quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Hora da Faxina - Tempos Bicudos




Tempos Bicudos

   Muitas pessoas de minha geração, a partir dos 'enta' se criaram em famílias com quatro filhos ou mais e cresceram passando dificuldades em certos momentos. A falta de recursos financeiros dos pais para levar sua prole pela vida alimentando, vestindo e educando, absorvia muita dedicação e criatividade para superarem todas estas dificuldades. Eu não conseguiria me imaginar sustentando uma família tão numerosa. Porque as necessidades têm tantos fins, tantos caminhos, que seria uma luta diária para prover por todos.
   Antigamente havia menos necessidades de consumo. A vida era sem eletrônicos, sem telefone, sem cartão de crédito, sem produtos nem roupas ou calçados de marcas e sem comidas pré-preparadas. Diversões eram escassas e produtos escolares e vestuário eram passados de irmão para irmão.
   Hoje em dia quando preparo um alimento que consumíamos na falta de outros, nos tempos bicudos, meus filhos comem e dizem que são manjares. Adoram comer. Só que sempre digo a eles, que este prato está sendo feito agora uma vez a cada dois meses, quando no meu tempo de criança por vezes comíamos o mesmo prato uma semana inteira.
   Então, para refrescar a memória dos de minha geração, ou para mostrar aos que não alcançaram estas iguarias, vou falar de alguns pratos que a mãe fazia. 
   O mais clássico de todos era o pirão com linguiça. Se frita a linguiça com cebola, depois acrescenta água na quantidade de pirão que deseja fazer. Quando a água levanta fervura vai acrescentando farinha de mandioca (como faz com polenta) bem devagar até virar um pirão, um mingauzão. Fica gostoso com feijão.
   Outros pratos que faziam o cardápio simples e sem recursos, sempre acompanhados de um molho que era feito com um pedaço bem pequeno de carne, só para dar sabor ao molho, já que não existiam os caldos que hoje são fáceis de comprar. Então era feito chuchu com creme de maizena e temperinho verde, algo que na época da colheita do chuchu comíamos praticamente todos os dias. Também os clêsi feitos de farinha de trigo cozidos dentro de um caldo feito com as partes do frango menos nobres. Aipim também fazia parte do cardápio e era repetido muitas vezes na época da colheita. Aliás, tínhamos uma caixa de areia seca embaixo do telhado, onde o aipim era coberto por ela e ficava ali durante meses sem estragar. Quando o aipim não cozinhava, ele era moído na máquina de moer carne e frito depois, para aproveitar todo ele. O pão era feito em casa em grandes fornadas. E no verão, inevitavelmente ele criava fungos a partir de certos dias guardado, sem geladeira. Então era picado bem fininho, frito em banha muito quente e depois feito uma omelete onde o pão ficava dentro, gostoso e crocante.
    Assim teria muitas outras coisas para enumerar sobre estes tempos bicudos. Talvez outro dia faça outra crônica falando sobre este tema. Mas, a lição que ficou, é que apesar de tudo que faltou e hoje se tem, vê-se que o ser humano tem uma capacidade de adaptação muito grande frente às necessidades.

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