quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

30 de Janeiro


 30 de Janeiro

   Lembro que foi um dia muito quente este dia de 1982. Como o de hoje. Nosso casamento estava marcado para às 19:15, quinze minutos após a missa de sábado. Eu não havia visto Bere vestida de noiva como é tradicional. Lembro que naquela tarde causticante tudo estava parado, nenhuma brisa e o sol torrando a natureza. Então o inusitado aconteceu: uma manga d'água desceu do céu molhando toda a nossa cidade, mas em vez de refrescar o ambiente o tornou mais quente ainda com aquela umidade evaporando na quentura de mais de quarenta graus. Bere foi se arrumar em sua cabeleireira da qual não lembro mais o nome e eu fui me vestir na casa que seria nosso lar a partir daquele dia. Foi um sacrifício vestir a fatiota porque tudo grudava no corpo devido ao suor, mesmo após um banho frio com sabonete Lifebuoy e cabelo lavado com shampoo Tres Brut, desodorante Brut e perfume Aquarius da Rhodia. Nossa, eu tinha coleção de perfumes da Rhodia. Mas, abri uma Pepsi bem gelada com bastante cubos de gelo no copo e enquanto sorvia seus golinhos, fui vestindo. E, a surpresa, quando estava vestido: quis guardar documentos, dinheiro, mas todos os bolsos da fatiota estavam costurados. Tive que tirar o casaco de novo, pegar uma faca na cozinha, com cara de nunca usada, e abrir os buracos dos bolsos. Maldisse o fabricante, na época Tevah, e abri a costura dos bolsos, pois tinha que carregar lenço, documentos, chaves da casa, e duas caixinhas de chicletes da Chiclets, a pedido de Bere, para comermos depois do jantar e podermos beijar refrescado.
   Quando estava esperando a hora de entrar na igreja, somente eu e minha mãe, em frente à Igreja São Sebastião, em Caí, vi minha mãe se mostrando muito tensa. Então eu perguntei: "Que foi mãe?" - Ela respondeu: "Estou preocupada em te entregar para minha 'filhinha'. Tantas já passaram em tua vida, não sei se vai durar este casamento. Também não sei se a farás feliz." - Ela tinha o costume de chamar as noras de "filhinhas".  Até fiquei chateado com o que ela havia falado. Afinal, eu estava realmente querendo assumir um compromisso de verdade. Eu queria casar. Tinha certeza disto. O amor de minha vida era Bere, eu já tinha decidido. Então eu disse a ela: "Mãe, que coisa!!! ...Eu pareço tão pouco confiável?" - Ela, continuando com o seu olhar tenso, respondeu: "Pioche, eu não estou preocupada contigo porque tu te viras. Estou preocupada com a 'filhinha' (Bere). Ela não merece nada de mal pra vida dela, porque ela entrou de cabeça na relação de vocês. Vejo seus olhinhos brilhando quando fala em ti. E não quero que ela tenha uma desilusão justamente com um filho meu." - Então eu respondi: "Mãezinha, mãezinha, que preocupação besta! Se eu não estivesse afim de arrumar um compromisso de verdade, para o resto de minha vida com uma mulher, casando, continuaria minha vida aprontando como fiz até há dois anos atrás. Sério, mãe, eu amo ela de verdade e vais ter ainda muito orgulho de 'tua filhinha' ter acontecido em minha vida, prometo!" - Ela esboçou um leve sorriso, mas já voltou a manter aquele olhar tenso. ...Pensou um pouco e disse: "A maior felicidade de uma mãe é poder entregar um filho para o casamento. Assim como estou fazendo hoje. Mas, entregar para um filho que saiba realmente olhar com a certeza de sua escolha. Que saiba escolher e selar sua escolha. Que tenha o retorno desta escolha. ...E tu, Pioche, já pensaste sobre estas escolhas?" - Eu iria falar dizendo que "sim", mas nos chamaram para a entrar na igreja para começar a cerimônia do casamento.
   A cerimônia aconteceu, tudo normal. Só muito quente. Eu estava enxarcado dentro daquela fatiota, sentindo o suor iniciando no peito e nas costas e descer correndo pelo corpo até terminar nos sapatos. E, tenho certeza de que a hora de minha vida onde senti a maior responsabilidade de todas, de realmente selar a 'escolha' da qual a mãe falou, foi quando jurei à Bere amá-la e resepeitá-la na alegria e na tristeza, na saúde e na doença para o resto da vida. Pois isto realmente aconteceu. Tivemos uma vida intensa de muitas lutas, muito trabalho, muitas alegrias e algumas tristezas e preocupações. Mas tudo sempre foi somado no condensar desta frase de jura lá no altar. E hoje, depois de tudo que passamos juntos, se for pensar nesta frase, realmente ela é química: faz você selar um compromisso que vai fazer a diferença nos momentos da vida quando balançar. Porque não é fácil acompanhar o drama de quem amamos e abraçar a causa em anulação própria, para trazer ao outro ao menos o conforto de parceria, de reciprocidade e de doação. Isto se chama amor incondicional. Este é quem move e motiva estas atitudes, e que faz do ser humano alguém que procura melhorar seus atos e ações diante dos revéses da vida. O amor incondicional é a paz do relacionamento, a alavanca nas lutas em parceria, a força nos momentos de fraqueza e principalmente, o alimento da alma. Me sinto feliz por ter tido a chance de viver um amor incondicional, ele é quem fez a diferença.
   30 de Janeiro de 2014: Completaríamos 32 anos de casados e Bere teria completado 52 anos. Teria havido uma festa com amigos e parentes e a realização do desejo dela de contratar uma equipe de pizzaiolos de Porto Alegre, como havíamos experimentado no aniversário da Fernanda, para fazerem as pizzas aqui em casa, na hora, para os convidados, regadas a chopp e à alegria de nossas pessoas amadas que tanto animam uma festinha. Quis o destino que isto não acontecesse. O mundo de Bere a separou deste plano antes. Mas eu, mesmo distante daqui, lá em Itapema, tomei um banho de mar por ela conforme ela pedira em seu diário, lembrando de sua vida, sua história, seus fatos, suas virtudes, seus vícios e manias (que eram poucos), suas atitudes e principalmente do grande coração de Bere, carregado de amor e carinho. Ela sempre se preocupou mais pelos outros do que consigo mesma. Talvez este seja também um dos motivos pelo qual a amei tanto. 





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