sábado, 3 de janeiro de 2015

Hora da Faxina: Bugigangas


Bugigangas

   Abra uma gaveta em algum armário de sua casa. O que tem lá dentro? Aposto que a maior parte do seu conteúdo são bugigangas. São canetas, algumas vazias, bolinhas de gude, cartas de baralho incompletas, folhas, cadernos cheios, papéis, clips, atilhos, uma caixa de fósforos com um ou dois palitos e uma vela pela metade caso falte energia elétrica e assim por diante.
   O interessante é que a gente nunca se dá o trabalho de por em ordem estas gavetas. Os anos passam, se acrescentam coisas, e o amontoado fica ali, do mesmo jeito.
   Assim é no geral. Bugigangas para todo o lado. Dê uma olhada em seu pátio. Ali no canto empilhados uma meia dúzia de tijolos, escorado no canto da parede uma vassoura gasta, um vaso trincado embaixo da casa, ainda telhas de barro e lenha para o fogão que nem tem mais. 
   No sótão, cadeira de preguiça sem pano, uma cadeira quebrada, brinquedos e o pinico das crianças que agora já são adultos, pilhas de revistas velhas, restos de encanamento, varas de pescar que estão ali já há mais de quinze anos e uma caixa cheia de tampinhas de garrafa que eram usadas para construir 'cidades' nas brincadeiras das crianças, agora adultas.
   Tudo se guarda pensando em alguma utilidade algum dia. Mas este dia não chega nunca. E as bugigangas ficam amontoadas, colhendo pó, inúteis.
   Este costume vem do tempo em que tudo era difícil de ter, de adquirir, de prover. As pessoas enfrentavam dificuldades para por exemplo, dar uma meia dúzia de bolinhas de gude para os filhos se divertirem. Mal tinham para a comida, quem dirá outras coisas.
   Neste sentido, minha mãe era muito de guardar coisas que pudessem vir a ser úteis um dia. Guardava com cuidado muitas coisas ditas bugigangas, mas que ela via no futuro algum proveito por ter guardado. Então, lá adiante, um cabo de vassoura guardado virou uma bela estaca para aquela planta cebola africana que ela tanto gostava de cultivar. E a leiteira de alumínio furada, depois de betumada com o fumo preto do queimar da vela ficava reluzindo num grafite charmoso malhado, onde plantava uma begônia, planta que ela também adorava.
   Um dia, numa segunda-feira, quando eu ainda era solteiro e pegava o ônibus quase de madrugada em Harmonia para ir ao trabalho em São Leopoldo a mãe me acompanhou até a parada que ficava uns cem metros de casa. Claro, ela fazia questão de levantar e preparar meu café, uma honra para ela. Estávamos em passos lentos, caminhando, havia chovido de madrugada, a mãe pensativa, de repente parou. Virou, voltou dois passos e ajuntou na sarjeta uma bolinha de gude. Esfregou-a em seu vestido a limpando e me entregou dizendo:
   - Um dia terás um filho e ele terá uma bolinha de gude. Guarde-a!
   Agradeci para agradá-la, achando aquilo uma bobagem, mas a guardei. Numa gaveta, no meio de outras bugigangas. Meu primeiro filho nasceu 6 anos depois deste acontecimento. A mãe já havia falecido. Mas a bolinha de gude ficou e está aí, revivendo esta história. Olhar para esta bolinha de gude faz relembrar aquela cena, que talvez, sem ela, teria se diluído no tempo.

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