quinta-feira, 15 de maio de 2014

Hora da Faxina - Amália



   Conheci uma pessoa diferente. Sabe aquele tipo de pessoa que fala pelos cotovelos? Bem esta pessoa. Seu nome é Amália. Estávamos na fila do banco. Melhor, lado a lado nos assentos de espera para atendimento no banco. Fila era antigamente. Agora se espera sentado. 
   Sempre vou ao banco, ou ao supermercado com o espírito preparado para tirar um tempo. Sei como são as coisas e fatalmente haverá um espaço de tempo de espera. Então para não bufar e ficar ruminando o já esperado tempo perdido, o melhor é levar na boa, conhecer novas pessoas e rir do inusitado tempo que nos é subtraído na espera.    Nestes vinte e poucos minutos de nossa espera, conheci uma pessoa especial. Amália tinha a ficha quinhentos e quarenta e nove e eu, a ficha quinhentos e cinquenta. Ela me falou do marido, dos filhos, da sua vida, de dinheiro, nossa! Cheguei a ter vergonha da intimidade que ela desovou ao meu lado contando tudo sem pudor. 
   Eu cheguei no banco com ela. Entramos juntos na agência. Por gentileza, disse para ela imprimir primeiro sua ficha. Ela sorriu, dentes mostrando que estava em tratamento odontológico, mas um sorriso de uma franqueza familiar. Ela passou a porta giratória, eu fui em seguida e sentei do lado dela. E ela já fulminou:
   - O tempo dos cavalheiros já foi pro buraco, não é? Me admiro você ter cedido para eu tirar a ficha antes, já que você havia chegado primeiro.
   Eu, gentilmente respondi:
   - Trago de berço o respeito aos mais velhos, a gentileza às mulheres e o carinho às crianças.
   Ela riu solta. Vi em sua boca aquele monte de elásticos puxando seus dentes para posições ortodônticas. Ainda pensei no quanto difícil deve ser uma higiene bucal com tamanha estrutura de coisas na boca para endireitar os dentes. E enquanto eu pensava, ela disse:
   - Não repara! Minha boca está com a sobra do salário do meu marido comprometido para os próximos dois anos.
   Mais uma risada. Daquelas boas que contagiam, onde a gente ri junto. E eu ri, achei tão inusitada a forma de ela falar. Até pensei: "Nossa, será que o marido dela ganha pouco ou será que este alinhamento dentário é caro?" - Até hoje não tive a resposta. Mas, voltando à Amália, nos apresentamos, falei meu nome, ela o dela e já disse que seu nome foi dado pela sua avó materna. Logo imaginei que uma trintona não podia ter um nome octogenário escolhido pela mãe. Só podia ter partido de alguém mais velho. Se bem que modismos de novelas também geram nomes esquisitos. 
   Amália continuou puxando assunto:
   - Sabe por que eu vim ao banco? - Eu respondi:
   - Não faço ideia.
   E ela, despudoradamente me abriu uma agendinha daquelas de bolsa, tirando um extrato de poupança. Fiquei corado por ela me apresentar um papel tão íntimo. Mas ela insistiu: 
   - Dá uma olhada! Vejo que você tem cara de inteligente. Preciso de uma luz: quem você acha que sacou estes cinco mil reais desta poupança se ela é conjunta com meu marido?
   Olhei de soslaio, vi a retirada feita uma semana atrás, e me senti fora da casinha porque não queria ver o total do valor do extrato mas ela rolou a folha até o fim, tinha em torno de um metro e escancarou mais de vinte mil reais ainda sobrando.  Enguli seco me sentindo deslocado, mas afinal, ela estava escancarando o extrato. Então eu respondi:
   - Pode ser obra de um hacker. Não conheço seu marido, mas acho que se a conta é conjunta ele não faria isso, afinal seria tão fácil desmascará-lo.
   Ela riu, guardou o papel, tirou outra folha da agenda e me esfregou no nariz dizendo:
   - Cheira! ...É ou não é perfume de mulher? - Apurei meu olfato, cheirei e... Nossa! Um perfume barato, daqueles doces de farmácia, de alguns trocados, me corroeu até os pulmões. Horrível, algo intragável. Respondi:
   - É, acho que é perfume de mulher. Mas onde encontrou esta folhinha?
   - Dentro da carteira dele. Não sou xereta. Descobri por acaso quando precisei pegar vinte reais para comprar carne para o almoço e ele mandou pegar da carteira. - Respondeu ela. Eu perguntei:
   - E o que diz neste bilhete?
   - Só uma sequência de seis letras do alfabeto. Começa com dois I. Você é inteligente, já deve ter sacado! - Eu não havia entendido nada. O que as letras simbolizavam? E ela inteligentemente respondeu:
   - É um número de telefone! As letras são o número. O I é nove. Deixou de fora os dois últimos números, para que caso eu sacasse, não ligasse para o número. Por isso vim ao banco. Se o dinheiro foi sacado pelo meu marido, hoje vai ter divórcio.
   Senti uma pena sem tamanho dela. Nossa, uma mulher linda, apesar das borrachinhas nos dentes, com duas filhas maravilhosas - ela havia me mostrado as fotos - sendo traída pelo marido, e ainda ele sacando dinheiro da poupança conjunta para premiar uma outra mulher! Senti vergonha de ser homem, sinceramente!
   Chamaram a ficha dela e ela foi.
   Cinco minutos depois ela saiu do caixa sorridente dizendo que teria que pegar outra ficha porque não era caso do caixa e sim da administração. Sua conta havia sido hackeada. Não fora seu marido quem havia tirado aquele dinheiro da poupança     
   - E o bilhete perfumado? - perguntei. Ela continuando a mostrar as borrachinhas respondeu:
   - Sabe aquele momento em que você se compromete e não se dá conta? Eu dei este papel para meu marido há três anos atrás dizendo que quando fosse me dar perfume, jamais comprasse este tipo da amostra. E ele guardou. Me dei conta disto quando estava sendo atendida, lembrei.
   - E quanto às seis letras? - Perguntei. - Ela deu uma gargalhada maior ainda e disse:
   - São as letrinhas secretas de nossa poupança. Ele nunca decora, precisa colinha.
   

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