sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Segundo dia: O Diário de Bere - 9 de Março de 2013



  Segundo dia do Diário de Bere.
   9 de Março de 2013.

   Abaixo o segundo dia em que Bere escreveu sobre si. Sinto na letrinha dela a satisfação em receber visitas e o carinho que ela tem por estas pessoas. Também recadinhos, sua simplicidade e também preocupação. A cada linha que escreve consigo ver na letra o quanto de profundo ela tentou ser.

09/03/2013
   Visitas: Lena, tia Eugênia, Lica, a Claidi (amiga e fisioterapeuta) estava  aqui, pedi p/ela vir pois minhas pernas estavam muito doloridas. Vi em sua fisionomia sua preocupação como se soubesse q/eu estava pior do q/dizia. Ah, q/massagem gostosa, q/alívio. Obrigada amiga Claidi, sem saber foste a primeira a me ajudar neste quadro (doença) tão difícil.
   Depois a tarde visita da Lili e do Evanir. A Lili até me deu um bjinho. Mais tarde chimarrão na área, mensagem da Gisele no celular, ligação da cunhada Íris, desejando melhoras e oferecendo ajuda na casa. Te gosto muito cunhada (por isso pare enquanto há tempo). Ligação da Silvana, querida amiga. Acho até q/com esse nome "amiga" a única, sempre com palavras de otimismo. Falei da minha preocupação c/os exames, e ela toda otimista, 50% é o médico, 50% é o nosso pensamento positivo. Foi tudo q/fiz amiga, até li novamente o livro "O Segredo" enquanto estava internada. Mas como poderia contar pra ela por telefone o diagnóstico q/já conhecemos: eu, Pio e os filhos? "Silvana "para" enquanto é tempo!" Ainda não abri pra meus irmãos (sobre a gravidade de minha doença). Decidimos aqui em casa só contar qdo tivermos falado com a outra médica.
   Jantamos juntos nós quatro, com uma fatia de pão c/chmia e tomei café com leite. Diante de tanta fartura na mesa, aquilo pra mim era um manjar dos deuses, pra quem ficou 4 dias sem comer (no hospital). Depois da novela e do BBB, vamos olhar um filme nós quatro (de comédia).
   A minha maior preocupação é como esses 3 homens vão se virar sem mim, é tão engraçado, homem não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo, enquanto q/a mulher se preciso for, faz dez.
   Amanhã volto a escrever...

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   Neste mesmo dia, eu também escrevi um desabafo e falei das incertezas que nos esperavam. Minha revolta com o que havia acontecido e tudo o que viria pela frente. O pior é que relendo este artigo que escrevi em março, fechou com o diagnóstico do doutor que havia tratado sua pancreatite e que havia descoberto seu câncer. Só que não foram 8 meses de sobrevida, e sim, somente 6 meses.

   09 de Março de 2013  

   Pois é.
   Câncer.
   Câncer de pulmão.
   O que vou dizer?
   Tô sem chão, sem palavras, sem ação. Já viu a pessoa em quem a gente deposita uma vida inteira de amor, carinho, energia, esperanças, enfim, quem a gente vê para ser eternamente teu esteio, num segundo, na maior levar uma rasteira? Tô vivendo este momento. É. O momento de saber que minha cara metade está em vias de um tratamento prolongado, que depende de sua reação para termos esperanças. E o pior de tudo é que  esta reação não é inerente ao entusiamo e à capacidade dela. É unicamente inerente à tolerância do seu organismo.
Então eu me pergunto: Prezado Deus: qual é a Tua em despedaçar uma família tão bem estruturada, tão bem administrada e tão bem cuidada, de um amor sem tamanho? Sinceramente, sem palavras pra não blasfemar. Ó Deus, eu amo tanto, tanto, tanto ela, dá uma chance a ela para que se recupere, tá? Nem que fique com sequelas. Prefiro ela doente do meu lado do que perdê-la. Vai, Cara, dá uma chance a ela!!!! Ela quer tanto um dia ter netos. Dá uma chance, vai!!!
   Choro sozinho, desamparado. Bere já está dormindo. O médico não deu esperanças. Me disse que o pai dele teve o mesmo tipo de câncer e só viveu 8 meses. Só 8 meses???? Meu Deus!!!! To desesperado. Não sei o que virá pela frente, mas sei que minha capacidade de encarar as coisas terá que se superar. E muito! Terei que encontrar respostas sinceras mas evasivas a tantas perguntas que daqui pra frente Bere fará. Vou ter que administrar tantas dores, incertezas, tantos choros e revoltas dela, tenho que me preparar. E muito! Também já decidi. Se o tratamento dela custar caro, vendo tudo. O importante é ela se recuperar. Minha cabeça está a mil. Aqueles 8 meses que o médico falou estão espetando meu cérebro desde ontem, me deixando completamente agitado. Não contei à Bere. A primeira vez em que eu não fui sincero com ela. E isto também me incomoda, me sinto um traidor. Mas de que jeito eu falaria uma coisa dessas: "Vidinha, o médico te deu só 8 meses de vida." Não, não vou contar. Mesmo sendo a primeira vez em que quebro a plena sinceridade em nosso relacionamento, não vou contar. Prefiro pensar assim: não menti, só omiti a verdade. É, é isto! ...Minhas lágrimas rolam soltas, não quero chorar, tenho que ser forte. Não quero, não quero, não quero!!! Que droga!!! Como faço pra parar de chorar??? Meu bem mais precioso está lá, dormindo, afetada por um mal sem tamanho e eu menti a primeira vez nestes anos todos de casados! Ela está desconfiada que algo eu não contei, porque conhece meu semblante. E ela sabe. Queria tanto ter uma "cara de pau" e mentir sem me denunciar. Mas eu não sei disfarçar. Me sinto o último deste planeta: eu menti. A primeira vez pra Bere. Como dói não ter dito toda a verdade. Muito, muito. Mas de que jeito eu falaria em 8 meses de sobrevida??? De que jeito? Estou com o coração, a mente, a vida, tudo, tudo dilacerado. Tudo em farrapos. Juntando os pedacinhos que sobraram. Por mentir e por sofrer a dor de minha Vidinha que não sabe o grande mal que tem em seu ser. Um mal muito, muito maior do que ela imagina. Coitadinha, sinto tanto por isto. Ela não merecia. Primeiro a doença, depois minha mentira. Minha conciência pesa. E muito. Droga de choro!!! Mas como posso parar??? Com tanta bomba que caiu em cima de nós nestes últimos 5 dias, estou destroçado! Calma Pio!!! Respira fundo, vai. Cada caso é um caso e o dela pode ser diferente do que este maldito doutor falou. Temos que primeiro ouvir a oncologista porque o médico que me falou isto não entende de câncer, mas de pâncreas.
   Resta agora encarar. Eu QUERO estar junto dela em todo este tratamento! Nem que perca dinheiro, clientes e negócios por causa disto. Agora é ela!!!! Somente minha Vidinha! QUERO mostrar a ela que a amo de verdade, do fundo de todo o meu ser e minha alma e QUERO provar isto com minhas atitudes daqui pra frente. Eu QUERO estar do lado dela quando for recebendo notícias boas ou ruins. Para rir e chorar com ela. Vou mostrar a ela que ela é a pessoa mais importante deste planeta, deste universo. Que ela é o amor infinito que tanto nós falávamos. Que ELA é para mim o amor INCONDICIONAL por quem eu amo demais e por quem minha vida se norteia. E não é um cancerzinho qualquer que se meteu no meio que vai mudar tudo isto. Nem que seja um cancerzão. Nem que eu emagreça pela correria, nem que durma mal ao seu lado em alguma cadeira de hospital. Nem que ela fique sem cabelos pelo tratamento de quimioterapia ou mal-cheirosa por tantos remédios que venha a receber. Supero, meu amor é maior. Vou sempre lembrar do seu cheiro ao sair do banho com o cabelo desalinhado, mas lavadinho esperando o secador. QUERO estar sempre ao seu lado, para que quando ela precisar pegar na mão de alguém, terá a minha perto, é só pegar. E quando uma lágrima sua rolar, terá o meu afago para tirá-la de seu rosto. Quando precisar de uma palavra, é a minha a promeira a lhe retrucar com otimismo. E quando uma dor a incomodar, ter minha massagem ou meu carinho pra confortar. Eu queria muito mais botar pra fora meus sentimentos, mas estou tão transtornado, pensando mil coisas ao mesmo tempo, puto da cara por aquele doutor ter cometido a besteira de falar em 8 meses, meus sentimentos estão agitados. 8 meses, não é nem uma gestação! Preciso de uma cerveja.





Esta foto foi tirada no dia 9 de março de 2013 à noite, depois da janta que ela falou que comeu pão com chmia. Dá pra se notar perfeitamente a minha dor neste beijo, de quem está com o sofrimento na flor da pela, precisando muito de luz pra administrar o que vinha pela frente. Ao mesmo tempo, no sorriso amarelinho de Bere, que não convence, sabendo do que tinha pela frente. Choro ao ver esta foto porque é a estampa do nosso sofrimento interior.


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