segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Quinto Dia: O Diário de Bere - 12 de Março de 2013

  


Quinto dia do diário de Bere.
   doze de março.
   Neste dia fomos para uma reconsulta no médico que lhe havia tratado a pancreatite. E o que ela escreve no diário, é porque quando esteve internada no hospital, este mesmo médico vinha e despejava tudo na cara dela. Diagnóstico por diagnóstico. Ela pedia para ele conversar conosco, quando eu estivesse junto, mas ele não respeitou seu pedido, chegando nela e diagnosticando na maior. Ela me contou que quando ele chegou para ela e deu o diagnóstico de câncer de pulmão, e ela começou a chorar, esticou a mão para ele ao menos afagar sua mão pela triste notícia que estava lhe dando, o médico, num rompante puxou sua mão de volta sem deixar segurar. Bere estava se sentindo completamente desamparada. Eu chorei muito depois por não ter estado junto com ela quando da notícia deste terrível diagnóstico, mas, tinha que trabalhar, e a princípio, ela somente estava internada com pancreatite.

   12/03/2013 - Terça-feira

   Hoje bem mais tranquila. Tia Eugênia (minha linda) trouxe uma sopa tão gostosa! 
   Fomos ao médico (ufa, um bom dia, um sorriso) q/milagre, semana passada era outra pessoa.
   Bem, me colocou a par q/a pancreatite estava estacionada, começar a comer proteínas. Falou conosco sobre o tumor no pulmão e nos deixou bem mais esperançosos. Coloquei em minha cabeça q/vou lutar (pelos meus filhos e pelo meu marido que tanto amo). Q/vou voltar a ser outra pessoa menos materialista, mais humana, dar menos importância p/besteiras do dia a dia.
   Deus me deu uma força tão grande, q/nem precisei chorar p/contar p/minha tia Eugênia e p/minhas irmãs (contei p/Lena e pedi p/ela contar p/os outros). Mandei email pras gurias no escritório e pedi p/contarem p/Neiva. Recebi email da Nádia, da Helo e da Lisa, todos com lindas palavras (obrigado gurias).
   Vou obter a vitória, meu corpo é saudável!

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   Ái meu amor, Bere, minha Vidinha! Eu sinto tanto, tanto, tanto a Tua falta... Tu não imaginas quanto! Por que partiste tão cedo???? Por que??? Sei que não é culpa tua amada, o destino é quem te fez refém. Te tomou de mim, nem me deixou escolher e não pediu resgate. Tu foste vítima como eu. Não te culpo. Muito pelo contrário. Nós dois fomos vítimas. Eu sinto tanto, tanto, demais a crueldade que este mesmo destino fez contigo, te tirando do nosso meio justamente quando teu belo olhar, teus olhos negros e profundos, teu brilho, tua sabedoria e tua luz estavam no auge. Tu, Vidinha, estavas na plenitude de tua vida. Teu trabalho, tua beleza, teu viço, tudo! Estavas sendo uma mulher encantadora! Teu encanto me causava imenso orgulho pelos olhares discretos que recebias de homens e mulheres ao caminharmos de mãos dadas pelas ruas de nossa cidade. Nós estávamos na mais bela fase que um casamento perfeito pode chegar. Filhos maravilhosamente criados, e nós, aposentados por tempo de serviço e mesmo assim, ainda trabalhando. Chegamos no ponto de poder programar viagens para desfrutar estes anos todos de dedicação. Lembras da próxima meta? Teu sonho de conhecer algum cantinho de mar no Caribe. Depois, Portugal. Sonho dos teus sonhos em conhecer. E o destino não te deixou alcançar. Por que Deus te arrancou de mim tão cedo, com apenas 51 anos de idade? Quando somente mais tínhamos a desfrutar o fruto de tantos anos de somas, onde tudo conquistamos a duras penas, com o suor do nosso rosto? Por que? Queria muito saber o porquê! ...Esta pergunta me faço e refaço todos os dias. Incansavelmente, sempre quando acordo e vejo teu retrato, ainda lá, no mesmo lugar na parede do nosso quarto. Tua imagem aos 18 anos, quando te conheci. Olho para ti Bere, e para a dimensão de nosso santuário que foi aquele quarto. Vivemos momentos de muita energia e amor neste quarto. Nos amamos muito neste quarto. Nossa vida tem parte de sua história neste quarto! Tento entender. Mas o 'por que' não responde! As cortinas continuam na janela, do jeito como tu deixaste. Só tirei uma vez para lavar e, depois de secas, devolvi. No mesmo lugar também, os enfeites sobre trilhos de crochê, teu rádio-relógio mostrando a hora que tu acordavas, 6:15. Teu travesseiro do lado do meu. Fronha limpa, cheirosa. Tudo igual. Nada mudou. Ao acordar, olho para ti, tua imagem está de um jeito como se também estivesse me fitando. Doce, meio adolescente, pensativa. Então, pergunto como naquela canção dos Fevers: "Onde estão teus olhos negros? Onde estão teus olhos negros que eu de perto vi, antes de dormir, e agora estão longe daqui." Onde estão? Teus olhos negros sempre foram para mim um encanto à parte. Talvez porque foram eles os primeiros a tocarem minha alma através do espelhar neles, a tua própria alma. E nossas almas se encontraram. Queria tanto ver novamente teus olhos negros me olhando e dizendo: "Estou aqui. Sempre estive aqui." Minha paixão por teus olhos negros sempre foi grande. Eu era encantado pelo teu olhar!
   Ando sem resposta e isto machuca, marca, até revolta. Agora, que justamente entraríamos na fase de num futuro próximo, chegarem os netinhos. Sermos avós doces como açúcar como tu, Bere, sempre falavas. De dar 'balda' para os netinhos para eles se afeiçoarem a nós no tudo e no todo! E isto infelizmente não vai acontecer mais. Sinto isto muito, muito, muito, infinitamente demais por ti, meu amor! Vidinha, eu sinto e não consigo me sentir bem. ...Pronto! Agora já choro. Choro porque o privilégio vai sobrar só pra mim. E eu, querida, jamais queria isto só pra mim. Jamais, jamais, jamais. Querida, me perdoa, mas como posso conter as lágrimas? Eu queria tanto poder deixar este privilégio pra ti, que desde a adolescência de nossos meninos falavas em noras e netos, sonhando acordada em momentos de alegria ao lado destes pimpolhos. Tu sonhavas em ter netinhos molequinhos e agitados como eram nossos filhos para dar tuas palavras de orientação, e ensinar os verdadeiros caminhos da vida, do futuro, assim como fizeste com nossos filhos. 
   Sem netos, sem futuro, nossos sonhos foram apagados rapidinho, em meio ano, como se fossem simplesmente um parágrafo perdido, talvez até sem graça, no meio de um grande jornal. Mas eu sabia das notícias que estavam escritas neste parágrafo. E tu, minha amada, também sabias. Isto bastava. E isto é o que importava. Nós dois sabíamos exatamente de tudo o que estava escrito neste parágrafo. O parágrafo da nossa vida, de nosso amor, de nossa união. E tu, Vidinha, cuidavas de cada letrinha neste parágrafo como se fosse única, em seu lugarzinho, brilhando por si e iluminando o conteúdo. E cada espaço entre as palavras deste parágrafo tu mantinhas limpo, leve, arejado, como se fossem janelas abertas de uma existência mostrando nossa vida. E o parágrafo, mesmo perdido dentro deste grande jornal cheio de notícias diversas, algumas ruins, se destacou para nós porque era nosso. Somente dizia sua importância a nós, nossa família. Era a nossa história de amor. Composta letrinha por letrinha com tua mãozinha delicada. E isto é o que importava. As notícias remetiam a um relacionamento de grande ternura e paixão, de um amor infinito e incondicional de 33 anos, que iria acabar em 24 de Setembro de 2013. É claro que o final não estava visível. Só se mostrou presente depois da derradeira data.
  Mas, com certeza, eu, jamais deixarei terminar. Assim, como se fosse botar fora um velho vaso de flores murchas. Porque em sua essência sobrou você Bere, minha amada. Linda, cheirosa e doce. Meiga e determinada. Com raízes, viçosa, e plena. Ninguém pode ter notado, mas o importante é que eu notei isso. Em meu coração sabia que a plenitude de ti sobraria neste vaso. Era só renovar a terra, a água, enfim, te manter plantada em meu coração. E sinto isto em cada vez que exponho nossa vida aqui. Nossa vida de ternura e amor. As pessoas voltam a crer no amor verdadeiro. Elas me dizem isto nos comentários feitos aqui. Elas dizem que estão aprendendo com o jeito 'Bere' de ser e isto as faz repensarem suas atitudes. ...Pronto! Já emocionei de novo. Mas é uma emoção gostosa de sentir. Não me importo que meu óculos embassou por aquelas duas lágrimas que rolam no canto dos olhos. Parece que tua mão Bere, ainda está interferindo, mexendo as letrinhas, formando palavras encantadas, tocando o coração das pessoas no que estou escrevendo. Aliás, nem sei se sou eu realmente quem está escrevendo isto. Porque as palavras correm tão ligeiro em meus pensamentos que os dedos quase não acompanham. A minha inspiração nunca foi tão fluída. Talvez até nisto tenha a tua doce inspiração. E eu amo botar no papel o que corre em meu apaixonado pensamento.
   Tudo isto me dá alento. Saber que pessoas sentem teu lado de amor tão puro, tão autêntico, ao ver teu exemplo, tua graça e tua postura. Teu amor incondicional. Nosso amor pleno. Ah, como nós nos amamos! Teu olhar equilibrado e sereno em todas as atitudes. TODAS. Todas Mesmo! Não houve jamais um dia em nossa vida onde eu pudesse dizer que agiste sem equilíbrio. Mas, porque o destino te arrancou impiedosamente de mim me deixa despedaçado. Tento manter o equilíbrio. E pensando em tuas atitudes serenas Vidinha, meu equilíbrio se mantém. Lembro de tantas e tantas conversas entre nós dois, sempre num tom otimista, mesmo nos percalços da vida, onde tu me olhavas profundamente e sempre terminavas dizendo: "Vai dar certo porque decidimos juntos!" ...Como eu queria ouvir esta frase de novo! Como eu queria!!! Porque eu tenho que dar certo. Preciso me desapegar a toda esta falta que tu fazes. A falta que sinto de tantos detalhesinhos teus que me rondam todos os dias. Sei que com o tempo todos estes detalhes virarão somente mais belas e doces lembranças. Fico ansioso. Quero tanto que isto logo aconteça. Vidinha, te amo! Amo, amo amo, amo demais!!! Fica bem no plano em que estás porque eu, na medida do possível, fico bem aqui. Beijo!


O retrato de Bere que mantenho na parede do quarto. Foi tirado em 1980

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