terça-feira, 12 de novembro de 2013

Bere e Camboriú




   Camboriú

   Está de partida a turma que em todos os anos, nesta época, vai a Balneário Camboriú em Santa Catarina. Muitos destes passageiros são os mesmos, vão todos os anos. Neste ano, uma passageira assídua faltará. A Bere. Durante sete anos seguidos ela viajou com esta turma. Este seria o oitavo ano. Mas não viajará mais. Sua viagem definitiva já aconteceu, e quis o destino que fosse antes. Sem mais ver o mar como ela protagonizou lá em Itacaré na Bahia em Agosto, durante nossa caminhada à beira mar num fim de tarde: "Pena que eu nunca mais verei isto!" - Disse taxativa enquanto admirava o marzão de Meu Deus se desmanchando em marolinhas gostosas aos nossos pés. E não verá mais.
   Ainda estes dias, quando peguei sua agenda para ligar para Itapema, esbarrei em sua penúltima anotação: "Viagem Camboriú. 13/11, quarta feira a 17/11, domingo. (Anotação do custo do pacote). Pedir férias para a Neiva de 14 a 18."
   Vejo a alegria deste apontamento, no jeito como a letrinha dela pula dentro da agenda já mostrando o entusiasmo em realizar esta viagem mais uma vez. Letrinha solta, leve, feliz. Lembro que quando ela anotou isto, logo em seguida ligou para o escritório onde trabalhava, comunicando esta sua intenção. Não deixaria de ir junto, já que é uma turma alegre, positiva, divertida e ela mais uma vez teria 4 dias só para ela. Bere adorava Camboriú. Por diversas vezes afirmou para mim, também para amigos, que se um dia tivesse que abrir mão de morar aqui, em nossa cidade, com certeza escolheria Camboriú. 
   A cidade tem um encanto mágico que a fazia se sentir bem lá. Seus cafés, sua comida, o hotel com vista para o calçadão no centro, perto do mar, tomar chimarrão de tardezinha no hall do hotel vendo as pessoas passando na rua. A praia e sua ilha mágica emoldurando a cena daquele balneário. A viagem de barco até a praia de Laranjeiras e a volta pelo bondinho, olhando Camboriú de cima. E, no dia em que a maioria dos companheiros de viagem ia ao Beto Carrero World, ela ia para as lojas. Inúmeras lojas, lojinhas, todas oferecendo milhares de coisas, e onde ela se inspirava para comprar os presentes de Natal. Sim, Bere era assim: início de Dezembro ela estava com todos os presentes comprados, para alegrar o Natal de tantas pessoas de nossas relações. E ela escolhia com muito cuidado cada presente, se colocando no lugar da pessoa, e o que cada pessoa gostaria de receber. Ela adorava dar presentes.
   Em suas viagens quando ia sozinha, geralmente eu dava algum para ajudar em seus custos e quando ia a Camboriú ajudava nos custos para ela comprar estes presentes. Se vai somar, de presente em presente, se a turma é grande, a conta vai longe. E seus olhos brilhavam ao receber esta minha 'ajuda' e sempre dizia: "Primeiro vou tirar um presente pra ti. Depois, o que sobrar, vou usar para completar os outros presentes." 
   Mas na viagem do primeiro ano em 2006, eu não dei dinheiro para ela. Senti que ela estava tipo, esperando aquele meu gesto. Pois em outras viagens que fazia, eu sempre lhe ajudava nos custos. E eu fingia que não estava lembrando em dar algum para ela levar. Mesmo porque ela me contou que estava levando uma boa quantia, que achava que dava para comprar tudo o que queria. E no seu íntimo, como eu a conhecia bem demais, ela deve ter pensado:    "Ele não vai me dar dinheiro porque eu disse que tenho o suficiente!"
   Mas não: eu botei um envelope com um bilhete e uma soma em dinheio em sua mala sem ela ver, no meio dos biquínis para ter certeza de que ela iria encontrar. E claro, ela encontrou. Nossa, assim que achou o bilhete ligou para mim, dizendo que tinha achado estranho eu não ter lhe ajudado nos custos desta viagem. Mas que agora ela tinha entendido o motivo. Ela estava radiante. Aliás, Bere ligava de manhã, de tarde e de noite, todos os dias. Não deixava de entrar em contato, para pelo menos ouvir a minha voz. Ela sempre iniciava dizendo: "Vidinha, tá cuidando bem dos meninos?" E eu respondia: "Claro, amor! Imagina tu e eu somados. Assim eu cuido deles." Ela ria, e começava a falar sobre seu dia, suas atividades, eu notava uma alegria imensa nela em compartilhar isto comigo. 
   Até numa das viagens a Camboriú, ela me ligou altas horas da noite, tipo meia noite. Eu atendi e só ouvia risada do outro lado. Ria, ria, até que suspirou e disse: "Pio, vem me acudir, estou bêbada!" E ria de novo junto com sua colega de quarto, acho que era a prima Tânia. Eu comecei a rir e disse: "Mas o que você tomou para estar assim?" Ela respondeu: "Duas latinhas de cerveja." Eu ri mais ainda da fraqueza dela por bebida. Então disse: "Vai, abre o chuveiro e toma um banho demorado que passa." E ela rindo continuou e me contou que tinham ido se divertir numa boate. Aliás, toda a turma foi. "Mas não dancei com ninguém!" - Arremedou. 
   No outro dia, de manhã cedo ela me ligou para contar o que tinha acontecido de fato. Em detalhes. Ela era assim: tudo na real, sem rodeios. Então eu disse que podia ter dançado pois eu sabia que aquilo era só diversão e jamais imaginaria que se divertir com uma turma de colegas de viagem numa boate, seria motivo de traição. Jamais. A alegria de viver não deve ser enforcada em recalques de pensamentos que aprisionam.
   Estes dias, precisei colocar sabonete novo no banheiro. Mais ou menos um mês antes de ela falecer, ela tinha comentado comigo que tinha uma caixinha cheia de sabonetes da Natura que já estavam guardados há mais de ano, e que era bom utilizá-los para que não ficassem tão velhos. Me lembrei disto e fui procurar no armário dela, onde ela fazia estoque de cremes e afins, e encontrei a caixa destes sabonetes. Como estavam na prateleira acima de minha linha de visão, peguei na caixa e puxei. Veio junto, caiu no chão, justamente o bilhete que eu havia escrito para ela em 2006, quando coloquei um dinheirinho junto em sua mala de viagem a Camboriú.
   Fiquei muito tocado quando vi este bilhete. Porque ele em si, apesar de pequeno, é uma história inteira que ele guarda. E isto toca, isto trás ela de volta em tantas lembranças, mas desta vez, gostosas. 
   Pois é: até este bilhete ela guardou. Lembro naquele ano quando ela voltou, a sua ânsia em me mostrar o traje de verão que havia comprado com o dinheirinho que eu havia separado do resto, para que ela gastasse com ela. Ela vestiu, veio me mostrar e perguntou: "Fiquei gostosa?"








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