baile iniciou, eu e a Joana combinamos beber muito, para esquecer os problemas. Sabíamos que não era uma solução para toda a vida, mas para o momento sim pois queríamos aproveitar o baile até o fim, sem pensar na vida, e que a ressaca depois viesse cobrar nossos excessos era outra história.
   E eu, com a cabeça meio girando pela cerveja, olho em volta. Meus olhos procuravam alguma coisa que valesse a pena olhar. E eis que vi lá longe dois lindos olhos verdes, que por uma razão do destino encontraram-se com os meus. Lá longe, mas vi. Estremeci, senti meus olhos faiscarem, tanto era a beleza que irradiavam aqueles outros.
   Já conhecia esta pessoa de olhos verdes, tanto fisicamente, como espiritualmente (um pouco). Sua ex-namorada falava muito nele para mim e eu inconscientemente pensava:
   - Tenho uma inveja tremenda de você. Pois se é como o diz, é assim o grande amor que espero para mim! - E até o momento pensava não existir alguém com o espírito tão nobre, com um caráter tão bom.
   E continuava a contemplar aquela imagem, aquele colírio para os meus olhos.
   Olhei tanto para ele que não teve alternativas, me convidou para dançar. Ele disse que um outro rapaz me convidou no mesmo instante que ele, mas eu só vi o par de olhos verdes enconstando sua boca quente em meu ouvido. Nossa! E o convite me fez estremecer de alto a baixo dentro do meu vestido e de minha alma. Sua voz era muito sexy. Arrepiei ouvindo-o perguntar "quer dançar comigo?' e lógico, aceitei.
   Depois até confessou que me chamou de cadelinha porque eu não saia da frente do palco paquerando o guitarrista. Mas até lá, eu estava afim de 'queimar' tudo. E eu, quando em seus braços, com a maior cara de pau disse:
   - Desculpa, estou "meio" bêbada.
   Seu nome? Pio. Achei uma graça, nome diferente, meio bêbada, não me contive, ri. Ri muito, feito criança. E ele, para mostrar sua empatia comigo, riu junto. Disse que seu nome era mesmo engraçado.
   Na despedida, recebi um beijo "na testa". Eu senti alguma coisa diferente, desconhecida: O respeito, a dignidade que ele demonstrou por mim, mesmo eu estando "fácil", vulnerável, pois estava meio bêbada. Jamais outro rapaz havia demonstrado isso. Mesmo eu estando um trapo, talvez até com bafo, ele me tratou como uma dama, não encostou nenhuma mão em mim, só me deu aquele beijo respeitoso. Ninguém havia me tratado assim sã, imagina meio bêbada. Foi um beijo de muito respeito, de um afeto sem igual, nunca ganho antes. Queria nunca mais ter lavado minha testa, confesso!

   "Após"

   A partir deste dia senti que minha vida havia se transformado de alguma maneira, não sabia explicar. 
   Escrevi uma carta a ele, falando um pouco de meus sentimentos, ele respondeu da mesma forma, convidando-me a conhecer seu refúgio, sua nuvem rasa, um lugar idílico na imaginação dele, mas que me absorveu e me levou até lá. Achei o máximo! Também ele me convidou a ir no baile de carnaval em Harmonia.
   Fui, nos encontramos, conversamos muito. Pronto, já não tinha mais dúvidas de que este era o homem que eu procurava. Ele me falou de seus sentimentos, do que gostava, o que não gostava, o que achava certo ou errado... Eu escutava e ficava deslumbrada. Parecia estar sonhando. Não, era a mais pura realidade! Ainda existem homens bons e de caráter, e este era um deles. E eu estava ansiosa, explodindo de desejo de receber um convite que não vinha nunca. ...Nunca! ...Ele só falava! E eu esperava... esperava... queria eu tomar a iniciativa. Mas isto iria contra o modo de ser de uma garota.
   E... nossa! ...quando o Pio disse que gostaria de namorar comigo, nossa, nem sei dizer com palavras o que senti. Deus é testemunha da imensidão de minha alegria, de minha alma dançando em meu íntimo chacoalhando todo o meu ser. É claro que aceitei, até ligeiro demais para uma menina "direita", mas era tudo o que queria ouvir. E vi que ele não me achou vulgar por responder de supetão.
   Pronto, minha vida deu um salto grande, para melhor. Meus dias, principalmente meus fins-de-semana até hoje são maravilhosos. Fazem dois meses, parecem anos! Já amamos um ao outro. Nos declaramos deste jeito. Estamos convictos disso, pois desde o primeiro encontro fomos sinceros um com o outro, fomos autênticos, e continuamos assim.
   Agora posso classificar a vida diferentemente: - a vida é bela, e vale a pena ser vivida. Eu tenho muito para construir, será uma construção lenta, mas vitoriosa. Tenho muito a mudar, e Pio está me ajudando.
   Além de a gente se amar muito, temos a felicidade de ter amigos legais que participam conosco. Nossa família também é feliz por nós.
   Pio, em você encontrei o amor, a felicidade, a "fidelidade" e o respeito, o que para mim é recíproco. Eu te amo! Quero te dar todos os carinhos possíveis, você merece mais, sempre mais...
   Eu Te Amo! É o sentimento mais profundo que já senti, pois nunca havia amado realmente. Havia gostado. O amor tem que ser de muita soma, pois sem isso não cresce, não cria raízes.
   - Obrigada Meu Deus por ter feito eu conhecer este homem maravilhoso que agora estou amando. Desculpe Deus, as reclamações de antigamente. Apaga tudo! Sua força tarda, mas sempre vem. O nosso amor é a prova mais concreta da Tua existência, Senhor!

   Pio, 
   Mil beijos. Amo, amo, amo você!
   Berenice.

   Eu te amo cada vez mais! Meu amor cresce a cada dia.

na época eu fumava. Há 26 anos larguei o vício.

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