Meu Primeiro Aniversário sem Bere.
No último domingo completei 57 anos. Foi um aniversário diferente. O dia todo, apesar da noite de companhias maravilhosas estive vazio. Muito vazio para mim, em meus sentimentos. Tive dificuldades para atravessar o dia e fugir do constante pensamento: "Se Bere estivesse viva..." - A frase me perseguiu como algo que realmente quisesse me dar uma resposta. Mas a resposta não veio. Pensei diversas vezes no quanto ela estaria comemorando esta data. No quanto de tantas paparicações ela teria aprontado para transformar o meu dia em um dia especial. Nestas datas ela se entregava por completo para fazer o dia da gente. Lembro que no ano passado, era sábado, ela me esperou com uma cerveja aberta, quando saí do serviço ao meio dia e trinta, e disse: "Que esta seja mais uma de muitas que irão comemorar tua vida! Saúde!" - Me abraçou, beijou, encheu meu copo, tomou um gole e me deu. Em seguida, serviu um almocinho especial feito por ela com todo carinho. Imagino o esforço dela em fazer aquele almoço, porque ela não gostava de cozinhar. E estava muito gosotoso! Lembro também que ela já estava com os sintomas de dor, de todo o problemão que iria enfrentar dali pra frente e que culminaria com sua partida tão precoce. Mas ela enfrentou com uma força incomum todo aquele dia, recebemos nossos convidados e ela nada demonstrou. Ela se mostrou acolhedora o tempo todo e não demonstrou o que realmente estava sentindo. Bere segurava o abdômen de tanta dor com uma mão e com a outra trazia o prato de risoles para a mesa da festa. Eu havia reunido meus cunhados, irmãos e sobrinhos para cantarmos, e foi uma noite de muita alegria, de descontração e de folia. Minha família é muito festeira, montamos alguns equipamentos de som, e foi realmente um baile. De canto e ritmo desencontrado por falta de ensaio, mas procuramos ao menos afinar. Muitos dançaram se divertindo com as melodias. Até Bere dançou. Um pouco, mas dançou. Mas Bere, esboçando força e serenidade, viveu particularmente seu drama durante a festinha, e não me contou a gravidade de sua dor e de seu problema para não 'atrapalhar meu aniversário' como disse depois. Mas, foi no dia do meu aniversário do ano passado quando tudo começou. E a festinha correu solta, todo mundo sendo atendido, eu e os filhos ajudando Bere, e ela sorrindo por fora e se contorcendo de dor por dentro. A uma certa hora, no intervalo de nossa cantoria, vi que ela não estava presente e fui em busca dela. A encontrei no nosso quarto, porta fechada, luz apagada e gemendo de dor. Liguei a luz, fui para perto dela e quando ela viu a luz acesa, na hora reagiu, dando um salto na cama, dizendo: "Que foi, vidinha? Por que vei atrás de mim?" - Respondi: "Senti a tua falta e vim ver se está tudo bem. E pelo jeito não está!" - Ela se encolheu nos travesseiros e desviando o olhar de mim, disse: "Não! Está tudo bem, amor! Só estou um pouco indisposta e vim aqui me recuperar. Já tomei um comprimido para dor, e logo vai passar." - Coloquei a mão na testa dela, para sentir se estava febril, senti que não, então eu disse: "Querida, quem sabe, te levo no plantão? Vamos averiguar o que é esta tua dor. Pode ser apendicite!" - Ela abriu um largo sorriso e respondeu: "Bobo! Não é nada. Fosse apendicite eu estaria arrastando a perna. Juro, estou bem! Vai lá! Teus irmãos te esperam. Vai lá, canta 'Aline' para mim. Eu já vou." - Dei um beijo em sua testa e fiz que fui embora mas só fui até a sala e fiquei ouvindo seus gemidos para levantar e ir ao banheiro e lavar seu rosto. Minha vontade era de terminar a festa na mesma hora, mandar todos embora e cuidar dela. Mas eu tinha certeza que se fizesse isso ela ficaria muito magoada comigo, não me perdoaria. Voltei para fora onde estávamos com tudo montado e disse para o meu irmão: "Vamos tocar 'Aline'!" E a melodia correu. Já quase no fim da música, eu preocupado com a demora dela, Bere apareceu bela, linda, como em muito tempo não havia visto. Parecia remoçada, trocou de blusa e brincos, deu uma ajeitada no cabelo, desfez a maquiagem e colocou uma mais suave. Se recostou na parede na saída da cozinha, cruzou os braços e ficou me olhando o tempo todo, enquanto eu cantava. Eu fiquei feliz, ao mesmo tempo impressionado. Pensei: "Nossa, ela tá bem mesmo! Se remodelou para eu ver que está tudo bem com ela. Até a blusa ela trocou!" - Mas não. Depois da festa eu senti que ela havia feito aquilo do jeitinho dela de ser, só para eu não me preocupar com seu estado de saúde, para não estragar minha festa. Um estado de nobreza único, que só ela tinha. E eu, apesar de casado com ela tantos anos, a conhecendo como eu a conhecia, mesmo assim fui iludido com o que ela fez, se apresentando diferente, para eu relaxar e não me preocupar com ela. O quadro evoluiu, a dor aumentou e na madrugada depois da festa ela já passou praticamente em claro. Então, no dia seguinte, no domingo, dia três de março, ela fez a primeira consulta e foi lá que seu calvário começou. Primeiro, passando quatro dias internada para curar uma pancreatite e depois, através das tomografias a descoberta de seu câncer.
Meu aniversário neste ano de dois mil e catorze foi atípico. Não pela companhia das pessoas que amo que vieram e o prestigiaram e alegraram meu dia. Mas pela falta de Bere. Senti uma imensidão de vazio incomensurável. Senti o quanto de presente a pessoa dela ainda está em minha vida, mesmo ausente já há mais de cinco meses. Senti o quanto dói uma data especial sem a presença da pessoa que mais amamos. Depois do meio dia fui pegar a encomenda dos salgados e da torta na confeitaria. Eu estava completamente perdido. Não sabia se tinha encomendado o necessário para suprir todos os convidados e não sabia se o que tinha imaginado oferecer seria digno de uma festinha de aniversário. Pois quem sempre fizera isso foi Bere. Nem imaginava que tipo de torta comprar. Acabei pedindo a torta menos doce do catálogo.
Domingo realmente pensei muito em Bere. Queria muito, queria demais a presença dela comigo. E, depois da festa, nem recolhi nada, deixei tudo atirado. Cadeiras fora do lugar, as duas pias, a da cozinha e da garagem cheias de louça para lavar, pratinhos descartáveis com restos de torta espalhadas por todo o ambiente, não mexi em nada. Porque quando ia começar a limpar e organizar, senti tão forte a presença de Bere como que me dizendo: "Hei, larga isso! Deixa pra amanhã! Vai descansar, deixa de ser tão certinho!" - Justamente o contrário do que ela era, pois jamais iria dormir depois de uma festinha sem tudo limpo, ajeitado e organizado. Então larguei tudo, fechei a casa e fui para o quarto. Antes de me aprontar para dormir, deitei na cama, abracei o travesseiro dela e chorei. Muito. De uma saudade sem tamanho, que não tem como descrever. De um sentimento tão profundo, de falta, de não ter mais a chance de ter de volta, que me deixou completamente desamparado. Literalmente, precisava de um colo. Chorei tanto que encharquei a fronha com minhas lágrimas. Chorei uma saudade tão amarga como até aquele momento, em mais de cinco meses de viuvez não havia sentido e chorado, porque a data, mesmo sendo de comemoração e que ela prestigiava tanto, também foi um marco, o início de um caminho sem volta. Um caminho onde entramos de sola juntos e de onde eu saí ferido, machucado e onde ela saiu para ficar no cemitério. Meu aniversário sempre será ambíguo: de alegria por mais um ano alcançado e de sentimentos por marcar o início de um fim inevitável. E sei que em muitos outros dois de março vou passar situações semelhantes. Mas, tentando sempre ver o lado sereno da vida que me acolhe, vou procurar com o tempo superar e transformar meu aniversário somente em uma data de alegria e conquistas.
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Começou a festinha deste jeito...
...Depois apareceu remodelada deste jeito.
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