quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Um Ano e três Meses sem Bere. Viúvo



Um ano e três meses sem Bere. Viúvo.

   Pois está aí uma data que sempre irá coincidir: a véspera do Natal e a contagem do tempo da falta de Bere em minha vida. Somente são datas, mas que marcaram e não tem como não lembrar. Há 15 meses Bere se despediu na véspera, pois no dia da derradeira viagem para a eternidade não falou mais. Na véspera, ela ficou longamente sentada no vaso não dizendo nada e olhando o nada. Ela quis minha companhia e fiquei com ela neste tempo todo, neste seu limbo, mas eu estava preocupado. Ela nunca havia me pedido para ficar com ela no banheiro. Parecia acuada, cercada pelo seu mundo, desconhecido para mim. E ficou mais de uma hora assim. Eu ansioso, sentindo algo diferente no ar, custei a tirá-la de lá. Depois de muito carinho e conversa consegui convencê-la a sair dali para voltar à cama. Era passado da meia noite. Então, na passagem pela porta que liga o banheiro ao quarto ela parou. Se escorou na moldura da porta enquanto segurava firmemente minhas mãos que a traziam de volta e como num lampejo de memória me olhou e disse baixinho: "Lavar as mãos." 
   Ela nem tinha se tocado, eu a havia despido e sentado no vaso e depois ao tirar, limpado. Levei-a de volta para o banheiro e ela lavou longamente as mãos deixando a água escorrer, esfregando com a pouca força que tinha a espuma do sabonete. Foi mais um tempo ali, como se ela quisesse tirar algo que a perturbava. Eu ajudei a enxaguar, peguei a toalha e sequei suas mãos, vi suas unhas por fazer algo que não era comum nela, e a trouxe de volta para a cama, ajeitando-a confortavelmente para que a noite fosse tranquila.
   Apesar de ela me dar a impressão de meio anestesiada ela parecia bem. Quando a cobri com o edredom, fui para beijá-la, mas parei no meio do caminho porque ela abriu os olhos e seus lindos olhos negros me encararam com a sua alma. E nos fitamos. Longamente. Foi a última vez. Tive a impressão de que naquele olhar que me estudava, ela fez uma retrospectiva inteira de nossa vida em comum, o que durou pelo menos uns dez minutos sem falarmos nada, somente a química do olhar e no fim, apertou os olhinhos como se estivesse dizendo que o show terminou, cerrando a cortina do palco da vida. Fui, rocei meus lábios com os seus, ela revidou suavemente. Então eu disse: "Dorme bem amor! Eu te amo!" - E ela abriu os olhos pela metade e respondeu num sopro, bem baixinho: "Eu te amo!" - Foi a última coisa que falou.
   Na véspera do Natal do ano passado eu estava literalmente sem noção. Não sabia como reagir, como sentir, como encontrar com a família de Bere pois a ceia estava programada na casa do cunhado. Não sabia me achar, estava perdido, acuado, afinal faziam apenas três meses e eu ainda tinha o toque de pele de Bere em meus sentimentos. Para todo o lado que olhava via algo de Bere e meus olhos já marejavam, pois o vazio que sentia estava me sucumbindo. Todo o pensamento que tinha me remetia aos presentes que Bere não daria, onde boa parte já estava comprada, aos abraços que não daria, ao beijo de amor que não receberia, ao olhar faceiro dela ao ver minha reação depois de abrir o presente recebido dela, às palavras doces da felicidade em ter a família reunida e isto gerava um vazio maior ainda, sem tamanho em mim.
   Foi então, que através do chat do facebook, uma pessoa de luz me chamou. Do nada. Parece que até pressentiu meu momento, minha necessidade de falar com alguém, de eu botar pra fora minhas aflições. Conversas intermináveis, onde choramos juntos, mas logo em seguida, onde as palavras de conforto encontraram em meu ser a força e a vontade de não chorar na comemoração do primeiro natal em família sem a companhia de Bere. E não chorei. Chorei antes, muito, incontrolavelmente, de tardezinha, quando fui levar um buquê de rosas para ela no cemitério, exatamente do mesmo jeito como vou fazer hoje. Ela ganhou rosas. Amava ganhar rosas. Mas deixei meu choro lá, no cemitério.
   E logo depois que publiquei meu texto de saudades na época, onde mais pessoas reforçaram sua intenção em me amparar neste mesmo chat. Nasceram amizades novas, nasceram laços de ternura que agora vão completar um ano, e me questiono ao quanto um ser humano pode se apegar a relações de solidariedade, de ajuda, de parceria. E chego à conclusão de que este é um dos sentidos da vida. Pessoas entram em nossas vidas para somar o que tivemos subtraído sem questionarem esta matemática. Somente querem nos ver felizes. E destas somas surgem laços de família inexplicáveis, onde gerações se encontram, onde objetivos se concretizam e onde pessoas do bem vivem um mundo de verdades, que nasceu justamente num momento de dúvidas e angústias.
   Hoje chego à conclusão de que teve a mão de Bere neste momento de maior sensibilidade. Ela em seu plano deve ter sofrido com meu mundo sem rumo que estava me sufocando. E achou um meio de me confortar, uma solução. Como sempre foi o jeito dela de ser.
   Comigo foi assim. E graças a este apego para amainar minha dor, a dor da perda, em encontros e palavras positivas com pessoas até então desconhecidas, posso neste natal comemorar o primeiro aninho de relacionamentos de muita amizade, de ternura, de parceria e entendimento, onde o que impera, o mais importante, é o bem estar de quem gostamos. Feliz Natal!

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   O presente de Natal que Bere ganhou este ano: Buquê com 1 rosas amarelas pelos dois anos de namoro, 31 rosas vermelhas pelo 31 anos de casados e uma rosa branca, por ter partido há mais de um ano.





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