quarta-feira, 16 de junho de 2010

Um Baile com Temporal


    Fui músico de banda de bailes durante quinze anos. Chegamos uma época, no meio dos anos 80 a ter bastante conceito e prestígio na região, sendo requisitados para muitos eventos e nossos fins-de-semana estavam sempre lotados, assim como os salões onde nós nos apresentávamos.
    Desta época maravilhosa aprendi muitas coisas, principalmente a ser desinibido, comunicativo e adaptável a meios diferentes dos quais eu sempre convivi. Afinal, cada região tem seus costumes e muitos deles às vezes nos parecem estranhos.
    Aprendi também que certos conceitos que existem nos conselhos dos mais velhos não são tão severos quanto parecem, como: apanhar chuva com o corpo quente. Cansei de  carregar aparelhagem no meio da chuva fria depois de suar uma noite inteira no palco. Nunca aconteceu nada. Outra coisa: tomar bebida gelada quando se está gripado. Ora, como aguentaria uma noite de baile cantando sem tomar alguma coisa? E, em muitos eventos naquela época não ficava nada fora do gelo. Ou tomava gelado, ou ficava com a garganta ardendo em brasa. Curiosamente descobri que ao invés de agravar um gripe, a bebida gelada funcionava como um analgésico e aliviava a garganta. Claro, não aconselho ninguém a me seguir no que aprendi, mas até hoje, em meio a uma gripe, uma aguinha com gás gelada faz a diferença!
    Mas, voltando ao clima, uma das nossas maiores aflições nos acorriam quando tínhamos que tocar durante tempestades. O mês de setembro, aqui na região é rico em temporais que vem de madrugada com relâmpagos e trovões que fazem tremer as estruturas das casas. E, apesar do clima lá fora, o baile tinha que continuar. Éramos nós tocando, um clarão, e um estrondo que se sobressaía à música. E nós, nove músicos, morrendo de medo de vir uma lâmina daqueles raios pela rede elétrica. Torcíamos sempre quando começava o temporal, para que faltasse a energia elétrica e assim, podermos nos afastar dos instrumentos pendurados no peito, prontos para serem os terminais de alguma centelha de raio que se perdesse entre os fios da energia elétrica.
    Um sábado à noite, tocávamos em Rincão do Cascalho, um bairro da cidade de Portão (40km de POA), e se iniciou uma tormenta fenomenal na região. Parecia que os raios se concentravam sobre o salão, tamanha era a luz que emanava de sua descarga e a violência do estrondo que se seguia. Nós, no palco tocando, a luz firme, sem sequer piscar, morrendo de medo das descargas. Então, meu irmão que era músico também, não teve dúvida: tirou a guitarra do peito, pousou em seu descanço, pegou um alicate de bico com cabo isolado na caixa de ferramentas e discretamente enfiou os dois bicos numa tomada que estava livre no fundo do palco, escondida atrás da bateria e provocou um curto-circuito. Se foi a luz, e nós respiramos tranquilos. Rapidinho nos livramos dos instrumentos musicais e descemos do palco.
    A tempestade foi passando, seguindo, mas o baile não foi recomeçado porque o salão alagou completamente com uma lâmina de água de mais de 10 cm na pista de dança.


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