segunda-feira, 31 de março de 2014

Momentos



 Momentos

   Recentemente li mais um daqueles textos de palavras rebuscadas para amparar algum momento difícil pelo qual a gente esteja passando. Autor famoso, destes que todos lêem só pela sua assinatura. Li atentamente. Medindo suas palavras e a profundidade para onde quisesse chegar com seu discernimento. Até foi um texto bonito, de motivação bacana, para todos aqueles que do lado de fora de um verdadeiro sentimento de amor, assistem sem notar a angústia escondida de quem realmente amou, amou de verdade, calada num peito sufocado. E o sorriso descontraído é o gemido da angústia da saudade desta ausência gigante que este grande amor está causando. Sofro calado. Nos momentos só meus e por isto pareço o mesmo cara alegre de bem com a vida. Só que de mal com a morte que me arrancou sem dó para suas entranhas a soma deste amor que tanto Bere e eu cultivamos. E este texto, para mim, sei lá, de mim brotou algo que puxou minha mão e me empurrou as palavras no papel, sem eu dominar o que estava escrevendo. Algo assim, surreal. Eu simplesmente, depois de ler o meu texto, senti ter extravasado de dentro de mim aquele explodir de tantas coisas que são escritas por pessoas que talvez nuncam tenham vivido 'na carne' o que é realmente perder um grande amor, pela sua partida prematura, quando justamente o relacionamento estava plenamente ajustado, tudo certinho, num ponto em que o próximo passo teria sido somente colher os frutos desta construção que fora feita durante todos estes anos, em cada pedacinho de nossas vidas e em cada momento de nossos olhares quando conversávamos sobre o futuro. E o futuro não chegou. Cortou abruptamente nossos olhares, nossos pedacinhos de construção, nosso mundo. Aliás, o mundo nos separou. Bere virou luz, enquanto eu seguro aqui em meus pensamentos toda esta soma de ideias e ações que estavam em nossos ideiais.
   Este texto foi só o estopim. Coitado do autor, só tentou escrever motivando pessoas doídas. Pouco doídas, não como eu. Mas como numa revolta minha mão correu solta pelo teclado do computador agitando o bloco de notas, que quase travou, tamanha a velocidade de escrita expondo meu pensamento revoltoso. Porque o que sai de mim é sentir que amor é uma coisa que muitos tentam mascarar com palavras e atitudes que não existem. São só belas palavras. Muitos escrevem sobre o amor. Muitos tentam através de palavras bonitas descrever o amor e as atitudes dentro de um relacionamento que fazem a diferença. Coitados. Todos sonham. Se não o viveram jamais saberão escrever sobre ele. Porque amar na plenitude, não é o que descrevem. Muito menos o que ensinam. Amar na plenitude é deixar de sermos para vivermos quem amamos. Não tem outro jeito. Se deixarmos de ser, somente sermos os detalhes que nossa vida oferece de diferente e deles mantermos nossa identidade, e no mais vivermos a pessoa amada com seus acertos e defeitos, então o amor é pleno. Fui feliz. Vivi um amor desses. Mas, rebuscando estas palavras de perfumaria que tentam dar uma ajuda a quem está perdido no contexto da vida, pensei...
   ...E comecei a escrever: "O amor é um acontecimento. Ele não pode ser moldado. Ele vem, acontece, vive e molda. Não tem o que mudar no amor. O amor é puro, ele não tem meias palavras, nem palavras bonitas, nem ensaios, nem previsões. Senão não é amor! Simplesmente o amor acontece. Ele é doação. Doação sem limites. Ele é reciprocidade, ele é mundo, vida, pulsação. O amor é soma. Soma de um pensamento que se completa com a reflexão em sintonia da pessoa amada. Você pensa, e quem você ama responde em sintonia, só na vibração. Isto é amor. Bere e eu éramos assim. Amor é amar barriguinha, rugas, seios caídos e roncos. Tudo se aceita no amor. Porque a essência, em vez de despencar, só cresce. E isto que faz não dar bola para aquele físico que já não é mais tão físico. O amor é medir consequências já sabendo o resultado desta medida, porque o amor não é uma aventura. É uma fórmula perfeita com seu resultado já apontado. O amor tem limites, mas é ilimitado. Sim, parece antagônico mas é verdadeiro. Por que? Porque o amor impõe limites a quem é amado mas é ilimitado para quem ama porque quem ama sabe, melhor, tem certeza de que a quem ama não precisa impor limites, pois seu amor sabe se limitar. Acho muito linda esta reflexão porque Bere e eu vivíamos isto e vivemos 31 anos juntos sem ao menos em um momento haver uma cena de ciúmes. Porque nosso amor não era limitado." 
   Sabíamos nossos limites. ...E por isto que me referi revoltoso no início do texto. Eu não consigo captar a magia de grandes amores nas entrelinhas dos textos escritos sobre o amor. Porque o amor não é feito de linhas. As linhas do amor todos conhecem. O amor é feito das entrelinhas. Aqueles espaços miudinhos que ficam escondidos entre o glamour dos espaços preenchidos. Porque amor não tolera glamour. Ele exige só a essência. O que evapora, o amor dispensa. Mas o que sobra no frasco, isto sim é importante para ele e isto é a essência do amor. O amor é a vida acontecendo livre, solta no mundo. Porque amor que prende, já perdeu sua essência. A vida livre tem como subir, alcançar alturas incomensuráveis onde encontrará mais energia e onde a pureza do seu meio e onde a tranquilidade do seu discernimento lhe ditará que tudo é verdadeiramente a beleza de uma soma de amores.  E ele acontece. Lindo, pleno forte e sincero. Isto é o amor. O resto, é o resto. 
   Eu queria muito um dia ler um texto motivacional de alguém que arrancou de dentro de si as palavras certas no momento mais crucial, quando a saudade da ausência da perda de um grande amor aconteceu. Porque esta sensação, não é possível descrever. Não existem palavras. Só existem sentimentos. E estes sentimentos são muito maiores que as maiores e mais perfeitas palavras. O sentimento de distância compulsória pelo destino não tem descrição. Só tem sentimento. Só. E as palavras de conforto que sobram são unicamente as lágrimas derramadas uma a uma, gota por gota, deste aperto que uma saudade destas dá. Até o peito aliviar e poder seguir com um sorriso no rosto. Enquanto vai se formando dentro deste mesmo peito, aos poucos, no silêncio, um novo momento. Só basta ativar o estopim. E o de hoje foi receber correspondência via correio no nome da Bere. Pronto. Tá feito. Já vou explodir de novo. 

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