quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Pequenas Mentiras, Meias Verdades: Histórias de Mascates, nº 1




Histórias de mascates número um: Ciclop

   Os mascates antigamente eram tão conhecidos como hoje em dia são os atores de novelas. Eram os únicos que iam a todos os cantos e traziam suas novidades. Negociavam de tudo: desde o primeiro sutiã da adolescente até o vinho de missa do padre.
   Eles então apareciam de duas a três vezes no ano na colônia e empurravam seus bagulhos. E quando tinham lábia, eles conseguiam vender algo.
   Um dos maiores mascates sacanas era  o Albert Wiedermann. Se a gente só toma o nome não se dá conta porque seu verdadeiro nome não representava nada porque ninguém o conhecia. Mas quando se fala de Ciclop, muitos se lembram dele. Ciclop era um importante mascate e toda a colônia o conhecia. O apelido Ciclop ele mesmo se deu em seus relatos porque ele só tinha um olho. O outro era um olho de vidro.
   Para relembrarem, na mitologia, Ciclope era um monstro que só tinha um olho no meio da testa e era um gigante.
   O mascate Ciclop contava suas histórias em versos. Sempre era interessante ver como ele criava suas piadas em versos. Quando o mascate anunciava que ficaria três dias na cidade, na pensão do Libbo, as pessoas vinham de longe para negociarem com ele. De tudo era negociado nesta pensão perdida num vilarejo qualquer no interior, desde charutos até os vestidos mais finos. Nos negócios as camangas eram grandes porque o mascate sabia que tão cedo não voltaria até lá, assim superfaturava certos produtos.
   Ciclop nunca viajava sozinho. Sempre tinha um ameba burro consigo e juntos enganavam as pessoas. O que mais apreciavam fazer eram apostas com o olho de vidro e a dupla dentadura de Ciclop. Naquela época, ter uma dentadura já era uma grandiosidade, mas ter um olho de vidro, isto ninguém conhecia. Então o ajudante anunciava:
   - Ciclop é um homem tão formidável, que ele consegue assobiar e comer ao mesmo tempo.
   Muitas pessoas apostavam por ser impossível e a grana rolava. Então o Ciclop arrancava as dentaduras da boca, embaixo e em cima e com elas na mão, começava a mordiscar algo com a dentadura. E, naturalmente, assobiava junto com a boca desdentada.
   Depois, o ajudante diz:
   - Ciclop agora vai morder seu próprio olho, sem tirar a dentadura da boca.
   Na aposta então, rolava um monte de grana. Algo assim seria impossível. Ciclop, malandro, tirava naturalmente seu olho de vidro, enfiava na boca e mordia com vontade. E eles gargalhavam e se riam, e as pessoas os observavam com olhos arregalados. Onde já se viu algo assim, um homem ainda não velho e já com o corpo meio artificial? Mas o dinheiro (das apostas) já estava perdido.
   De noite, no quarto, os dois riam até não poder mais de suas bobagens e os ganhos com elas. Mas, combinaram que no dia seguinte dariam um grande susto à empregada Maria.
Maria era o retrato de uma verdadeira dona-de-casa. Ela já trabalhava há dezessete anos na pensão do Libbo, deixando tudo sempre limpo, em perfeito estado e fazia a comida para as pessoas.
   De manhã cedo ele, Ciclop levantou e foi à cozinha para se lavar. Antigamente era comum os estranhos se lavarem nas cozinhas das pensões. Quando o Ciclop chegou lá, Maria já estava preparando o café e tudo estava envolvido com o gostoso aroma. Então ele disse a ela:
   - Por favor, traga-me água para me lavar!
   Em rápidas passadas ele tinha a bacia com a água preparada por Maria e um sabão novinho para se lavar.
   Primeiro, Ciclop tirou suas dentaduras e as lavou freneticamente. Maria já ficou impressionada com a novidade, mas ficou junto dele. Ele devolveu as dentaduras à boca, assobiando, e então tirou o olho de vidro esquerdo para limpar. Maria mostrou uma expressão ainda mais impressionada. Ciclop, observando tudo com o canto do olho, o jeito impressionado dela, disse:
    - Maria, não precisa se impressionar com o que eu fiz. Isto é comum e muitas pessoas também o fazem.
    - Isto só podem ser mascates. - Disse ela meio sem jeito. Ciclop continou incitando:
    - Simplesmente não é diferente: para ser um músico, o cara deve saber tocar um instrumento. Para ser um mascate, o cara deve ao menos saber tirar os olhos para limpá-los da poeira. Deve ser feito assim, porque senão não conseguimos tirar toda a poiera que juntamos nas estradas.
   Maria perguntou:
   - Sim, mas como se tira os olhos:
   - Isto é fácil. - Respondeu ele. Então ele apertou de um jeito que parecia que estava expremendo o olho direito, mas o que voou para a bacia novamente era o olho esquerdo. Então ele o lavou e devolveu. Maria estava branca de tão impressionada. Ciclop não sabia mais o que fazer para disfarçar a troça e as gargalhadas. Então ela perguntou:
   - Como fizeste isto? ...E como consegue continuar enxergando com dois olhos de vidro?
   Ciclop respondeu:
   - É fácil! Isto é tecnologia!
   Maria não sabia mais o que dizer. E, antes que abrisse a boca, o Ciclop perguntou:
   - Tu não consegues arrancar as coisas artificiais do teu corpo?
   - Não! - Disse ela. Eu sou uma senhora delicada, não um mascate! Não tenho nada artificial em mim.
   Ciclop disse:
   - Se quiser, te mostro meu nariz que também é artificial. Quer ver? É só desatarraxar...
   - Não, não! - Disse ela, gritando. 
   E, saiu correndo, longe, que ninguém mais a viu. Desapareceu. Ninguém mais teve notícias.

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