sábado, 24 de maio de 2014

Oito meses sem Bere. Viúvo.



 Oito meses sem Bere, viúvo.

   Hoje, dia 24, fazem oito meses que Bere partiu. Já não ando mais encurvado. Consigo ficar em pé e olhar para o horizonte. Consigo fazer tantas coisas do mundo de Bere que antes me emocionavam intensamente e que agora me fazem lembrá-la com doçura e saudade. Mas não é mais a saudade que machuca. O que machuca é olhar para frente e ver tantas coisas que Bere não vai mais alcançar. Então ainda, por vezes, choro lembrando o quanto ela teria gostado de participar de um evento que fui sozinho, encontros, família, estas atividades que ela tanto prezava, amava realizar. A saudade em si, agora está se transformando num pensar do lado bom do que vivemos. Não do lado ruim de sua partida. Custei a entender esta diferença, porque quando de mim Bere foi arrancada, que foi meu tudo e meu todo, senti uma injustiça tamanha em minha alma, que não houve luz para enxergar o lado mágico que vivemos. Senti tanto a perda dela, que sua falta apagou qualquer outro tipo de pensamentos. Tanto é que relendo o que escrevi meses atrás, vi que estava ferido, acuado e sem esperança de cura. Mas o tempo cura tudo. O tempo é sábio, ele sabe em sua paciência fazer a todos crer nos motivos que a vida apresenta e da necessidade de nos readaptarmos a novas realidades. 
   Refletindo hoje serenamente sobre o que aconteceu, chego à conclusão de que todas as pessoas, num determinado momento de suas vidas, deveriam ter uma grande perda. Sei que mexi com você ao dizer isto, mas é fato. Então, talvez, a humanidade seria muito mais afeita a valores do coração do que valores de bens. A saída de nossas vidas de alguém tão importante como a esposa, quando o amor foi sublime e inteiro durante todos os anos de relacionamento como foi o nosso, faz com que se olhe o mundo de uma maneira imaterial. Se olha o mundo unicamente pelo lado sentimental. E se descobre que as pessoas realmente não se dão o tempo para este lado. Na dor da perda, quando se entra dentro de si para tentar sair lentamente, mas fortalecido, enquanto se está neste processo, vê-se o mundo terrível que nos cerca. O mundo de valores na busca de mais e mais, deixando completamente de lado os valores que são tão importantes quando se perde alguém: a afetividade, o companheirismo, o tempo de ouvir alguém e de aconselhar, o tempo para pensar sobre o verdadeiro valor de um relacionamento e de sua importância na química do nosso dia-a-dia. O tempo de olhar serenamente para as pessoas e delas somente esperar uma troca de olhar sereno, nada mais. A avidez da corrida diária pelo crescimento material apagou este processo no olhar da maioria das pessoas enquanto correm atrás da máquina. Nosso custo de vida ficou muito caro e cada vez mais precisamos fazer ginásticas arriscadas para suprir todas as necessidades que o meio impõe. E o mais importante fica de lado, de fora, que é o sentimento de bem e de carinho para com as pessoas. Mas no dia em que tiver uma perda importante em sua vida, verá que nada vai lhe fazer bem a não ser o seu sentimento pela situação em si. E vai procurar resgatar tudo isto de dentro de você como pílulas de força para se manter vivo. Nada irá distrair você porque ininterruptamente o sentimento vai estar gritando em seu interior querendo aflorar e tomar conta de você, cobrando o tempo que você não tirou para parar com seu lado material e cultivar carinho, interesse de bem querer, atenção e amor para com todas as pessoas. Mas principalmente para com a pessoa que partiu.
   Dê-se o tempo de ouvir. Não existe forma mais profunda de compartilhar sentimentos. Pois enquanto estiver ouvindo alguém falando de si, de suas coisas, que para você podem parecer bobabens, mas que no momento estão sendo tão importantes para a pessoa que está lhe falando, que ela tem a necessidade de partilhar isto com você. Aqueles mil reais que você está precisando, serão seus, acredite. Mas no momento em que for o certo e não o momento em que você quer ou precisa. Não vai acelerar recebê-los deixando de ouvir alguém que lhe ama ou confia em você, ou até somente tem simpatia por você. Talvez até atraze. Porém marque isto: sentimentos bons atraem somente coisas boas, até valores materiais. E ouvir alguém que lhe ama é um dos sentimentos mais sublimes para ambos. Solidifica o amor e faz um bem químico indescritível. Pare. Dê-se o tempo de ouvir. Vai lhe fazer muito bem.

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   Para completar meu discernimento, conto um fato que aconteceu comigo para verem como muitas pessoas perderam completamente os sentimentos
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   Eu estava num daqueles momentos de muita saudade, bateu o choro e chorei. Durante o expediente de trabalho. Fui no banheiro me lavar, e enquanto estava me lavando chegou um cliente. Fui atendê-lo, olhos vermelhos, e o cliente antes de dizer bom dia falou:
   - Que cara de sono ou de manguaça é esta?
   Eu respondi: 
   - Bom dia! É cara de choro mesmo. Fazem três meses que perdi minha esposa.
   Ele me encarou com vontade e disse:
   - Bobagem! Partiu, partiu! Agora é vida nova. Corre atrás da máquina que não vais pensar estas besteiras.
   Pronto. Voltei a chorar. Agora de sentimento pela falta de sensibilidade, pela dureza de quem está de fora de uma situação destas e não faz nem ideia do que passa na alma da gente.
   Enquanto eu chorava disse para ele:
   - Não foi um bicho que morreu. Foi minha esposa.
   Ele se virou, foi indo embora dizendo:
   - Volto outro dia quando estiver mais calmo. Vi que hoje não tens clima para me atender.
   

2 comentários:

  1. Olá Pio

    Meses atrás encontrei seu blog, passo por uma situação semelhante à sua, pois fiquei viúvo em outubro passado.
    Bom ler que você está conseguindo progressos...
    Tenho um sentimento parecido, o que parecia insuportável hoje em dia se torna, digamos, administrável.
    Também ouvi sugestões das mais absurdas a respeito de meus sentimentos, percebendo a falta de sentimentos de muitos.
    Gostaria de ter tido contato com você por algum motivo menos difícil, mas de qualquer maneira agradeço a você por postar suas crônicas, abrindo seus sentimentos. Isso me fez sentir compreendido. Quem não passou pelo que passamos não faz a menor idéia do impacto que causa, e do tanto de aprendizado dolorido que traz a respeito de amor e amar as pessoas.

    Um abraço
    Paulo Centeno

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    1. Olá Paulo,
      Lembro de você sim, e o quanto partilhamos do mesmo sentimento em relação à perda de nossas esposas. Mas, como falei no texto, vamos seguindo, pois o tempo está se encarregando de fazer a vida novamente ser plena, deixando em nossas mentes as lembranças boas que cultivamos junto de nossas amadas, e nossos filhos.
      Um abraço,
      Pio

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