terça-feira, 1 de junho de 2010

Pérolas Linguísticas: Gerundismo


        Sempre abominei a forma de falar destas pessoas de telemarketing, recepcionistas e outros tais treinados em ISO's de qualificação profissional. A parte que mais falta é o melhor tratamento em português. Estar falando e encaminhando e recebendo e fazendo e finalizando é muito enfadonho. Parece fala pregravada e robotizada onde se inseriu uma frase padrão e a partir dali todas as outras frases se compuseram. Estar sendo atendido é mais ou menos como: "É um saco atendê-lo, mas como não tem outro jeito, já que está aqui, será atendido!"
Estar sendo encaminhado é mais ou menos como: "Poxa, animal, não tinha outra hora para me torrar a paciência?" Estará sendo resolvido é como: "Desta vez eu perdi, mas na esquina te pego!" E, por fim, estar passando para outro setor é como: "Não tem outro jeito: já que não vai largar do meu pé mesmo, vou conceder o privilégio de seguir um passo adiante."
          Deu para perceber o quanto de hipócrita tem no contexto de uma fala em gerúndio? 
          Da próxima vez, é melhor ir direto ao assunto e deixar o gerúndio para os momentos nos quais ele é realmente necessário.


A seguir, um texto sobre este tal de Gerúndio, que achei muito criativo:

Gerundismo
Ricardo Freire


Aqui vai a última flor do Lácio:
Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando
e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não
consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da
comunicação moderna, o gerundismo. Você pode também estar passando por
fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela Internet.
O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar
recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe,
consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela
costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa
estar escutando.
Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar
achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas
infectadas por esta epidemia de transmissão oral.
Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste
movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha das pessoas que
costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.
Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos
interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar
aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. Até porque,
caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando
para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases
assim o dia inteirinho. Sinceramente: nossa paciência está ficando a
ponto de estar estourando.
O próximo  "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar
ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu
não vou estar me responsabilizando pelos meus atos.
As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito
conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia.
Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo
manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que
"We'll be sending it tomorrow" possa estar tendo o mesmo significado que
"Nós vamos estar mandando isso amanhã" acabou por estar sendo só um passo.
Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos
atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo
mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a
estar retornando ligações. A gravidade da situação só começou a estar se
evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo
invadido inapelavelmente pelo gerundismo.
A primeira pessoa que inventou de estar falando  "Eu vou tá pensando no
seu caso" sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa
infelicidade lingüística estar se instalando nas ruas e estar entrando
em nossas vidas. Você certamente já deve ter estado estando a estar
ouvindo coisas como  "O que cê vai tá fazendo domingo?" ou  "Quando que cê
vai tá viajando pra praia?", ou  "Me espera, que eu vou tá te ligando
assim que eu chegar em casa".
Deus, o que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo
o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações?
A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha
de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus
coleguinhas contagiosos, como o  "a nível de", o  "enquanto", o  "pra se
ter uma idéia" e outros menos votados.
A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo
em tá falando desse jeito?

Matéria publicada na coluna  "Xongas", de O Estado de S. Paulo, em 16 de
fevereiro de 2001

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