segunda-feira, 24 de março de 2014

Seis Meses sem Bere. Viúvo. Último Relato.



   Seis Meses sem Bere. Viúvo. Última Postagem, último relato.

   Hoje, vinte e quatro de Março de dois mil e catorze, fazem seis meses que Bere partiu. A vida a tomou de mim, no auge de sua existência, com apenas cinquenta e um anos de idade e nem me pediu licença. São cento e oitenta e um dias sem tê-la mais em nosso meio, em minha vida, no meu dia-a-dia. Sabe o que isso significa? Sabe quantas vezes eu chorei calado perguntando o motivo de tal atrocidade? Sabe quantas vezes eu chorei aos prantos e gritei perguntando: "Bere, por que tu me deixaste tão cedo?" Quantas? Quantas??? ...Perdi a conta. Mas me arrependi depois, dizendo a ela que ela não tinha culpa de ter partido. Ela também foi vítima, tanto quanto eu. Sabe quantas vezes eu questionei Deus por ter feito isto comigo? Sabe quantas vezes eu chorei de pena de Bere não mais alcançar e participar das coisinhas do dia-a-dia de nossa existência? Sabe quantas vezes eu pus um prato a mais na mesa inexplicavelmente, achando que ela iria sentar conosco? Sabe quantas vezes eu chorei precisando de colo e o único consolo que encontrei foi seu travesseiro, que abracei feito ela, com o carinho do amor que sempre lhe dei? ...Perdi a conta. Mas em minha história, em meus pensamentos, sentimentos, ela continua presente todos os dias quando lembro de tantas coisas que juntos fizemos e que foi a nossa história de vida, nossa história de amor. Amor de soma, doação, amor de almas. Tentei mostrar através de meus relatos o que é realmente sentir a falta de alguém que se amou incondicionalmente, que foi a metade de mim durante trinta e três anos e meio de minha existência, compartilhando nos escritos, minhas e nossas sensações, sentimentos, a evolução do sentimento de falta e também meu sofrimento. Eu quis deixar registrado como são estes primeiros penosos meses na mente e no coração de quem fica. Talvez possa ajudar um dia a quem passar por isso também.
   Eu sei que toda a nossa história, minha com Bere, que compartilhei através destes primeiros meses de viuvez, por ser autêntica, mostrou um lado de vida em comum, um modo de conviver, que muitas pessoas que têm um relacionamento de anos, não notavam em sua vida, em sua história. Pelo menos é o que diversas pessoas me disseram ao entrar em contato comigo no chat do Facebook. Tenho vários depoimentos guardados. E, se espelhando, seguindo nosso exemplo, começaram a rever seus conceitos em sua vida a dois. Principalmente na valorização dos detalhes que cercam um relacionamento no dia-a-dia, para os quais muitas vezes não damos a devida importância. Estas coisinhas bobas que parecem sem importância, mas que justamente elas são essenciais para dar a liga e gerar um grande amor. Quando se ama em toda a sua plenitude, os detalhes são como sementes que se espalham dentro deste relacionamento, fazendo brotar novas emoções e, com estas emoções, crescer cada vez mais na intensidade deste relacionamento. Elogiar a ordem das toalhas no armário do banheiro ou o cheirinho da roupa limpa faz a diferença sim! Nós somos movidos por essas miucéias.
   Talvez eu fui acompanhado tanto em tudo que escrevi porque abri meu coração e deixei fluir dele o que de mais sublime Bere e eu vivemos. Um amor incondicional. É difícil para o homem falar de choro, de emoção, de ternura, carinho e amor. É difícil abrir o coração e dele deixar sair os mais profundos sentimentos. Como homens, temos esta barreira. Boba, mas a temos. Mas, depois de tudo que escrevi, até parece fácil. Me acostumei a deixar as palavras fluírem por si só. Muito do que escrevi foi aos borbotões, sem me dar conta do que realmente estava dizendo. Minha alma o estava dizendo. As frases foram se compondo à revelia, cansando meus dedos na velocidade de escrita com que o fiz. Sempre os revisei, principalmente para corrigir erros de digitação ou concordância, mas nunca modifiquei o que havia escrito, em respeito a minha alma que ali estava se manifestando.
   É incomensurável o peso para o homem dizer que chorou. Ainda mais sendo da minha geração, onde o machismo era muito mais saliente do que nos dias de hoje. Aliás, o homem procura não chorar na frente de outras pessoas. Chora sozinho. Porque isso pode mexer com seu brio e o deixar menos homem. Mas eu descobri em minha experiência de dor, que chorar não deixa menos homem e que faz muito bem para a alma. Chorar depura lentamente o peso que nos comprime intensamente nos sentimentos. Chorar em vez de diminuir o nosso lado viril, justamente o torna polido, altivo, menos durão, mais humano. No bom sentido, nos deixa até mais homens. Muitas vezes nestes últimos seis meses pensei em como e quanto eu fui errado em repreender meu choro em tantos momentos. Momentos importantes que para mim deixaram uma lacuna sentimental por não ter deixado fluir completamente o que estava explodindo dentro de mim. Lembro dois momentos desses, justamente com meus filhos. Quando o Wagner nasceu, a emoção de ser pai pela primeira vez me tomou de uma forma tal, que tive vontade de chorar. Muita. Bere chorou, de emoção. Lembro perfeitamente quando cheguei da maternidade no quarto, ela tinha acabado de ser trazida da sala de parto, me esticou os braços e chorando gritou: "Agora somos pais!" - Eu repreendi meu choro para tentar mostrar o homem forte que, na realidade, estava ruindo por dentro de emoção, enquanto a abraçava. Era o milagre da vida que acabava de acontecer, e que havia sido trazido nove meses na barriga de Bere com tanto amor e carinho, ternura e cuidados. Também, ao ver aquele serzinho frágil através do vidro, na maternidade, vendo ele se mexer e olhando fixamente para mim, como quem dizia: "Pai, estou aqui, sou seu filho!" - Também tive vontade de chorar, de emoção. E eu, com um nó sem tamanho trancando minha emoção, não chorei.
   Depois, tranquei meu choro quando o meu outro filho, Guilherme, teve apendicite. A cena deste menino de nove anos caminhando para a sala de cirurgia, usando aquela batinha verde-água de operação estará para sempre presente em minha mente. Quando o médico que iria operá-lo abriu a porta, Guilherme, bundinha de fora, se virou para nós, atirou um beijo e disse: "Sosseguem. Tudo vai correr bem! Amo vocês!" Abanamos para ele e assim que a porta se fechou atrás dele, Bere me abraçou e chorou tanto, tanto que molhou minha camisa com suas lágrimas, me sacudindo com seus suspiros. E eu fiquei ali estático, com um peso sem tamanho esmagando meus sentimentos e não chorei. Hoje choro ao escrever isso, lembrando exatamente aquela cena, daquele menininho de nove anos, no final do corredor do hospital, diante da porta da sala operatória, olhando para trás e dizendo que tudo iria acabar bem. Chorar retraído dói tanto, que corrói a gente por dentro. É como ácido. Enfim, com o evento tão drástico que aconteceu em minha vida, a partida da Bere para outro plano, me fez soltar a emoção de desde a alma, e não tive outro jeito: resolvi deixar meu choro fluir. Aliás, seria impossível contê-lo, pelo peso da emoção do momento que pega tão fundo ao ver ao teu lado, inerte no caixão, este ser de vida agitada e frenética que tanta energia comigo compartilhou. 
   Colocar isto tudo no papel já é uma segunda etapa. Algo denso, que se escrever sem emoção desestimula a leitura. Minha emoção vem por narrar fatos todos reais, acontecimentos que mexeram e foram a nossa história de vida, de amor. E minhas palavras fluem tão facilmente porque minhas mãos estão com certeza sendo movimentadas por uma mão que nasceu em outro plano, a mão de Bere. Ela que me empurrou a falar tantas coisas sobre assuntos pesados, quase impossíveis para o homem, mas que de um amor, uma ternura tão sublime, tinham que ter seus registros feitos. Tirar de uma vez por todas o estigma de que o homem não tem sentimentos e se os tem não sabe expressá-los. Poxa, se eu não os tivesse, já teria pirado há muito tempo. Amar, sentir, chorar, sofrer uma perda, tudo são sentimentos que engrandecem o homem. Não o diminuem. É nas horas mais sofridas que os sentimentos de amor, carinho e ternura fazem a sua parte, amenizando a situação e empurrando nosso pesar para uma situação aguentável. Senão, ninguém aguentaria. Portanto, homens, chorem! É tão sublime quanto rir! 
   Esta foi a minha última postagem sobre nossa história de amor. Talvez eu venha a falar novamente de Bere e eu, quando tiver trazido de volta de nossas lembranças algum fato que valha o registro. Pretendo transformar todo este material em um livro: "Bere, minha Vidinha". Agradeço de coração a todas as curtidas, todas as mensagens, todos os comentários. Sinceramente todos vocês me ajudaram, e muito, a atravessar esta fase obscura que é muito dolorosa para quem fica. Aos poucos estou superando e conseguindo voltar a minha vida como era antes, transformando Bere numa bela e doce lembrança que sempre haverá de adornar minha existência, por tudo o que foi, representou e pelos filhos que me deu. 
   Deixo aqui a frase que Bere disse diversas vezes enquanto doente e em tratamento, prevendo o que eu iria passar, devido a nossa forte ligação:
   "Não tenho medo de morrer! Tenho medo do que você vai sentir com a minha ausência."



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