terça-feira, 27 de outubro de 2015

Pequenas Mentiras, Meias Verdades: Banhado em Sangue




 Banhado em Sangue

   Muitas pessoas nascem e com o correr de suas vidas a passam trabalhando ininterruptamente até que um dia seu fatídico fim se anuncia. Trabalham feito cavalos, vivem como cachorros e morrem como desconhecidos. Mas com o Hans Berger era diferente. Ele era um homem predestinado a melhorar muitas coisas na pequena vila de Harmonia. E muitas coisas ele criou e desenvolveu. Mas seus projetos ficaram só no papel ou só em sua memória, sobrando poucas realizações práticas.
   Hans era um visionário. Ele anteviu a revolução de 1964 porque sentiu nas manobras e movimentos políticos que algo seria feito pelos militares, ele previu o pouso de humanos na Lua em 1969 porque acompanhava com muito interesse todos os artigos relacionados à conquista espacial e no meio disso sentiu a iminência de este pouso lunar acontecer em breve e ele disse que o Brasil seria tricampeão na copa do mundo no México em 1970 porque viu na escalação daquele time o melhor time do planeta.
   Ele era exigente e exato. Tudo tinha suas diretrizes, suas metas, suas medidas e suas razões. Assim, o pão que ele mesmo amassava e assava, para cortar, cada fatia tinha que ter exatamente um centímetro e meio de espessura. Ele media a distância entre os cortes para cada fatia ser exatamente igual a outra. A faca usada para cortar estes pães que tinham exatamente o mesmo tamanho, largura e altura, era especial e ele a guardava enrolada num pano de louça para não enferrujar e não perder o fio.
   Devido ao seu estado sensível para tantas coisas quanto à previsões e ideias de novos produtos, máquinas, implementos, ele também tinha muita sensibilidade como ser humano. Certo dia estava ele sentado defronte a sua residência, num banco de pedra na calçada, ofegante. Parecia que o coração lhe sairia pela boca.
   Passou um amigo dele por ele, o viu assim, então perguntou:
   - Hans, boa tarde! O que aconteceu para estar tão nervoso?
   Ele, respirando fundo para se acalmar respondeu:
   - Pedro, você não imagina o motivo do meu nervosismo. Estou até ofegante.
   - Mas o que houve?
   Hans, segurando o peito com a mão, respondeu:
   - Pois imagina só: estava eu sossegadamente sentado aqui neste mesmo banco, a observar as rosas silvestres entremeadas na cerca da vizinha bem aqui na frente. Olha lá: são rosas lindas, de diversas cores, e muito cheirosas. Fiquei com vontade de atravessar a rua e ver e cheirar de perto estas rosas. Quando cheguei, me inebriei com seu aroma, sua textura, sua cor e fiquei completamente distraído.
   - Que bacana Hans! - Disse Pedro. - Mas o que te deixou nervoso?
   Hans disse:
   - Pois eu, enquanto observava o desenho daquelas rosas tive a ideia de criar um aparelho novo, algo para moer grãos. Então, para não esquecer, me virei e vim voltando absorto na ideia que estava criando. Quando dei um passo, passaram em cima da calçada os filhos do Willi e do Lando com suas bicicletas encardidas tão perto de mim, que senti o pulsar de seus corações. Mais um passo, e suas bicicletas teriam me acertado. E eu cairia banhado em sangue. E então... fim para minha vida!

   

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