sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Etapas




 Etapas.

   Em Fevereiro estivemos 10 dias em Itapema, Santa Catarina. Foram férias maravilhosas, muito sol. Praia gostosa, a de Meia Praia. Ainda há algumas das casas que foram construídas nos anos 60 e 70 pelos primeiros veranistas. No mais, a cidade está tomada de prédios, e a cidade em si, está virada num canteiro de obras. Bere havia conseguido o telefone da Rose, uma senhora que agenda aluguel para algumas destas casas. Ano passado, por esta época, liguei para Rose e aluguei uma destas casas para veranear. Como sempre, depois de fazer o negócio em si, Bere tomava o telefone para saber detalhes da casa, o que tinha que levar para termos férias aconchegantes. Nossa, como ela era detalhista: indagava tudo. Queria saber sobre utensílios, mobília, enfim, tudo que ela precisava levar para as férias serem "as melhores dos últimos anos!", como sempre dizia na volta, assim que chegávamos em casa, depois de ter se certificado que a viagem de volta também fora tranquila.
   Gostamos tanto desta casa, é grande, tem pátio com amendoeira enorme na frente, linda sombra, a duas quadras do mar, no centro. Ao voltarmos, decidimos alugar a mesma casa novamente em Fevereiro de 2014. É a última coisa anotada na agenda da Bere: "começo de Novembro: ligar para dona Rose para alugar casa em Itapema."
   Cumpri isto ontem à noite. Agenda da Bere aberta, sua letrinha a minha frente, escrita alegre e desenhada, já me travou. Enguli em seco, pensei: "Tem de ser feito, ela queria tanto isto de novo! Vamos lá!" Peguei o telefone, cada número discado acelerou mais meu coração e quando o número completou ele estava aos pulos. E eu sufocado. Esperei uns segundos. Pareceu uma eternidade. Meu peito estava procurando espaço para pulsar mais. Por sorte, a linha estava ocupada. Respirei fundo, aliviado por não ter podido completar a ligação. Esperei um pouco e para me distrair fui limpar a geladeira da garagem que havia posto a degelar. 
   Enquanto estava nesta função, eu travava uma batalha interna para libertar de mim esta sensação pesada que eu havia construído em cima do simples fato de ligar para Rose para alugar sua casa. Mas o que pesava não era a ligação em si. Mas a realização de mais um sonho da Bere que não vai ser completo. Bere partiu antes. E o seu imenso desejo em realizá-lo novamente é o que justamente pesou para ligar. No fundo, no fundo, eu estava a ponto de ir atrás de um sonho bem mais dela do que meu. E ela vibrava muito com a possibilidade de repetirmos isso.
   Falamos tanto nestas férias durante o tratamento dela, enquanto ficávamos sós na sala de quimioterapia, nas intermináveis seções de 6 horas. A vontade em rever Itapema, 'correr lojinhas', tudo perto, comprar roupa de cama que lá é bem em conta, ir na cafeteria. Ela adorava tomar chimarrão ao entardecer no calçadão de fronte ao mar, vendo as mães com seus filhos fora do sol para protegê-los. Andar abraçados sem rumo na rua central e parar numa sorveteria para um sorvete. Depois, parada bem demorada na livraria revirando livros, comprar e ter leitura para o ano inteiro. E dos comprados este ano, três ela não alcançou ler. Entre eles, Um Otimista Incorrigível de Michael J. Fox. De noite ir na pizzaria, lotada de gente risonha e de línguas misturadas em vários idiomas. Ou jantar no restaurante em frente ao mar, enquanto acompanhávamos cantando o músico que se apresentava ao vivo.
   Tudo isto correu em minha mente, assim como o pano correu as prateleiras da geladeira vazia. Mas tinha de ser feito. E fiz. Terminei a geladeira, religuei, repus as coisas que havia posto na geladeira da cozinha, sentei à mesa. Agenda aberta mais uma vez, sua letrinha pulando naquela folha numa alegre anotação, e eu, com meu conflito pessoal. Disquei ligeiro os números para nem sentir a ligação fechando e já o telefone chamou do outro lado. Quando o coração ia disparar, Rose atendeu. Minha voz estava tremendo. Rose, com calma e simpática conversou comigo, tratamos os valores e ela ficou de confirmar a data. Quando eu ia agradecer, minha voz já embargada, ainda tremendo, ela pediu para falar "com sua esposa para acertar os detalhes da casa." Nossa! Aquilo me atravessou como um risco e se alojou em meu pescoço, me sufocando. Respiração difícil, respondi choroso: "Bere faleceu há quarenta e dois dias."
   Um silêncio demorado imperou entre nós dois. Bastante tempo. Do outro lado da linha ouvia uma respiração nervosa, contrita, incógnita. Eu, tentando me fazer de forte, só senti duas lágrimas correndo do canto de meus olhos, enquanto ninguém se atreveu a falar. Até que eu quebrei o silêncio porque não enxergava mais de tão marejado que estava, e disse que podia acertar os detalhes comigo mesmo. Ela só conseguiu engrolar com uma vozinha sufocada: "Tá tudo como foi neste ano, nada mudou. Pode trazer as mesmas coisas." Eu agradeci. Ainda disse a ela que estava realizando o sonho da Bere, mas que iríamos só eu e os meninos, e talvez alguém mais da família. E ela disse que retornaria ligando para confirmar a data.
   Depois da ligação caí num mar de choro. Nossa, até aí eu estava me sentindo forte, pois eu tinha conseguido ficar dois dias sem chorar, estava começando a me sentir mais seguro. Porém, acabei em uma só vez derramando as lágrimas de três dias.
   A casa está alugada. Não pensei que seria tão difícil cumprir esta etapa, mas cumpri. Bere assim o queria. Eu assim o farei. Tenho certeza que Bere está vibrando com minha atitude. Eu sinto que me seguro no jeito dela agir. E isto nos liga. E até Fevereiro, mais tempo vai ter passado e com certeza vamos ter férias muito alegres, mesmo sem ela.


Chimarrão no fim de tarde no calçadão defronte ao mar



A Casa


A amendoeira e sua sombra



'Correr lojas', fazer comprinhas, presentes para todas as pessoas que Bere queria bem. Escolhia a dedo.


 Praia lotada, descanso, mas deu pra tirar um tempinho e comprar uma bijuteria do indiozinho que passou vendendo. E a conversa com ele, agradando. Preço da pulseira? 4 Reais. Ela deu 10 reais e disse para ele comprar um refrigerante ou um sorvete com o troco. Pouco tempo depoois ele passou lá e mostrou orgulhoso a lata de Coca Cola que ele havia comprado.

 Mar de água limpa e cristalina


Praia de Meia Praia - Itapema



Centro de Meia Praia - Itapema



Calçadão



 Esperando o almoço ficar pronto



Jogando Imagem e Ação na cozinha.



Esperando a pizza na pizzaria.



Preparando o almoço: Bife à milanesa



Cena que não vai se repetir mais



Prontos para saír, andar no centro, depois jantar



O inseparável café...


...e chimarrão


Pausa na leitura, para uma namoradinha e uma foto



Almoço na beira do mar em Meia Praia - Itapema, não tem preço.

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