quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Hora da Faxina: Vó Gertrudis


(vó Gertrudis é a de vestido preto com detalhes)

   Vó Gertrudis

  O nome de minha vó por parte de pai era Gertrudis. Nome estranho para quem era descendente alemã e preservava esta linhagem, pois o certo seria ter o nome de Gertrud. Foi a única avó que conheci e tive a felicidade da sua convivência conosco enquanto crescíamos, numa infância cheia de brincadeiras, mas também de compromissos. O pai e a mãe a chamavam de Gétrud. Ela era uma pessoa de atitudes muito diferentes, dependendo da ocasião ou do motivo. 
   Quando nossos amigos vinham em casa para brincar e ela acordava com a nossa algazarra, pegava uma caneca de alumínio que ela levava para o quarto com água para tomar, a enchia de água e atirava janela afora tentando acertar a gurizada. Como já era idosa, dificilmente acertava alguém. E a gente se divertia com os ranços dela xingando. Tinha um menino vizinho nosso que era o único menino que tinha trânsito livre em casa a hora que quisesse. Ele era o protegido dela.
   Quando o pai comprou a primeira televisão preto e branco em 1967, a vó ficou estarrecida. Ela dizia que aquilo era coisa do demônio e que ela jamais iria assistir. Quando ia para o seu quarto passava com as costas viradas para a TV. Mas, quando soube que nas manhãs de domingo era transmitida a missa ao vivo, começou a tomar conta do aparelho nestas manhãs e ninguém podia sequer cochichar.
   Vó Gertrudis me ensinou a ler o alemão gótico num livro enorme chamado Legende. Herdei ele. Ela tinha muita paciência para ensinar, legando este bem precioso a mim, onde até hoje em dia ainda consigo ler esta escrita alemã trabalhada.
   Dos seus ensinamentos muitas coisas poderiam ser ditas. Mas tem três que me marcaram. Ela dizia: "Cuidado com os homens que separam o cabelo com uma régua! Se eles têm tempo para isto, não vão tirar seu tempo para você." - Ou seja, ela queria dizer que se as pessoas tirassem muito tempo para cuidar de si todos os dias, muitas coisas para com as outras pessoas deixariam a desejar. Uma filosofia caseira que eu, com o passar dos anos consegui comprovar. Pois narcisistas nunca darão atenção a ninguém, a não ser a si mesmos. 
   Ela também dizia que o café para ser bom, tinha que ser tão quente que se fosse cuspir um gole num cachorro, tinha que fazê-lo perder o pelo. Ela adorava café quase fervendo. E na escassez de comida, quando as coisas apertavam, a mãe fazia um molho farto com meia dúzia de pedacinhos de carne boiando, só para dar o gosto. A gente como crianças, tinha vontade de repetir. Então a mãe dizia que era para não fazer isto, porque todos tinham o direito de pegar um pedaço de carne. Só a vó repetia. Então ela dizia enquanto pescava o pedaço de carne dentro do molho: "É, a gente não deve só comer o que é gostoso!"
   Durante o outono, meu pai comprava doze talhas de lenha que nós cortávamos no tamanho para o fogão à lenha. Para terem uma ideia da quantidade, uma talha de lenha equivale a cem pedaços de lenha de um metro de comprimento. Normalmente a vizinhança cortava esta lenha em três pedaços de trinta e três centímetros. Mas a vó tinha uma vareta de vinte e cinco centímetros e ficava sentada na frente do cavalete medindo cada corte para que os paus rendessem quatro peças.    Passávamos no contra-turno da escola o tempo todo cortando lenha com uma serra de arco, puxada por dois irmãos. Quando a gente mostrava cansaço ela xingava dizendo que tanto mais tempo demoraríamos para terminar de cortar aquela enorme pilha de lenha. E quando começávamos a rir do nada, ela achava que estávamos debochando, então batia com a varinha da medida da lenha em nossas mãos. 
   Mas havia a compensação. Quando a noite se anunciava, parávamos o trabalho para continuar no dia seguinte. Ela então nos levava todos até seu quarto, onde dentro do armário tinha um vidro com licor de ameixa que ela mesma fazia colocando as ameixas misturadas com cachaça. e dava uns golinhos para cada um saborear. Na época o mais velho tinha doze anos. E a gente se criou alegre, sem traumas, conquistando muitas coisas quando adultos. 
   Minha vó foi sempre muito ativa até vir a falecer aos 84 anos. Ela adorava cuidar de sua plantação de dálias que ficava do lado de casa, onde flores enormes das mais variadas cores proliferavam aparentando ser um tapete colorido.

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